A eutanásia: Para a construção da dignidade do morrer humano

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26 Setembro 2020

"A palavra Eutanásia provém do grego Euthánatos, que na sua tradução literal, podemos designar como 'boa morte' e deve ser entendida como 'uma ação ou omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento'", explica Alexsander Baccarini Pinto, mestre em Teologia pela Universidade Católica Portuguesa e pesquisador do Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião – CITER | UCP - Lisboa, em artigo encaminhado ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

 

Eis o artigo.

 

1. Estado da questão

Nesta reflexão sobre a Eutanásia, tentaremos ensaiar uma busca da construção da dignidade do morrer humano. Para uma adequada compreensão da questão em causa, trataremos, em primeiro lugar, da questão da terminologia da palavra eutanásia e as suas várias ramificações e significações. No debate atual levaremos em consideração as deficiências da eutanásia no que diz respeito à dignidade do morrer, da falsa compaixão que, a priori, é tomada por interesses dissimulados e ilusórios que fragmentam a existência da pessoa humana.

Num segundo momento do nosso percurso, assimilaremos de que forma a técnica pode contribuir para a construção de uma ética solidária que favoreça caminhos e orientações práticas para a realização de escolhas morais que permitam aprimorar o sentido da vida em ambientes de pluralismos abertos, sem um horizonte de estrutura definido. Por isso, produziremos uma reflexão que contribua para a formulação de uma consciência que permita o pleno discernimento tendo em vista escolhas morais consistentes e precisas. A construção da “cultura da vida” brota de uma consciência ética bem formada, onde a vida humana é reconhecida como dádiva suprema do amor de Deus, na qual irrompe e rasga todos os grilhões da morte que permeiam a nossa sociedade atual.

 

 

2. A terminologia

A palavra Eutanásia provém do grego Euthánatos, que na sua tradução literal, podemos designar como “boa morte” e deve ser entendida como “uma ação ou omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento” (João Paulo II, Evangelium Vitæ, nº 65). Por um lado, eutanásia “significa uma morte natural e serena, privada de particulares sofrimentos e angústias, sem amarguras nem arrependimentos, quer dizer, em paz com si mesmo, com Deus e com o próximo” (Paula, 2007, p. 309). Por outro lado, no debate atual, o termo passou a significar a ação ou a omissão que causa a morte de um ser humano de forma voluntária ou involuntária, direta ou indireta, tencionando “eliminar” a sua dor e o seu sofrimento, visto que, aparentemente, a vida perdeu o seu sentido. Muitos, por isso, defendem a eutanásia como um gesto de compaixão, no qual antecipar a morte surge como a melhor opção. Não obstante, por detrás dessa compaixão, podem refugiar-se interesses dissimulados e ilusórios, cuja pretensão é “que o mandamento de que nunca é lícito matar uma pessoa humana inocente (“Não matarás”) seja substituído por um outro, que só torna lícito o ato de matar quando o visado quer viver” (Conferência Episcopal Portuguesa, 2016, nº 3).

A eutanásia, do ponto de vista médico, é entendida como uma ação terapêutica que incide de modo direto ou indireto, no encurtamento intencional de uma vida. Do ponto de vista social, é entendida como um interesse superior do Estado, que teria o poder soberano sobre os corpos dos seus membros que se tornaram inúteis à sociedade. Na esmagadora maioria das vezes, não ocorre uma ação direta, mas simplesmente deixa o ser humano “morrer em paz” sem a aplicação de algum medicamento que abrevie a vida ou traga a morte iminente. Sobre este assunto, refere o Papa Bento XVI no seu discurso aos farmacêuticos católicos:

A pesquisa de um bem para a humanidade não pode ser feita em detrimento do bem de pessoas tratadas. No campo moral, a vossa Federação está convidada a enfrentar a questão de objeção de consciência, que é um direito que deve ser reconhecido à vossa profissão, permitindo que não colaboreis, direta ou indiretamente, no fornecimento de produtos que tenham por finalidade escolhas claramente imorais, como por exemplo o aborto e a eutanásia. (Bento XVI, 2007)

