Economia de Francisco em debate no IHU

Ciclo de conferências inicia nesta semana, dia 11, com palestra de Luiz Felipe de Alencastro

Arte: Natália Froner | IHU

Por: João Vitor Santos | Edição: Wagner Fernandes de Azevedo | 10 Novembro 2020

Desde o início de seu pontificado, Jorge Mario Bergoglio vem sinalizando para o fato de que vivemos uma mudança de época, que precisamos transformar nossas relações enquanto humanos e com todas as formas de vida do planeta. Do contrário, levaremos a cabo não só outras espécies, mas também a humanidade. Depois de levantar a emergência de pensarmos numa ecologia integral, defendida em Laudato si', o pontífice constrói em paralelo com Fratelli tutti, a sua última Encíclica, em que defende que ‘todos somos irmãos’, um evento que busca inspiração em Francisco e Clara de Assis e provoca jovens economistas a pensar noutra economia, não do lucro e do consumo, mas da comunhão e do cuidado.

O Instituto Humanitas Unisinos – IHU aceitou o desafio e vem publicando uma série de materiais que vão da linha dessa provação do Papa. Agora, a partir do dia 11-11, promove o ciclo de palestras A Economia de Francisco: possibilidades para uma outra economia.

O encontro promovido pela Santa Sé deveria ocorrer na cidade de Assis, na Itália, mas devido à pandemia as atividades presenciais foram transferidas para 2021. Porém, o Papa não ficou alheio aos inúmeros processos que vinham em curso e que desde o surgimento do novo coronavírus têm sido acelerados. Assim, como esse é um debate que não pode ser adiado, o encontro Economia de Francisco acontece no modo virtual, de 19 a 21 de novembro. E, mergulhando fundo nessa provocação, o IHU se propõe a debater transdisciplinarmente a crise sistêmica atual, acentuada com a pandemia de Covid-19, elencando possibilidades para construir um novo modelo de economia baseado na proposta da Economia de Francisco.

A próxima palestra será proferida pelo Prof. Dr. Luiz Felipe de Alencastro, da FGV-SP, e tem como título “O mundo pós-pandemia? Consequências das crises econômica e política no cenário internacional”. A atividade ocorre dia 11 de novembro, próxima quarta-feira, às 10h, e será transmitida através do Canal do IHU no Youtube e via plataforma Microsoft Teams. As inscrições já estão disponíveis, assim como detalhes da programação, que deve se estender até a metade de dezembro.

 


Luiz Felipe de Alencastro falará das consequências de um mundo atravessado pela pandemia. Foto: Unicamp

 

“Injustiça social é a coisa mais espalhada que há no mundo”

Luiz Felipe de Alencastro é usualmente apresentado como historiador, mas transita muito bem pela Ciência Política e é profundo conhecedor dos caminhos que vão constituir as Ciência Econômica no Brasil. Talvez, uma definição melhor dele é feita pela antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz que, em artigo publicado na Folha de São Paulo, o tipifica como “um historiador muito erudito, capaz de descrever com detalhes a ‘bandidagem negreira’, mas que nunca teve medo de dizer o que pensa, de atuar como intelectual público e de inventar um vocabulário cheio de palavras e expressões no mínimo inesperadas, ainda mais quando pronunciadas por um professor acadêmico”.

Isso talvez se dê à notável curiosidade, coragem e disposição do professor para tentar compreender o Brasil. “Eu queria fazer História para entender o presente”, diz, entre tantas frases recordadas por Lilia. Com vistas no passado, Alencastro não perde o tato com o presente e não teme se posicionar quando necessário. Junto com outros intelectuais e artistas, deu corpo ao Projeto Brasil Nação, e recentemente se solidarizou com as demandas levantadas na "Carta ao Povo de Deus", documento assinado por mais de 150 de bispos brasileiros. O texto aponta os descalabros produzidos pelo governo Bolsonaro, que impõe ao país milhares de mortes na pandemia, ataques à democracia, desagregação social, desastre ambiental, uma “economia que mata”.

