EUA. Quem está por trás do The Pillar, o site que está sacudindo a Igreja Católica?

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02 Agosto 2021

 

Quando um boletim informativo conservador chamado The Pillar publicou uma reportagem na semana passada, alegando ter dados de celular indicando que o Mons. Jeffrey Burrill, uma autoridade do alto escalão da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, usou o aplicativo de relacionamentos Grindr, muitas pessoas na mídia, no mundo da tecnologia e da religião queriam saber exatamente como eles fizeram isso e se isso era ético.

A reportagem é de Jack Jenkins, publicada em Religion News Service, 29-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Mas outra pergunta igualmente comum era: o que é a The Pillar?

A resposta curta: o The Pillar é uma publicação católica fundada no início deste ano na plataforma Substack, um popular serviço de boletins informativos por assinatura que atraiu uma série de escritores de alto perfil (e, por sua vez, uma série de críticas).

Mas, olhando mais de perto, o The Pillar é um pouco mais complicado: é uma publicação que parece ser simultaneamente expressivo de uma nova era do jornalismo e uma forma encorajada de catolicismo conservador.

Os fundadores do The PillarJ. D. Flynn e Ed Condon – são ex-integrantes da Catholic News Agency. Flynn atuou como editor-chefe da CNA (uma função que ele desempenha agora na The Pillar), enquanto Condon trabalhou como editor da CNA em Washington.

A CNA, por sua vez, é de propriedade da Eternal Word Television Network, mais conhecida como EWTN, um império midiático católico conservador com sede no Alabama, que agora exibe repórteres na sala de imprensa da Casa Branca e inclui entre suas propriedades o National Catholic Register.

Tanto Flynn quanto Condon também são canonistas – especialistas em Direito Canônico. Flynn trabalhou anteriormente na Arquidiocese de Denver e na Diocese de Lincoln, enquanto Condon, de acordo com o site do The Pillar, “passou quase 10 anos trabalhando na política profissional no Reino Unido”.

O trabalho deles na CNA às vezes era escrutinado, e os críticos levantavam questionamentos sobre o seu uso de fontes anônimas. Uma reportagem escrita por Flynn (com Condon listado como colaborador) citava bispos anônimos que, depois de confabularem com outros bispos e o Papa Francisco, alegaram que o pontífice se sentiu “usado” depois da ampla cobertura midiática sobre o seu encontro com o Pe. James Martin, um jesuíta que defende um melhor tratamento às pessoas LGBTQ pela Igreja. Mais tarde, dois bispos contradisseram publicamente a citação de um bispo anônimo.

Martin disse ao Religion News Service nesta semana que, no dia seguinte à publicação da reportagem do CNA, uma mensagem de Francisco foi enviada a ele, na qual o pontífice expressava “o quanto ele gostou do nosso encontro”. Depois disso, Francisco enviou a Martin uma carta elogiando o seu trabalho.

Flynn e Condon pediram demissão da CNA em dezembro de 2020, fundando o The Pillar juntos logo depois.

 

As origens

O salto deles para a Substack não foi único: a lista de convertidos recentes da plataforma inclui o cofundador e colunista do Vox, Matt Yglesias, e o analista Andrew Sullivan. O The Pillar, que afirma contar com uma equipe de quatro pessoas, não diz em seu site se é financiada inteiramente pelas assinaturas, se é subscrita por um benfeitor ou ambas as coisas.

Flynn não respondeu aos pedidos do RNS para conversar sobre a fundação da publicação.

No post inaugural do The Pillar, no dia 1º de janeiro, Flynn declarou que a organização se esforçaria para representar a “boa reportagem” que “assume que as pessoas merecem os fatos, sem vernizes e sem rodeios, a fim de fazer julgamentos sobre coisas reais que importam em suas vidas”.

Ele também afirmou que o The Pillar “não criará narrativas polêmicas, sensacionalismo ou autoengrandecimento”, porque os leitores “se preocupam com os fatos, não com as nossas opiniões”.

Os críticos argumentam que a sua reportagem da semana passada abandonou esses padrões elevados. Um escritor do Recode condenou o The Pillar por “associar de forma imprecisa a homossexualidade e o uso de aplicativos de relacionamento com a pedofilia”, uma acusação que Flynn e Condon refutaram.