 

 

Distinta da eutanásia, a obstinação terapêutica busca, não só por meios ordinários, mas até extraordinários, manter não a vida, mas o funcionamento dos órgãos sem que haja uma sólida esperança de recuperação da saúde do doente. Dessa forma, a obstinação terapêutica corresponde:

à aplicação de todos os métodos, diagnósticos e terapêuticos conhecidos, - mas que não visam proporcionar qualquer benefício ao doente -, com o objetivo de prolongar de forma artificial e inútil a sua vida, impedindo, portanto, através de uma atuação terapêutica desadequada e excessiva, que a natureza siga o seu curso. (João Paulo II, Evangelium Vitæ, 65)

 

Assim sendo, enquanto a eutanásia consiste na antecipação do momento da morte, a obstinação terapêutica visa o prolongamento da vida de uma forma penosa e inútil. No fundo, a obstinação terapêutica consiste numa “crueldade terapêutica” onde se valoriza mais os custos monetários do que a própria vida humana com todo a sua dignidade. Nessas práticas, podemos colocar uma pergunta de cunho existencial: Efetivamente, existe o respeito à vida humana? No caso da eutanásia, existe a vontade de se dispor do direito de interromper uma vida. No caso da distanásia, encontra-se a ânsia desmedida de se prolongar a vida humana, mesmo que ela se torne, somente, uma vida vegetativa. No caso da chamada anti-distanásia, a opinião é de que se deva deixar a pessoa humana morrer “em paz”, sem lhe oferecer algum tipo de medicamento adequado, comporta o descaso moral pela vida.

 

3. Um grito pela vida – A autonomia e a dignidade

Diante desta excruciante realidade, é preciso refletir e admitir que exista uma escala de valores entre o valor da vida e o valor da morte. O conflito ético é um conflito de valores, marcado, comumente, por contrassensos. Basta citar o caso de quem sofre com indiferença pública nos hospitais ou passou a viver o abandono dos próprios familiares. O efeito psicológico é tão grande que o “querer a morte” brada muito mais alto do que um “grito pela vida”. Destarte, podemo-nos confrontar com a seguinte questão: Que significa viver dignamente? Que significa morrer dignamente? Quem pode responder a estas duas perguntas de forma coerente e humana?

Para os crentes, a vida humana é, in sui generis, um dom de Deus. Mas, simultaneamente, a vida constitui, conforme a vontade divina, numa tarefa pessoal. Desta forma, a vida está posta à nossa responsável disposição. Consiste numa autonomia fundamentada na teonomia, onde toda a vida humana, especialmente a morte, tem de ser matizada e abarcada por uma ética misericordiosa do morrer:

A vida humana é o pressuposto de todos os direitos e de todos os bens terrenos. É também o pressuposto da autonomia e da dignidade. Por isso, não pode justificar-se a morte de uma pessoa com o consentimento desta. O homicídio não deixa de ser homicídio por ser consentido pela vítima. A inviolabilidade da vida humana não cessa com o consentimento do seu titular. (Conferência Episcopal Portuguesa, 2016, nº 5).

Assim sendo, é necessário também discernir prudentemente a vontade de uma pessoa que pede a eutanásia. Não se pode dar como segurança absoluta de que o pedido da eutanásia seja de feito de forma livre, irreversível e irrefutável, pois:

Muitas vezes, traduz num estado de espirito momentâneo, que pode ser superado, ou é fruto de estados depressivos passíveis de tratamento, ou será expressão de uma vontade de outro modo (sem o sofrimento, a solidão ou a falta de amor experimentados), ou um grito de desespero de quem se sente abandonado e quer chamar a atenção dos outros. (Conferência Episcopal Portuguesa, 2016, nº 6).

