08 Abril 2019
Para as mulheres que querem gozar plenamente de sua liberdade as religiões não foram nunca um bom negócio. Enquanto nos descuidamos, os senhores que pregam com estes ou aqueles mandamentos, cobrem a nossa cabeça, julgam nosso corpo como algo pecaminoso que é melhor esconder, vigiam para que nossa vida sexual tenha como único objetivo a reprodução e nos impedem de controlar o sistema reprodutor. Nosso papel mais celebrado é o de mães e crentes subordinadas; nosso poder nos órgãos de decisão da fé é nulo. Tampouco a religião é uma brincadeira para quem não é homem heterossexual. Ser homossexual na Igreja católica é padecer de uma espécie de transtorno, quando não uma doença, que se pode curar com um curso para que o desviado volte ao rebanho. É curioso que, tendo a Igreja servido de cenário de alguns pastores que atuaram abusivamente contra inocentes, não tenha se estudado a necessidade de alguns cursos preventivos antes de serem aceitos em seu seio.
A reportagem é de Elvira Lindo, publicada por El País, 07-04-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.
Papa Francisco durante sua entrevista com Jordi Évole (Foto: La Sexta)
O Papa é um mago: pega uma concertina afiada nas mãos, se comove, tira um verso da casula como se fosse uma pomba, “o mundo se esqueceu de chorar”, e a audiência foi às alturas. Inclusive alguns jovens líderes de esquerda o retuitaram, “falou um sábio”, e algumas mulheres o defendem desta forma curiosa: “O que esperavam, meninas, que fosse um feminista?”.
O Papa é um ilusionista. Armado de frases fáceis, que o convertem em Pontífice do povo, consegue que umas quantas palavras sobre a imigração escondam aquilo sobre o qual o Vaticano teria mais a dizer: nem a liberdade reprodutiva das mulheres é um assunto banal nessa América Latina da qual ele procede e onde o que a Igreja prega conta tanto, nem a um líder leigo lhe perdoaríamos que definisse o aborto como a contratação de um assassino.
O Pontífice consegue com sucesso que sua informalidade elimine a dureza de coração com a qual a Igreja julga a quem não se ajusta a seu credo. Conta com a sorte de que para fazer [o papel] de policiais ruins já tem os bispos espanhóis que adotam o eufemismo, “estar com a vida”, para mascarar sua falta de piedade com quem está preso no sofrimento e deseja morrer dignamente.
Falou das sarjetas, sim, mas em função do corpo de Franco, que é onde teria feito alusão, mas passou direto. Não tem nada a dizer um Papa que se considera justo sobre a cumplicidade da Igreja católica com o ditador? Porque parte dos abusos sexuais que estão vindo à tona no presente aconteceram naqueles tempos negros, fruto de um temível poder.
Jordi Évole deve ser aplaudido pelo mérito da exclusividade e por sua naturalidade. Eu não teria sido capaz. Ainda tive a oportunidade de perceber em minha infância esse medo que provocavam os padres somente com sua presença, deixando de um lado que se a interlocutora tivesse sido mulher teria se estudado desde o tamanho do decote até o excesso de proximidade.
Entendo a importância de suas declarações pelo imenso poder que ainda tem sobre seus fiéis, inclusive sobre aqueles que não o são, mas o discurso progressista não o comprou. E se estamos falando de versos, melhor recorrer a quem pagou com sua vida pelo amor obscuro: Quiero llorar mi pena y te lo digo / para que tú me quieras y me llores / en un anochecer de ruiseñores / con un puñal, con besos y contigo. [Quero chorar minha dor e te digo / para que tu me queiras e chores/ em um anoitecer de rouxinóis/ com um punhal, com beijos e contigo].
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O Papa e o amor obscuro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU