Opositores ao Sínodo Pan-Amazônico descartam a doutrina social católica

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16 Julho 2019

"Como o Instrumentum laboris deixa claro, esse Sínodo tem 'a oportunidade histórica de se diferenciar claramente das novas potências colonizadoras, ouvindo os povos amazônicos para poder exercer com transparência seu papel profético'."

A opinião é do teólogo estadunidense Charles Camosy, professor da Fordham University, em artigo publicado por Religion News Service, 09-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Muito tem sido dito nos círculos católicos sobre o documento de trabalho para o Sínodo dos Bispos agendado para outubro, atualmente intitulado “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.

Um dos mais importantes críticos da pauta estabelecida no Instrumentum laboris é o cardeal alemão Walter Brandmüller, que anunciou categoricamente que ele “contradiz o ensinamento vinculante da Igreja em pontos decisivos e, portanto, deve ser qualificado como herético”.

Essa, como se costuma dizer, é uma afirmação forte.

Podia-se esperar que o cardeal Brandmüller concentraria as suas críticas nas possíveis medidas excepcionais sugeridas no documento de trabalho para ordenar homens idosos, casados e indígenas em áreas remotas da Amazônia, para que os fiéis de lá possam ir à missa. É aí onde grande parte do debate em curso se concentrou, em que os tradicionalistas têm defendido que a ordenação de homens casados, por mais excepcionais que sejam, seria herética de um modo que as atuais práticas da Igreja – a admissão do clero anglicano como convertidos ao catolicismo ou os padres casados nas Igrejas católicas orientais – não são.

Mas não é sobre isso que Brandmüller e outros em seu campo expressaram preocupação. De maneira perturbadora, seu primeiro alvo parece ser a doutrina social católica.

“Claramente”, escreve Brandmüller em uma carta que o LifeSiteNews publicou na íntegra, “há uma interferência invasiva aqui por parte de um Sínodo dos Bispos nos assuntos puramente seculares do Estado e da sociedade brasileiros. O que a ecologia, a economia e a política têm que tem a ver com o mandato e a missão da Igreja? Mais importante: que expertise profissional autoriza um Sínodo eclesial de bispos a se expressar sobre tais temas?”

Isso pode soar como uma preocupação razoável, até ser posto no contexto dos verdadeiros objetivos do Vaticano com o Sínodo.

Dito de maneira clara, esse Sínodo colocará a Igreja do lado dos povos indígenas da Amazônia. Em particular, colocará a Igreja do lado de uma ecologia integral que respeite tanto a criação de Deus quanto a sua relação com o florescimento dos povos indígenas da Amazônia.

Ele reconhecerá, além disso, que a Igreja não pode ser identificada apenas com o Ocidente desenvolvido e honrará o fato de que, como o Papa São João Paulo II insistiu, Cristo está presente nos povos indígenas de um modo muito especial.

De fato, o documento de trabalho insiste que a vida na Amazônia está ameaçada pela destruição e exploração ambientais e pela violação sistemática dos direitos humanos. Em particular, está ameaçada pela violação dos direitos dos povos indígenas, como o direito à terra, à autodeterminação, à demarcação de territórios e à prévia consulta e consentimento.

De acordo com as comunidades participantes do Sínodo, a ameaça à vida vem de interesses econômicos e políticos globais, especialmente de empresas extrativistas, muitas vezes em conluio ou tolerados pelos governos locais e nacionais, bem como por líderes indígenas tradicionais.

A Amazônia tem grandes riquezas – tanto nos seus povos quanto nos seus recursos – que essas forças tomaram, estão tomando e pretendem tomar no futuro. O documento de trabalho do Sínodo volta sua atenção crítica “a uma visão insaciável do crescimento ilimitado, da idolatria do dinheiro, a um mundo desvinculado (de suas raízes, de seu contorno), a uma cultura de morte”.

As potências econômicas e políticas desenvolvidas, é claro, não cairão sem uma luta. Mas cabe à Igreja Católica permanecer fiel à nossa doutrina social, insistindo em nosso dever religioso de estar do lado dos povos indígenas nesse conflito.

Estranhamente, o cardeal Brandmüller descarta esse mandato, sugerindo que as questões levantadas pelo documento do Sínodo envolvem assuntos de expertise profissional que os bispos não têm. Ele até sugere que temas como “ecologia, economia e política” não têm nada a ver com a missão e o mandato da Igreja.

Essa sugestão, que está mais próxima da heresia do que qualquer coisa no Instrumentum laboris, é totalmente inconsistente com quase 130 anos de doutrina social católica.

De acordo com o Compêndio da Doutrina Social da Igreja do Vaticano, esse órgão do magistério se preocupa com relações justas e santas na sociedade – situações e problemas relativos ao desenvolvimento, ao trabalho humano, à economia, à política, à ecologia humana, à salvaguarda do ambiente e muito mais.

É verdade que os julgamentos feitos sobre políticas públicas específicas só podem ser informados – e não determinados – pelo ensino católico. A doutrina social católica insiste no direito de sindicalização e de um salário digno, por exemplo, mas o modo como esses sindicatos se organizam e o que conta como salário digno em um contexto social e econômico particular não é uma questão que o ensino católico pode decidir abstratamente.

Mas a doutrina social católica exige que as políticas econômicas e políticas sejam projetadas com uma preferência pelos povos indígenas acima e contra os seus poderosos exploradores.

Ela exige que as preferências do estilo ocidental por um crescimento ilimitado do capital, pela idolatria do dinheiro e pela exploração da criação de Deus sejam contidas com uma ecologia integral que honre o plano de Deus para os seres humanos vulneráveis e de carne e osso, e sua relação com o mundo ecológico mais amplo.

As especificidades de como essas metas são alcançadas, é claro, não podem ser decididas de forma abstrata. A percepção daqueles que tem expertise para além do conhecimento dos bispos deve ser ouvida cuidadosamente, exatamente por esse motivo.

Mas, como o Instrumentum laboris deixa claro, esse Sínodo tem “a oportunidade histórica de se diferenciar claramente das novas potências colonizadoras, ouvindo os povos amazônicos para poder exercer com transparência seu papel profético”.

As vozes indígenas devem falar primeiro, e a Igreja deve ouvir. A doutrina social católica não exige menos do que isso.

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