Giraud e Sarr: uma revolução copernicana para uma economia justa

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13 Setembro 2021

 

Uma revolução pós-capitalista que coloca o trabalho e a pessoa no centro: o ensaio escrito em conjunto pelo jesuíta e pelo filósofo africano é anunciado como um texto fundamental. 

 

A reportagem é de Gerolamo Fazzini, publicada por Avvenire, 08-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Por que, no mare magnum dos ensaios que prenunciam outro futuro possível pós-pandêmico, merece uma atenção especial Un’economia indisciplinata. Riformare il capitalismo dopo la pandemia (Uma economia indisciplinada. Reformar o capitalismo após a pandemia, em tradução livre) que a EMI colocará nas livrarias a partir do dia 9 de setembro (p. 208, € 16)? Uma resposta foi dada pelo “Le Monde”, definindo-o como “uma obra iconoclasta para repensar os fundamentos da economia mundial”.

 

Sim, porque o texto ágil, escrito em conjunto pelo jesuíta francês Gaël Giraud e por Felwine Sarr, intelectual senegalês, não propõe simples corretivos ao modelo atual, mas formula uma autêntica visão alternativa à "economia que mata" (copyright Papa Francisco), cujos efeitos colaterais nocivos, do ponto de vista social, ambiental e cultural, estão à vista de todos. Como chegamos aqui? “A economia é a única ciência que se deteve em um mundo estático, porque foi pensada no modelo da física clássica”, responde Sarr. Giraud faz-lhe eco: “O neoliberalismo é enganoso: era um dique contra a tirania do Estado; agora, o próprio dique está a serviço do furacão”.

 

Para entender o significado de afirmações desse tipo e para que não sejam desclassificadas como excessos ideológicos, é aconselhável dar uma olhada nos perfis dos dois autores. Sabemos muito pouco sobre Felwine Sarr na Itália, embora um de seus textos Afrotopia também tenha sido publicado aqui (Edizioni dell'Asino, 2018). Sarr é um personagem poliédrico, para dizer o mínimo: além de lecionar filosofia africana na Duke University em North Caroline e ter sido cofundador dos Ateliers de la Pensée em Dakar, ele também é romancista, além de músico. Não é por acaso que ele, considerado um dos mais brilhantes intelectuais do continente africano, tenha sido nomeado pelo presidente francês Macron como responsável pela comissão de restituição das obras de arte africanas roubadas pela França durante o colonialismo.

 

Quanto ao padre Gaël Giraud, economista francês e jesuíta, os leitores o conhecem pelo seu sucesso em Transizione ecologica. La finanza a servizio della nuova frontiera dell’economia (Transição Ecológica. Finanças ao serviço da nova fronteira da economia, em tradução livre, Emi 2015). Autor de um artigo fundamental "Para recomeçar após a emergência Covid-19", publicado na "Civiltà Cattolica" em abril de 2020, Giraud é uma das principais mentes católicas no campo econômico em nível mundial: ele trabalha na Universidade de Georgetown, em Washington, onde também dirige o Programa para a Justiça Ambiental, por ele fundado.

 

As biografias dos autores explicam a excepcionalidade desse livro, em que constantemente transitam das atualidades à filosofia, da teologia à economia, com uma dinâmica que por vezes os vê cruzar as lâminas e, mais frequentemente, levantar a bola um para o outro, antes de soltar cortadas devastadoras contra o neoliberalismo, "aquela utopia mortífera da privatização integral do mundo e da redução de todo recurso a um capital". Uma ideologia - explicam os dois - que não só fez escola nas academias, mas literalmente infectou o imaginário do mundo.

 

É urgente reescrever os manuais de economia”, afirma Sarr claramente. E explica: “Quando chegam, no primeiro ano da universidade, os nossos alunos têm uma visão espontânea do mundo, que qualquer pessoa (não especialista) pode ter e que se constrói a partir de uma experiência implícita de superabundância, de generosidade. Depois, com três ou quatro anos de lavagem cerebral microeconômica, há alunos que se tornam "maus", egoístas, calculistas, que acabam se parecendo com a ficção do Homo oeconomicus. Eles tomam ao pé da letra a antropologia, que é inculcada neles de forma normativa, evidentemente sem exercício crítico”. Urge, portanto, percorrer um caminho radicalmente diferente, “nos antípodas da visão estática e desencarnada, veiculada pela economia neoclássica. Para esta última, a prosperidade seria simplesmente o efeito mágico do encontro do “capital” com o trabalho, um trabalho desencarnado produzido por um Homo oeconomicus que é, na realidade, um escravo”.

 

Ao propor sua visão alternativa, Sarr e Giraud não hesitam em recorrer à grande sabedoria da humanidade codificada, por exemplo, no conceito tipicamente africano de ubuntu ou na Pachamama da América do Sul, embora não desdenhem mencionar também gigantes do pensamento de hoje como Paul Ricoeur e Christoph Theobald.

 

Partindo de considerações de natureza exclusivamente econômica, o livro finalmente chega a um cenário que propõe uma revisão cultural global, uma mudança radical de perspectiva antropológica, sem a qual a hipótese de um novo modelo econômico permaneceria uma utopia. “Devemos ensinar de novo ao europeu (e não só ele!) a abrir-se a outros imaginários, plurais, e a sair da autorreferencialidade, sobretudo intelectual e também do imaginário - conclui Sarr -. Quando vou visitar os outros, não os olho com a curiosidade de um turista, ou de quem lança sobre eles um olhar matizado de exotismo ou os vê como pertencentes a uma alteridade radical. Esses outros são o espelho do que eu sou”.

 

 

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