Morrer com dignidadeé um direito de toda pessoa humana, mas nem sempre esse direito pode ser aceite no sentido rigoroso de uma ordenação jurídica, como no caso de leis que determinam a eutanásia, pois “tornar legal a eutanásia significa não somente eliminar as sanções penais, mas principalmente predispor estruturas e procedimentos sanitários que a tornem facilmente acessível e segura para todos” (Paula, 2007, p. 311)

Então, direito de morrer não é sinónimo de direito à eutanásia. Morrer dignamente não pode ser assumido, simplesmente, como direito de morrer, mas é uma exigência ética que tem relação não com o ato de morrer, mas com a forma de se viver como sujeito à própria morte. Sobre isto, afirma o Papa Bento XVI:

Por isso, uma importante colaboração para a paz é dada também pelos ordenamentos jurídicos e a administração da justiça quando reconhecem o direito ao uso do princípio da objeção de consciência face a leis e medidas governamentais que atentem contra a dignidade humana, como o aborto e a eutanásia. Tão-pouco é justo codificar ardilosamente falsos direitos ou opções que, baseados numa visão redutiva e relativista do ser humano e com o hábil recurso a expressões ambíguas tendentes a favorecer um suposto direito ao aborto e à eutanásia, ameaçam o direito fundamental à vida. (2013, nº 14)

Se cada etapa da vida humana possui um valor insubstituível, a morte torna-se ainda mais importante. A solidariedade com quem está para morrer torna-se a ocasião para que se demonstre o valor da vida e da morte para o ser humano. Num contexto onde torna cada vez mais absurda e desumana a tentação da eutanásia, é justo refletirmos ética e teologicamente acerca da “alarmante cultura de morte que avança sobretudo nas sociedades do bem-estar, caracterizadas por uma mentalidade eficientista que faz aparecer demasiadamente gravoso e insuportável o número crescente das pessoas idosas e debilitadas” (João Paulo II, Evangelium Vitæ, nº 64).

 

 

4. Hermenêuticas para a compreensão da dignidade de morrer humano

É neste contexto que tanto os profissionais da saúde como todas as pessoas envolvidas nestas situações carecem de uma hermenêutica e de exigências que os façam compreender o verdadeiro sentido e a absoluta dignidade da morte de uma pessoa. Para isso, é fundamentalmente importante levantarmos em consideração alguns aspectos, que nos podem ajudar a assumir uma a consciência solidária e madura, para quem se encontra na eminência da morte: o cuidado para com doente através dos meios que a ciência médica atualmente dispõe para aliviar a dor e o sofrimento, quando a própria ciência reconhece os seus limites para curá-lo; a não privação do doente de ser o sujeito e o protagonista da sua pessoal ação de morrer; de favorecer os cuidados básicos, tais como a nutrição, ainda que artificial, hidratação, higiene e analgesia; de permitir que o doente tenha acesso à vivência do mistério humano-religioso diante da morte através do contato com um representante religioso; de não privar o doente de assumir o protagonismo da sua morte enquanto está lúcido, apesar de suas dores e angústias. Neste último aspecto, a fé constitui, igualmente, uma ajuda efetiva e eficaz para que o doente supere o temor da morte com uma sólida esperança na vida eterna. Assim sendo, quem possui o sentido da dignidade humana sabe que todas as pessoas devem ser respeitadas e apoiadas, sem jamais serem marginalizadas e consideras como um “peso” e um “problema para a sociedade”. Segundo o Papa Bento XVI:

É justo que se recorra também, quando for necessário, ao uso de curas paliativas, as quais, mesmo se não podem curar, conseguem contudo aliviar os sofrimentos que derivam da doença. Mas, sempre ao lado das curas clínicas indispensáveis, é necessário mostrar uma capacidade concreta de amar, porque os doentes têm necessidade de compreensão, de conforto e de encorajamento e acompanhamento constantes. Os idosos, em particular, devem ser ajudados a percorrer de modo consciente e humano o último percurso da existência terrena, a fim de se prepararem serenamente para a morte, que nós cristãos sabemo-lo é uma passagem para o abraço do Pai celeste, cheio de ternura e misericórdia. (2007)

