A esquerda escolheu o lado errado

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13 Agosto 2020

"No Brasil aparece a nudez do Centrão, sempre preocupado com a moral e os “bons costumes”, mas cego na defesa de políticas públicas, navegando conforme o vento apontar vantagens nem sempre eticamente defensáveis", escreve Edelberto Behs, jornalista.

Eis o artigo.

Na entrevista que o editor do The Intercept Brasil, jornalista Leandro Demori, concedeu à emissora de rádio da capital gaúcha perguntaram-lhe o que teria a dizer aos que identificam o site que ele edita como sendo de esquerda. Educadamente, ele respondeu com uma outra pergunta: “Ser de esquerda é uma doença?” Poderia, sem muita compostura, indagar a@s entrevistador@s: “A emissora para a qual vocês trabalham é de direita?”

Ser de esquerda no Brasil carrega uma carga negativa que talvez tenha origens na educação que vem de casa. Lembro de colega que escrevia com a canhota e os pais tentaram amarrar a mão dele junto ao corpo forçando-o a escrever com a mão direita. Qual a razão de tal agressão? Meu amigo era canhoto por natureza, quando seus pais queriam que ele fosse destro. Talvez estivessem sob a influência do que era o senso comum.

Agora, consultem um bom dicionário e vejam o que ele aponta para o verbete destro. O destro pode ser ágil, desembaraçado, hábil, perito, astuto, perspicaz, sagaz. Pode manejar “com destreza”. E qual o seu antônimo, que tem, assim como destro, origem latina: sinistra, igual à mão esquerda, aplicado para aquel@ que tem maior habilidade com o lado esquerdo do corpo. Empregado como adjetivo, pode ser usado para indicar pavor, desgraça; e como substantivo é sinônimo de dano, acidente, desastre, prejuízo.

A aplicação dos conceitos de direita e esquerda na política remonta à Revolução Francesa (1789-1815). Na verdade, ganhou essa conotação bem após, pois na sua origem direita e esquerda diziam respeito à localização dos deputados no plenário onde se reunia a Assembleia Nacional. Os girordinos, considerados mais moderados, ocupavam o lado direito do espaço, enquanto os jacobinos, tidos como radicais e exaltados, ficavam no lado esquerdo.

A percepção do deputado Barão de Gauville ilustra a situação: “Nós começamos a reconhecer uns aos outros: aqueles que eram leais à religião e ao rei ficaram sentados à direita, de modo a evitar os gritos, os juramentos e indecências que tinham rédea livre no lado oposto”. Notem que as indecências ocorriam no lado esquerdo da Assembleia, enquanto a turma da direita era “religiosa” e “bem comportada”.

Tivessem os girordinos ocupados o lado contrário teriam se apropriado de um forte simbolismo herdado tanto do Novo como do Antigo Testamentos, assim como o Barão de Gauville usou o lado direito para identificar os que “eram leais à religião e ao rei”.

Percorrendo o texto sagrado encontramos, entre outros, o salmista cantando (Salmo 118,16) “a destra do Senhor se eleva, a destra do Senhor faz proezas.” Depois, no Novo Testamento, lemos que Jesus ressuscitou e “foi recebido no céu e assentou-se à destra de Deus (Marcos 16,19). O livro de Atos dos Apóstolos (7,55) conta que “Estevão, cheio do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus e Jesus, que estava à sua direita.”

Cristãos de todos os quadrantes da Terra professam, nas celebrações litúrgicas, que Jesus “nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai, todo poderosos, de onde virá para julgar os vivos e os mortos.” O leitor jamais verá, nas Escrituras, que Jesus esteja sentado à esquerda de Deus Pai!

O apóstolo Paulo, em Efésios (1, 17-20) afirma que “o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o pai da glória” na sua suprema grandeza e poder ressuscitou Cristo “dentre os mortos, fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio”. O evangelista Marcos (16,19) assinala que “de fato, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu e assentou-se à destra de Deus”.

São heranças simbólicas que deixam marcas significativas nos dias de hoje. Notem como a radialista e ativista do Tea Party, ao criticar o presidente Barack Obama, se manifestou: “Ele nada tem de cristão. Nós estamos vendo um comunista socialista na Casa Branca fingindo que é americano”. Ou seja, um americano de verdade sempre é cristão! Socialistas, comunistas, são ateus, quando não diabólicos.

Maldita herança que presidentes autocratas, como Trump e Bolsonaro, sabem manipular muito bem, convencendo e manipulando eleitor@s para o campo da ultradireita que tem lá os seus interesses particulares, que em nada trazem benefícios para a sociedade, para a cidadania.

Pior, no Brasil aparece a nudez do Centrão, sempre preocupado com a moral e os “bons costumes”, mas cego na defesa de políticas públicas, navegando conforme o vento apontar vantagens nem sempre eticamente defensáveis. A origem do termo centro, do ponto de vista político, vem da Roma Antiga: in mediun itos. O que quer dizer, “a verdade está no meio”. Outro conceito que vem carregado de simbolismos!

Então, Leandro Demori, ser de esquerda não é doença. Mas dependendo do cura pode ser pecado!

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