E buscar alternativas à “economia que mata” é justamente o que quer o Papa Francisco, perspectiva enaltecida na mesma Carta ao Povo de Deus. Assim como os clérigos, Alencastro e outros ainda pontuam na sua manifestação pública que “é preciso despertar do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam”. Posição que vai na mesma direção em outra das manifestações de Alencastro, também recuperada por Lilia, quando diz que “injustiça social é a coisa mais espalhada que há no mundo” e que por isso deve ser combatida de todas as formas.

Na historiografia, uma das suas maiores contribuições foi ter apontado que não havia uma metrópole, de um lado, que só explorava a colônia, e uma colônia, de outro, que só produzia para enriquecer a metrópole. No centro de seu livro O Trato dos Viventes (São Paulo: Companhia das Letras, 2000), defende que, na verdade, a escravidão e o tráfico negreiro é que criaram um vínculo entre comerciantes portugueses e luso-brasileiros, viabilizando que ambos acumulassem fortunas com a exploração colonial.

 


O Trato dos Viventes (São Paulo: Companhia das Letras, 2000), de Alencastro. | Foto: Divulgação

 

Luiz Felipe de Alencastro é graduado no Institut d'Etudes Politiques d'Aix-en-Provence, possui doutorado em Histoire Moderne et Contemporaine pela Université Paris-Nanterre e Livre-Docência em Historia Econômica na Unicamp. Foi professor na Universidade de Paris-Vincennes e na Universidade de Rouen, além de outras instituições nacionais, como a Escola de Economia de São Paulo – FGV, onde segue como professor titular.

 

Ciclo tem atividades confirmadas para 18 e 25 de novembro e 04 de dezembro

Depois da conferência de Luiz Felipe de Alencastro, a próxima atividade será no dia 18 de novembro, quando o grupo de jovens economistas, que participarão do evento promovido pelo Vaticano, se reúnem para debater “Economia de Francisco. A construção de uma economia que não mata mas faz viver”. Entre eles está Klaus da Silva Raupp, da Boston College, teólogo que estuda justiça social e também é membro do Comitê Ampliado do evento Economia de Francisco. Os demais debatedores são participantes do evento Cláudia de Andrade Silva, da Universidade de São Paulo – USP, Tatiana Vasconcellos Fleming Machado, da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e Lucas Prata Feres, da Universidade de Campinas – Unicamp, e Roberto Jefferson Normando, do Observatório Social do Nordeste.

No dia 25 de novembro, a conferência será com o Prof. Dr. Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e atualmente professor na Faculdades de Campinas – Facamp. Sua palestra é intitulada “Papa Francisco e a crítica ao dogma neoliberal. Limites e possibilidades de uma outra economia”.

No dia 04 de dezembro, o diplomata Rubens Ricupero, que foi o embaixador do Brasil nos EUA, secretário-geral da UNCTAD e ex-ministro da Fazenda, proferirá a palestra A ordem mundial para Francisco. A crise do multilateralismo e o apelo pela fraternidade universal. Todas as atividades serão transmitidas pelo canal do IHU no You Tube e pela plataforma Microsoft Teams.

Assunto já foi tema de outras conferências

Outros ciclos de palestras e debates que o IHU vem promovendo ao longo deste ano têm abordado essa temática da emergência da concepção de uma outra economia, e não ‘uma economia que mate’, como tem insistido o Papa Francisco. Ou seja, uma economia que alie o bem comum e a preservação de todas formas de vida do planeta. Na sexta-feira, dia 6 de novembro, o economista italiano Prof. Dr. Stefano Zamagni, da Universidade de Bologna, falou acerca da “Emergência Climática: ecologia integral e o cuidado da nossa casa comum”. Assista.

Já há cerca de duas semanas, o Prof. Dr. Gaël Giraud, da Georgetown University, nos EUA, entrou no tema pela abordagem da necessidade da concepção que uma renda básica universal. Assista à íntegra da palestra dele, intitulada “Renda universal e justiça socioambiental. Fundamentos econômicos, éticos e teológicos”.

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