Todas as orientações éticas possuem o objetivo de encontrar fórmulas e orientações de um morrer verdadeiramente humano, onde a dignidade da pessoa constitui um fator decisivo de todo o projeto pessoal de vida. Desta forma, é de considerar que a humanização do morrer é antagónico com a eliminação da pessoa que morre. Os apelos de quem sofre, com o desejo de findar a sua situação de dor, constitui num forte grito à necessidade de uma presença profundamente marcada pela solidariedade, pelo amor e por expressões que perspectivam a esperança. Por isso, afirma o teólogo redentorista, Marciano Vidal:

A autêntica apropriação ética da morte é aquela de quem aposta pela vida, mas sabendo que a existência terrena não é definitiva. Esta conscientização ou apropriação tem componentes éticos, já que nasce da decisão (e não só do simples saber) e conduz a atitudes de responsabilização no exercício da existência (e não a posturas de desespero absurdo ou de evasão intranscendente). (Vidal, 1996, p. 108)

 

 

5. Integração da morte no sentido da existência humana

Numa sociedade marcada pela produtividade material e maneada por critérios utilitaristas, é imprescindível transmitir àquelas pessoas que se encontram em estado terminal de vida, a preciosidade da existência humana, mesmo nas situações mais lancinantes e pungentes. O padecimento humano e a morte, na perspectiva cristã, são partes da vida e têm se de ser integradas no projeto pessoal de vida. A morte, por ser o fim da vida terrena de cada ser humano, é um fenômeno especificamente humano, porque somente a pessoa humana é capaz de assumir uma postura racional no confronto da sua vida e da sua morte. Assiste-se, porém, uma tendência que busca rejeitar, energicamente, o pensamento e o fato da morte, deixando de se considerar a dimensão objetiva e subjetiva da morte:

E, no entanto, embora sintamos repugnância em falar da morte, é preciso falar dela, pois a vida tem o sentido que dermos à morte. Se a morte existir em função da vida, podemos ter esperança. Mas se a vida tem que acabar num naufrágio total – das pessoas e das coisas – nesse caso a própria vida não tem sentido, pois não desemboca em nada. (Latourelle, 1994, p. 672)

Por isso, a vida humana não perde o seu verdadeiro sentido, tampouco a sua dignidade. O envelhecimento e a morte são, portanto partes constitutivas do ser humano e manifestam a dignidade da pessoa:

O amor para com o próximo torna capaz de reconhecer a dignidade de cada pessoa, mesmo quando a doença veio pesar sobre a sua existência. O sofrimento, a idade avançada, o estado de inconsciência, a iminência da morte não diminuem a dignidade intrínseca da pessoa, criada à imagem de Deus. (João Paulo II, 2004, nº 3)

A ética sobre a dignidade do morrer humano, não escusa as múltiplas conjunturas e condições que se criam para as tentativas de regulamentação jurídica ou deontológica da eutanásia. Por isso, é de suma relevância que os cristãos façam essa ponderação em comum diálogo com homens e mulheres de boa vontade, à luz da revelação divina, na procura incessante de um sensato juízo de moralidade. Cada indivíduo recebe e vive a sua fé e a sua vida como dom e como membro de uma comunidade. Por isso:

A seriedade da fé em Deus manifesta-se na vivência da sua palavra. No nosso tempo, manifesta-se, de modo muito concreto, no empenho por aquela criatura que Ele quis à sua imagem: o homem. Vivemos num tempo em que se tornaram incertos os critérios de ser homem. A ética foi substituída pelo cálculo das consequências. Perante isto, devemos, como cristãos, defender a dignidade inviolável do homem, desde a sua conceção até à morte: nas questões desde o diagnóstico de pré-implantação até à eutanásia. «Só quem conhece Deus, é que conhece o homem» – disse uma vez Romano Guardini. Sem o conhecimento de Deus, o homem torna-se manipulável. A fé em Deus deve-se concretizar-se no nosso empenho comum pelo homem. (Bento XVI, 2011)

