“É preciso levar a catástrofe climática do intelecto para o coração”. Entrevista com Jonathan Safran Foer

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14 Novembro 2019

Jonathan Safran Foer ficou famoso com o seu romance Tudo se ilumina. Homem de reflexões profundas, nada banal, que tenta trazer à vida a atitude correta diante das grandes demandas de nosso tempo, escreveu dois ensaios: Comer animais e Podemos salvar el mundo antes de cenar (Seix Barral). No primeiro, questiona a crueldade da nossa sociedade. No segundo, como enfrentamos a mudança climática, a maior crise da humanidade.

Diz que devemos trazer para a nossa vida a crise planetária alojada em nossa cabeça, como uma ameaça apocalíptica, e agir substituindo produtos de origem animal por outras alternativas, a única maneira pragmática de reverter a mudança climática. Também diz muito mais coisas sobre nós, expondo suas próprias contradições.

A entrevista é de Ima Sanchís, publicada por La Vanguardia, 13-11-2019. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Nos Estados Unidos, 91% das pessoas aceitam a ciência que há por trás da mudança climática, mas apenas 17% se sentem alarmadas.

...!

Eu sei o que está pensando: como é possível acreditar que o planeta está morrendo e não se sentir alarmado?

Não há uma boa solução, então.

A solução talvez seja nos preocupar menos com os nossos sentimentos e crenças e mais com as nossas ações.

Isso soa raro.

Existem muitas coisas em que você e eu acreditamos que, no entanto, não se refletem em nossas ações. É o paradoxo humano.

Estamos comendo o planeta que nos dá a vida.

Todos os cientistas concordam que não podemos salvar o planeta sem resolver o problema de como nos alimentamos.

É um problema a mais?

Em seu último relatório, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) afirma que, mesmo que façamos tudo o que precisa ser feito em relação aos combustíveis fósseis (parar de dirigir, de voar ...), não cumpriremos os objetivos do Acordo de Paris, caso não mudemos a maneira como comemos.

Basta tocar no assunto da carne e dos laticínios para que as pessoas se coloquem na defensiva.

Porque temos uma longa história de fazer as coisas de uma certa maneira e é muito difícil mudar.

Vontade e desejo não andam de mãos dadas.

Por isso, é necessário depender da força do costume. A maioria de nós não atravessa o sinal, paga impostos, não rouba, temos maneiras de participar do bem comum.

E não somos coerentes.

Não sei por que as pessoas são do jeito que são, mas considero difícil acreditar no que sei e tenho muitos incentivos para esquecê-lo. É preciso levar a catástrofe climática do intelecto para o coração.

Não queremos renunciar.

Muitas das coisas que devemos reduzir para salvar o planeta são muito agradáveis: viajar, consumir, mas há coisas que me ajudam, como me expor à ciência e manter essa conversa viva com outras pessoas. Dizer em voz alta o que pensamos e comprometermos o convite em algo concreto, e isso tem poder.

E as leis, o poder coercitivo.

Precisamos delas para resolver a crise planetária, mas como não chegarão muito em breve, precisamos começar a nos colocar a caminho.

E você propõe parar de comer carne até a hora do jantar.

Proponho o que marca a ciência, e não há controvérsia quando disse que europeus e americanos precisam comer 90% menos carne e 60% menos laticínios.

Assusta.

Para atuar diante dessa verdade que requer certa luta pessoal, uma estratégia é eliminar produtos de origem animal do café da manhã e da comida, porque se trata de um problema urgente. Cada um do seu modo e em sua velocidade, mas precisamos começar.

Qual é a sua conexão com o mundo animal? Já conta com dois ensaios sobre o assunto...

Eu não sou um grande amante de animais, mas não é necessário estar apaixonado por um porco para dizer que é incorreto tê-lo em uma jaula tão pequena que nem consegue se virar, é uma questão de decência humana básica.

Ninguém aprova esse tratamento.

O problema é que não temos exposição suficiente à verdade, temos uma imagem idealizada do que é uma granja, um lugar onde os animais são respeitados, mas essa imagem não corresponde à realidade das granjas industriais de 2019.

Lugares fechados onde coisas terríveis acontecem, mas olhamos para o outro lado.

Passo diante de pessoas sem-teto várias vezes ao dia, pessoas que têm sentimentos, esperanças e medos muito parecidos com os meus, mas simplesmente eu passo, sem mais. Temos uma grande capacidade de não nos preocuparmos na prática com coisas que, sim, nos preocupam na teoria. Mas, podemos mudar.

Você mudou?

Desde que terminei [de escrever] Podemos salvar el mundo antes de cenar, no qual reflito sobre minhas contradições frente à crise planetária, não voltei a passar por um sem-teto sem lhe oferecer ajuda, porque não quero ser alguém que não responda aos problemas que é possível responder em maior ou menor grau.

Entendo.

Sendo assim, podemos ser hipócritas, paradoxais e egoístas, mas também podemos mudar, reduzir a distância entre o que somos e quem gostaríamos de ser.

Tudo acontece na intimidade do lar?

O lar é um conceito estranho, pode ser um local físico, um estado mental. Para mim, é um lugar de paz e passei a vida tentando alcançá-lo.

Seria bom se esse lugar fosse para todos nós o planeta Terra.

Estamos mais perto. Agora, a mudança climática está na cabeça de todos. Às vezes, a mudança requer um longo processo. Estamos vendo o florescimento do esforço de muitas pessoas anônimas. Agora, é preciso se somar e agir na medida de suas possibilidades.

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