A reportagem também foi amplamente condenada por usar dados de celulares “desanonimizados”, cuja exatidão continua sendo uma questão em aberto. O Grindr inicialmente divulgou um comunicado chamando os achados do The Pillar de “inviáveis do ponto de vista técnico”, mas depois atualizou sua declaração, dizendo que “nós não acreditamos que o Grindr é a fonte dos dados”.

Independentemente da sua exatidão, Todd Gitlin, professor de jornalismo na Escola de Jornalismo da Columbia University, chamou a reportagem do The Pillar de “escória” em um e-mail enviado ao National Catholic Reporter.

Irina Raicu, que dirige o Programa de Ética da Internet no Markkula Center for Applied Ethics da Universidade de Santa Clara, defendeu o direito do padre à privacidade, mesmo diante da suposta hipocrisia em torno do uso do Grindr, após ele fazer um voto de celibato e trabalhar para um empregador que se opõe à homossexualidade e ao sexo entre pessoas não casadas.

“As pessoas hipócritas merecem privacidade? Tem alguma pessoa que nós achamos que simplesmente não merece privacidade? Eu não acredito nisso”, disse Raicu. “Por motivos relacionados à dignidade e à autonomia humanas, e ao fato de que agora estamos tão conectados e em rede, quando você acha que está mirando em uma pessoa, você pode muito bem estar prejudicando muitas pessoas ao redor dela também.”

Raicu acrescentou que tais questões são complexas, entretanto, argumentando que a privacidade não é um direito absoluto e deve ser equilibrada com outros direitos.

 

O uso de tecnologia de vigilância

Um dia antes de a reportagem do The Pillar ser publicada, a CNA publicou a sua própria história sobre “preocupações levantadas sobre o uso de tecnologia de vigilância para rastrear o clero”, revelando que a CNA foi abordada em 2018 por “uma pessoa preocupada com a reforma do clero católico” que “alegou ter acesso a uma tecnologia capaz de identificar clérigos e outros que baixam aplicativos populares de ‘namoro’, como o Grindr e o Tinder, e de identificar as suas localizações usando os endereços de internet dos seus computadores ou dispositivos móveis”.

O editor da CNA, Alejandro Bermudez, disse que a sua agência recusou a oferta. Não está claro se a CNA acreditava que o conjunto de dados do The Pillar era igual aos dados apresentados à CNA.

Em um podcast, Flynn e Condon observaram que os usuários de celulares normalmente consentem em compartilhar seus dados com empresas de tecnologia ao usarem aplicativos. Os defensores da privacidade contestam há muito tempo o processo por meio do qual as empresas de tecnologia obtêm esse consentimento, mas Flynn e Condon descartaram esses argumentos, sugerindo que os usuários são culpados por não lerem os Termos e Condições.

Depois que o artigo foi publicado, Flynn postou no Twitter que, quando se trata do “equilíbrio entre a privacidade individual e o interesse público”, a equipe do The Pillar estava “confiante em (sua) deliberação”.

O The Pillar publicou dois artigos adicionais que parecem anunciar reportagens futuras sobre autoridades da Arquidiocese de Newark e do Vaticano.

Flynn observou que “absolutamente não havia nenhuma indicação” de que Burrill usava o Grindr para fins ilegais, mas defendeu que é possível conectar o aplicativo com a pedofilia, afirmando que “aplicativos de relacionamento baseados em localização representam um risco de exploração intencional e não intencional, e de abuso de menores”.

Enquanto isso, outras pessoas também levantaram a questão de como a reportagem do The Pillar poderia impactar as pessoas LGBTQ – particularmente as de países onde os indivíduos LGBTQ enfrentam processos ou perseguições.

“O fato de vincular na mente das pessoas a homossexualidade e a pedofilia leva a essa caça às bruxas”, disse Martin. “O que as pessoas não percebem é que isso pode ser apenas o começo. Por que não mirar nos diretores de escolas católicas que são casados? Por que não olhar para os dados dos paroquianos para ver se eles são dignos de receber a Comunhão?”

Martin disse ao RNS que, desde que tuitou sobre a reportagem do The Pillar, ele pessoalmente recebeu ataques no Twitter – “você vai queimar no inferno”, “está ficando nervoso, Jimmy?” – e manifestou a preocupação de que os católicos LGBTQ possam em breve experimentar o mesmo.

 

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