Neste sentido, ainda que a pessoa humana sinta fortemente o peso da sua existência, quer seja pela doença quer seja pelo envelhecimento, exclui, definitivamente, a abstração de perder ou tirar a sua própria vida, entendida como rejeição da vida ou como um meio de conseguir uma “boa morte”. O suicídio voluntário ou assistido não é concebido como um pensamento que determina ou assinala um fim “heróico”, pautado em um ato de quem acabaria com a própria vida. É necessário também ter consciência da diferença entre o matar e o acompanhar o morrer humano. O Magistério eclesial ensina que se pode recorrer a cuidados médicos, através de tratamentos paliativos, que contribuam para atenuar o sofrimento, quer diminuindo ou eliminando a dor. Estes cuidados tencionam a assegurar “um conjunto de medidas que visam cuidar do doente, aliviando o seu sofrimento físico e psíquico, garantindo-lhe conforto e melhor qualidade de vida possível” (Conferência Episcopal Portuguesa, 2016, nº 24). Estas orientações visam contribuir para um morrer dignamente humano, no respeito e no cuidado da dor humana e na integração da morte no sentido da existência humana:

A doença e a morte são processos pessoais, que, ao mesmo tempo, exprimem a individualidade de cada pessoa e determinam a atitude pessoal perante a própria história. De facto, a maneira de morrer pode ser decisiva quanto a sentido de toda uma vida. A morte não é um problema a solucionar, mas um mistério que envolve e provoca toda a vida. (Conferência Episcopal Portuguesa, 2009, nº 6)

 

 

Diante de toda esta problemática atual podemos questionar: mas o que é a eutanásia ou o suicídio assistido em sentido estrito? Pois provavelmente são um dos casos mais discutidos e mais problemáticos na hora de elaborar um juízo moral, mas são casos marginais, ou melhor, excecionais. Ainda que existam leis que permitam e outras que despenalizam, estas práticas têm tido uma rejeição absoluta do Magistério eclesial. Trata-se de renunciar à própria vida e, consequentemente, ao exercício da verdadeira autonomia. O que se admite é o direito de morrer, mas não de procurar a morte. Mais, admite-se o direito de morrer em paz, em serenidade e sem sofrimentos, utilizando as possibilidades que estão ao nosso alcance, sem contudo procurar diretamente a morte. É necessário promover o respeito pela dignidade humana, sem soluções desesperadas ou exterminadoras, mas incrementando e favorecendo as tecnologias de controlo da dor física, psíquica e espiritual de cada pessoa humana. A coragem da última etapa da vida pode resumir e salvar essa vida. Por isso, estimula D. José Policarpo:

Abram-se à esperança de que Jesus é a fonte; aceitem que a vida é uma batalha a ser travada com coragem e generosidade, que a nossa vida é um mistério que só Deus conhece. Peçam-nos que vos ajudemos a vencer essa batalha, peçam-nos para vos ajudar a viver, mitigando, se possível, o vosso sofrimento. Ninguém tem o direito de ajudar os outros a morrer. A coragem da última etapa da vida pode resumir e salvar essa vida. (Policarpo, 2016, nº 3)

 

6. Conclusão

Como termo de conclusão, podemos aferir que “o ingresso e a partida desta terra dos filhos de Adão são eventos demasiadamente decisivos e misteriosos para que qualquer autoridade humana possa intrometer-se. Ninguém escolhe nascer e ninguém pode evitar a morte. O fiel acolhe com um sentido de segurança e de alívio a persuasão de que só o Deus da vida é o Senhor que domina a morte” (Paula, 2007, p. 311-312). Desta forma, o homem, atento à realidade, confronta com o mistério da morte, onde por vezes, respira um ar trágico que parece roubar-lhe o coração. Entretanto, a partir do momento que a sua existência se baseia sobre a fé, faz-se necessária a busca por soluções válidas que expliquem esta incógnita existencial. Mas, mesmo agindo desta forma, a conclusão é sempre a mesma: tudo aquilo que o circunda “é destinado a morrer” (Ecl 1,2-11). Por outro lado a vida continua!

Desponta então no ímpeto do coração humano a pergunta: Qual será o destino último desta vida que lhe escapa momento a momento? A impostação religiosa da sua existência oferece-lhe a resposta: Deus! Em tal caso, se o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, por que não pode transcorrer a sua vida sem o temor amargo da morte? É percetível que uma existência fechada ao transcendente, com facilidade, cede à eutanásia, à distanásia e a tantos outros métodos que intentam contra a dignidade do morrer humano.

