O vírus tecnocrático de acordo com Horkheimer

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23 Janeiro 2019

Em determinado ponto da entrevista surgiu a pergunta fatídica: "Professor Horkheimer, o senhor sentiria falta da religião se ela desaparecesse por completo?" Era 1971 e o fundador da Escola de Frankfurt, a escola pós-marxista que desempenhou - e ainda desempenha um papel importante na crítica intelectual e ética da sociedade capitalista tinha chegado às fases conclusivas de seu pensamento. A discussão sobre o “último Horkheimer" estava em curso e teria se desenvolvido especialmente depois de sua morte em 1973.

Em 1969, havia desaparecido seu amigo, bem como co-fundador da Escola, Theodor W. Adorno, e em 1970 havia sido lançado o livro A Nostalgia do Totalmente Outro, em italiano com várias edições pela Queriniana: uma conversa com o jornalista Helmut Gumnior publicada no semanário Der Spiegel, em que pela primeira vez o filósofo expunha suas ideias religiosas. Em que, em um trecho considerado por muitos como crucial, ele assim se expressava a respeito da função da teologia: "Teologia significa a consciência de que o mundo é fenômeno, que não é a verdade absoluta, a qual por si só é a realidade última. A teologia é a esperança de que, apesar da injustiça que caracteriza o mundo, não possa acontecer que a injustiça possa ser a última palavra".

Horkheimer explicava que se movia no campo religioso com muita cautela e não queria dar origem a nenhuma conclusão indevida: na verdade mantinha um distanciamento em relação às Igrejas e ao mundo dos teólogos. Ele via, resumindo, na teologia a expressão de um desconforto em relação ao triunfo da sociedade do bem-estar e da técnica, bem como o sinal de uma esperança: que o assassino no final não vença a vítima.

A reportagem é de Roberto Righetto, jornalista, editor da revista Vita e Pensiero, publicado por Avvenire, 09-01-2019. A tradução é de Luisa Rabolini

Mas o que Horkheimer respondeu à pergunta direta feita por Gehrard Rein? Que a visão de um Deus todo-poderoso e infinitamente bom continuava a ser um objeto de fé, tanto para os católicos como para os protestantes, mas um objeto de fé que se contrapõe ao saber filosófico e científico "e que tende a se tornar cada vez mais algo secundário e marginal". No entanto, ele reconhecia que "o mais autêntico espírito europeu não é caracterizado pela negação da doutrina bíblica", mas sim por "uma dúvida contínua e atormentadora". Se no passado o elemento de dúvida havia muitas vezes sido esmagado pelas Igrejas, agora parecia-lhe que o perigo viesse de outro lado, ou seja, do sentimento de onipotência da ciência e da técnica, o aparato conceitual da sociedade fundada no capitalismo.

Falando à Rein, Horkheimer explicou também o sentido da teoria crítica, cujas premissas foram desenvolvidas na época do Terceiro Reich, e que tinha como objetivo compreender como fosse possível no mundo ocidental alcançar o máximo de justiça e de liberdade. Se no início o esforço coincidia com a tentativa de Marx para alcançar uma sociedade justa como o estado final da história, e, portanto, previa a possibilidade de uma revolução, pouco a pouco o processo intelectual do pensador demonstrou preferir a opção reformista. Assim, no final da conversa, ele afirmava que a teoria crítica é uma teoria pessimista e que sempre seguiu uma regra: "Esperar o pior, e proclamar isso francamente, mas, ao mesmo tempo, contribuir para a realização do melhor".

O diálogo com Rein está agora sendo publicado na Itália com um título que se inspira nessa resposta de Horkheimer, Attendersi il peggio realizzare il meglio (Esperar o pior realizar o melhor, em tradução livre, edições Medusa, p.118, 13 euros) junto com outras duas entrevistas mais extensas: uma com o jornalista da área cristã da Radio Suíça, Otmar Hersche (que foi ao ar em 1970 e foi reproduzida na Itália, em 1972, por Rusconi com o título Rivoluzione o libertà? - Revolução ou liberdade?, em tradução livre -) e aquela com o escritor Grytzko Mascioni (publicada sempre em 1970 na revista Il dramma).

Como já deve ter sido percebido, há duas vertentes que emergem dessas três conversas: o papel da religião nos últimos anos da reflexão de Horkheimer e um balanço da teoria crítica expressa pela Escola de Frankfurt. Duas vertentes que desembocam em sua análise lúcida sobre a tecnocracia destinada a governar o mundo, uma forma de totalitarismo bastante diferente daquela nazista que ele mesmo havia experimentado na década de 1930, na Alemanha, mas bastante eficaz e penetrante, capaz de restringir a liberdade e diminuir a justiça.

Horkheimer repetidamente cede ao pessimismo, à impossibilidade de realizar a utopia do reino de liberdade, e atribui ao filósofo um papel mínimo, o de apontar os males da sociedade. E, igualmente desiludido sobre as chances do marxismo, enfatiza a importância do amor ao próximo próprio do cristianismo, que Marx não foi capaz de compreender e sem o qual qualquer projeto de solidariedade seria condenado ao fracasso. Reaparece aqui a função da teologia, muitas vezes definida por Horkheimer como uma dimensão de pesar e nostalgia, mais do que uma verdadeira perspectiva da qual recomeçar: em qualquer caso, o reconhecimento de que o sentido da existência é ulterior ao cientificismo: "Se acabamos considerando desafiador e digno de fé apenas aquilo que se manifesta no âmbito da ciência - afirma a Hersche - o inevitável resultado é o desespero". E mais adiante: “Sem base teológica, a afirmação de que o amor é melhor que o ódio permanece absolutamente desmotivada e desprovida de sentido”. Inclusive falando com Mascioni ele confirma seu pessimismo schopenaueriano, o que não exclui "o otimismo na prática", ou seja, a resistência do homem diante de um futuro caracterizado pela administração total da humanidade, exercida por uma burocracia totalitária, com o cancelamento da vida interior.

E a propósito do domínio da tecnociência, deve-se ressaltar o juízo positivo de Horkheimer à encíclica Humanae Vitae de Paulo VI, contido na obra O eclipse da razão, mas que, como assinala Riccardo De Benedetti no prefácio do livro da editora Medusa, foi retirada na edição italiana da Einaudi. Um enésimo caso de censura ideológica?

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