Com Tagle, papa fortalece sua influência no Vaticano e indica um possível sucessor

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12 Dezembro 2019

No jargão da sociologia, algumas organizações são de “alta estrutura”, o que significa que elas se baseiam em regras e procedimentos para manter as coisas unidas, enquanto outras são de “alta cultura”, no sentido de que elas têm muito mais a ver com relações informais e confiança pessoal.

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 11-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O Vaticano, tanto historicamente quanto hoje, é basicamente uma organização de “alta cultura” disfarçada de “alta estrutura”.

Há uma série de normas que governam todos os aspectos das operações lá, mas todo mundo sabe que se trata mais de diretrizes do que de regras rígidas e rápidas, e que quem acaba tomando as decisões geralmente o faz muito mais devido aos laços pessoais do que aos fluxogramas.

Por esse motivo, as questões de pessoal sempre são políticas na Cidade Eterna, o que torna a escolha do papa Francisco do último domingo de nomear o cardeal Luis Antonio Tagle, de 62 anos, de Manila, nas Filipinas, como o novo prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, de fato, uma medida importante.

Tagle substitui o cardeal italiano Fernando Filoni, de 73 anos, ex-embaixador do Vaticano no Iraque, que se recusou a abandonar Bagdá em 2003 quando as bombas estadunidenses começaram a cair e que agora passa a se tornar o grão-mestre da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém.

A medida de Tagle é importante por pelo menos quatro razões.

Primeiro, ele é outro forte bispo de Francisco em um cargo importante no Vaticano. Ele reforça os quadros de pessoal do Vaticano que estão a bordo da agenda do papa, dando a Francisco mais poder para fazer as coisas dentro do seu próprio campo.

Tagle é amplamente conhecido como o “Francisco da Ásia”, um moderado orientado à justiça social, que é mais conhecido pela sua defesa dos imigrantes e dos pobres, e cujo estilo de vida pessoal fala de modéstia e simplicidade. Quando era um jovem bispo, ele era conhecido por andar de bicicleta sozinho para celebrar missa e por convidar mendigos locais à sua residência para almoçar.

A formação teológica de Tagle reflete a ala progressista e orientada à reforma do Concílio Vaticano II. Ele atuou como membro do conselho editorial do livro “History of Vatican II” [História do Vaticano II], com vários volumes, editado por Giuseppe Alberigo e Alberto Melloni, figuras-chave da “Escola de Bolonha”, que incorpora a leitura liberal do Concílio.

Segundo, a Congregação para a Evangelização dos Povos é um grande ator na cena vaticana e está prestes a se tornar maior.

Tradicionalmente conhecido pelo seu antigo nome latino, Propaganda Fidei, o dicastério é responsável pela Igreja em territórios de missão, o que tradicionalmente a tornou política e financeiramente poderosa em Roma e em todo o mundo.

Hoje, sob os termos da iminente reforma das estruturas do Vaticano por parte do papa, ela deve se tornar a peça central de um novo mega-Dicastério para a Evangelização, englobando o Pontifício Conselho para a Nova Evangelização. A ideia é que esse novo departamento para a evangelização se torne o número um na hierarquia interna do Vaticano, substituindo a Congregação para a Doutrina da Fé, tradicionalmente conhecida como “La Suprema”.

Além disso, o mero fato de Tagle estar no comando também aumenta o perfil da Propaganda Fidei, uma vez que ele é uma celebridade por direito próprio, com inúmeros e dedicados seguidores no circuito de conferências católicas. Ele é um comunicador talentoso, que abre o coração e é capaz de fazer isso com sucesso em vários idiomas.

Terceiro, a nomeação de Tagle também coloca um ponto de exclamação no “momento das Filipinas” no catolicismo global.

Hoje, as Filipinas são o terceiro maior país católico do mundo, com uma população católica de cerca de 90 milhões, ficando atrás apenas do Brasil e do México, e confortavelmente na frente dos Estados Unidos. Comparado com o Brasil e o México, no entanto, o catolicismo nas Filipinas tende a ser mais dinâmico, com níveis médios de fé e prática mais altos e uma safra maior de vocações ao sacerdócio e à vida religiosa.

Em muitos pontos do mapa católico, incluindo partes dos EUA, os filipinos hoje são os novos irlandeses, ou seja, os missionários que mantêm as Igrejas locais vivas. Atualmente, é difícil entrar em qualquer área metropolitana de uma grande cidade estadunidense e não constatar que os filipinos também são os membros mais dinâmicos da comunidade católica local, e, onde quer que aterrissem, as paróquias tendem a decolar.

Os expatriados filipinos também são a espinha dorsal das Igrejas Católicas em uma variedade impressionante de locais, da Arábia Saudita, onde eles trabalham na indústria do petróleo e como empregados domésticos de famílias sauditas ricas, à Austrália, passando também pela nova casa de Tagle na Itália.

Quarto e último, colocar Tagle em um cargo tão significativo no palco romano cimenta seu status de possível sucessor de Francisco.

Supondo que um conclave ainda não esteja no horizonte por um tempo, o momento propício provavelmente colocaria Tagle na casa dos 60 anos, o que pode parecer bom aos eleitores – jovem o suficiente para governar, mas velho o suficiente para não ficar lá para sempre. Certamente, os entusiastas de Francisco encontram muitas coisas que os agradam no carismático “bispo dos pobres” filipino.

No entanto, é provável que três obstáculos tenham que ser contornados por Tagle, para que a sua candidatura um dia seja levada a sério.

Primeiro, ele terá que superar as percepções em alguns setores de que ele é um pouco “coração-mole”, capaz de se emocionar a qualquer o momento, mas com pouco peso-pesado. Dirigir um grande dicastério vaticano com decisões reais a serem tomadas pode ajudar nesse ponto.

Segundo, muitos especialistas na crise dos abusos clericais acreditam que a resposta dos territórios de missão tradicionais da Igreja, até agora, tem sido irregular, incluindo o país natal de Tagle, as Filipinas. Além disso, há também preocupações sobre o modo como ele lidou com uma situação como presidente da federação caritativa católica global, a Cáritas, na qual um conhecido padre pedófilo, um missionário belga na República Democrática do Congo, foi mantido em seu cargo apesar de uma condenação em 2012 em seu país natal por abuso sexual de crianças e posse de pornografia infantil.

Como chefe da Propaganda Fidei, Tagle será encarregado de manter os pés no fogo em todo o mundo em desenvolvimento, no sentido de aplicar os protocolos antiabuso, e as pessoas estarão olhando de perto para ver como ele responderá.

Terceiro, a Propaganda Fidei é um importante centro financeiro vaticano, o que significa que ela poderia facilmente ser pega por uma nova onda de escândalos financeiros. A tarefa de Tagle será desarmar a bomba antes que ela exploda, no sentido de que ele pode ser um ator essencial no sucesso ou no fracasso das reformas financeiras do papa.

Vamos ver como Tagle lida com o seu novo papel, mas, enquanto isso, está fora de qualquer dúvida que, em qualquer lista de figuras imperdíveis do papado de Francisco, ele agora está perto do topo.

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