O magistério eclesial proclama que a vida é um dom esplêndido e uma incumbência colossal confiada por Deus ao homem; e que, justamente porque é um presente e missão recebidos do Senhor, deve ser administrada e vivida profundamente, confiando-se sempre nos desígnios do inflamado Amor Divino, especialmente naqueles momentos cruciais da vida humana. O ser humano não é algo descartável e tampouco o seu valor se encontra no ínfimo do pragmatismo. Na base dos pronunciamentos da Igreja está nítida a defesa da dignidade da vida, que deve ser respeitada e valorizada, desde a sua concepção até ao seu fim natural e não somente quando produz riquezas e é útil para a sociedade.

 

 

Mais do que condenar ou intervir para que a eutanásia não se torne uma legislação difusa no mundo, cabe às pessoas de boa vontade discernir o bem do mal, o justo do injusto, o verdadeiro do falso, e procurar, com todos os meios lícitos e honestos, ajudar o ser humano a descobrir a sua identidade e missão para uma digna forma de viver. Buscando a verdade profunda do seu existir, libertando-o de todas as escravidões que desumaniza e destrói os valores a favor de uma cultura da vida, promovendo uma cultura de morte. Pois:

para o cristianismo, morrer é aceitar a vida como um caminho, nunca completo e nunca abandonado ao desprezo. Para o cristão, morrer é receber a vida como um dom gratuito e restitui-la com gratidão na soberana liberdade da pobreza. Para o cristão, morrer é ter realizado a vida com uma tarefa, na alegria de ter colaborado na construção de um mundo e na felicidade do merecido descanso. Para o cristão, morrer significa construir a vida como um encontro pessoal de comunhão e fazer da partida o último gesto de comunicação. Para o cristão, morrer é entregar a vida como uma oferenda, depois de tê-la seguido como uma vocação. Para o cristão, morrer significa encontrar-se com Alguém. (Flecha, 1976, p. 136)

 

7. Bibliografia:

BENTO XVI, Discurso aos participantes no Congresso Internacional dos Farmacêuticos Católicos, 29 de Outubro de 2007.

___________, Discurso aos participantes da XXII Conferência Internacional do Pontifício Conselho para a Pastoral da Saúde, Vaticano, 14 de Novembro de 2007.

___________, Celebração Ecuménica na Igreja do ex-Convento dos Agostinianos em Erfur, Alemanha, 23 de Setembro de 2011.

___________, Mensagem para a Celebração do XLVI Dia Mundial da Paz “Bem-Aventurados os Obreiros da Paz”, Vaticano, 1 de Janeiro de 2013.

CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Nota Pastoral Cuidar da vida até à morte: Contributo para a reflexão ética sobre o morrer, Fátima, 12 de Novembro de 2009.

_______________________________________, Nota Pastoral Eutanásia: O que está em causa? Contributos para um diálogo sereno e humanizador, Fátima, 8 de Março de 2016.

_______________________________________, Perguntas e respostas sobre a Eutanásia, Fátima, 8 de Março de 2016.

JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Evangelium Vitæ, Vaticano, 1995.

______________, Discursos aos participantes do XIX Congresso Internacional do Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Vaticano, 12 de Novembro de 2004.

LATOURELLE, Rene, Morte, in: Dicionário de Teologia Fundamental, Editora Santuário, São Paulo, 1994.

NERI, Demetrio, Eutanasia – Valori, scelte morali, dignità delle persone, Editori Laterza, Roma, 1995.

PAULA, Ignácio Carrasco de, “Eutanásia”, in: PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA, Lexicon – Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, Escolas Profissionais Salesianas, Rio de Janeiro, 2007.

POLICARPO, José da Cruz., Mensagem O Natal é a vitória da vida e da esperança, Lisboa, 2008, nº 3. Disponível aqui. Acesso em: 14 de Dezembro de 2016.

VIDAL, Marciano, Eutanásia – Um desafio para a consciência, Editora Santuário, Aparecida – São Paulo, 1996.

 

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