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09 Outubro 2018

"O país vive um momento crítico. A nação brasileira pode estar indo para o abismo e consolidando uma irreversível trajetória submergente. É bom lembrar o alerta de Vinicius de Moraes que dizia: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”!" escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 08-10-2018.

Eis o artigo.

“O melhor governo é aquele que menos governa”
Henry Thoreau (no livro “Desobediência Civil”, de 1849)

“A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar”
Vinicius de Moraes

No primeiro turno da campanha eleitoral de 2018, praticamente todos os candidatos associaram alto crescimento econômico com felicidade. Jair Bolsonaro enalteceu o alto crescimento da época do “milagre econômico”, nos anos de chumbo da ditadura militar, mas não falou nada do fracasso do governo Figueiredo. Fernando Haddad teceu loas aos anos de médio crescimento do governo Lula, mas omitiu – ou forneceu desculpas pouco convincentes – o fracasso do governo da presidenta Dilma Rousseff (que foi rejeitada nas urnas de Minas Gerais).

Segundo o pensamento econômico tradicional o alto crescimento do PIB gera emprego, gera renda, gera recursos para o Estado investir em infraestrutura e em gastos sociais, enfim, gera felicidade geral para a nação. O gráfico abaixo mostra as taxas anuais de crescimento do PIB (colunas azuis) e os octênios (média móvel de oito anos) de crescimento da economia, no período 1948 a 2018. Na primeira metade do século XX, os octênios variavam entre 3% e 6% ao ano. Em 1955 o octênio referente ao período 1948-1955 (governos Dutra e Vargas) atingiu o nível mais alto da série histórica, até aquele momento, com o valor médio de 7,2% ao ano. Este valor foi superado em 1961, com crescimento de 8,2% ao ano, referente ao octênio 1954-61 (maior parte transcorrido no governo JK).

Nota-se que a economia brasileira começou uma fase de aceleração do crescimento a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e atingiu o pico durante os governos militares, pois o octênio com desempenho recorde foi de 1969-1976 (governos Médici e Geisel), quando apresentou crescimento médio anual de 10,1%. A média de crescimento continuou acima de 7% ao ano até 1980.

Mas com a crise dos anos 1981 a 1983 (governo Figueiredo) a média do crescimento anual do PIB caiu para algo em torno de 3% ao ano. Na sequência, com a crise econômica dos governos Sarney e Collor a média do crescimento econômico brasileiro caiu ainda mais e atingiu a pior média do século XX no octênio terminado em 1994, com valor de 1,6% ao ano.

Portanto, a economia brasileira estava com inflação alta e baixo crescimento quando foi feito o Plano Real. O ponto alto do octênio 1995-2002 (governo FHC) foi no ano 2000 com média de 3,1% ao ano (em 2002 a média foi 2,4%). As duas últimas décadas do século XX foram de baixo crescimento, mas a primeira década do século XXI foi de recuperação. A média de crescimento do octênio 2003-2010 (governo Lula) foi de 4,1% ao ano e o octênio recordista do atual século foi em 2011, referente ao período 2004-2011, com média anual de 4,4% ao ano.

A partir de 2011 a economia brasileira entrou em declínio acentuado e os octênios seguintes apresentaram valores cada vez menores até atingir o mais baixo crescimento médio anual da história, que foi de 0,6% em 2018, referente ao quinquênio 2011-18 (governos Dilma e Temer). Portanto, o Brasil vive a sua mais longa e profunda crise econômica, sendo que os últimos 8 anos (2011-18) foram os que apresentaram o pior desempenho econômico da história republicana do país. O crescimento do PIB nunca foi tão fraco. Desta forma, não é de se estranhar que o Brasil esteja tão polarizado e com tanto rancor e divergência política na flor da pele.

Entre 1930 e 1980, o PIB do Brasil cresceu mais do que a média da economia mundial e mais do que a média do PIB dos países emergentes. Neste sentido, o Brasil ganhou peso relativo e se tornou uma das 10 maiores economia do mundo. O Brasil era um país emergente. Mas a partir de 1981 a economia brasileira passou a crescer menos do que a média mundial e a média dos países emergentes, se tornando um país submergente.

O gráfico abaixo compara o crescimento do Brasil e dos países emergentes, entre 1980 e 2020, com base nos dados do FMI (abril de 2018). As linhas pontilhadas apresentam o crescimento anual e as linhas cheias a média móvel trienal. Nota-se que os únicos períodos em que a economia brasileira cresceu acima da média dos países emergentes foram nos anos de 1984 a 1986 e 1993 a 1995. A partir de 1996, o Brasil passou a ter um desempenho consistentemente pior do que os países emergentes e a distância se ampliou e atingiu uma diferença considerável na atual década (2011-2020).

O gráfico abaixo (também com dados do FMI, de abril de 2018) mostra que, desde os anos de 1980, o Brasil cresce consistentemente abaixo da média mundial e bem abaixo da média dos países emergentes. No período 1980-1985 (governo Figueiredo) a diferença entre a taxa média de crescimento anual do PIB do Brasil, do mundo e dos países emergentes não era tão grande. No período 1986-94 (governos Sarney, Collor e Itamar), a diferença aumentou, especialmente no último período do gráfico.

Nos oito anos do governo FHC (1995-2002) a economia brasileira cresceu em média apenas 2,3% ao ano (menos do que no período 1980-1994) e isto ocorreu em um momento em que o PIB do mundo e dos países emergentes estava se acelerando. Nos oito anos do governo Lula (2003-2010) houve uma aceleração do crescimento da economia brasileira que se aproximou bastante da média da economia mundial, mas ficou bem abaixo da média dos países emergentes que se beneficiaram do superciclo das commodities e dos ganhos dos termos internacionais de troca. Nos oito anos dos governos Dilma e Temer (2011-2018) o Brasil teve o seu pior desempenho da história, crescendo apenas 0,7% ao ano, bem distante dos 3,7% aa do mundo e dos 5% dos países emergentes.

Considerando todos os dados anteriores, nota-se que, depois da Segunda Guerra Mundial, os dois períodos de maior crescimento da economia brasileira foram nos governos JK (1956-61) e durante um pedaço da ditadura militar (governos Médici e Geisel), sendo que o período do chamado “milagre brasileiro” o crescimento do PIB bateu todos os recordes dos 518 anos de história do Brasil. De 1980 para cá (fase de baixo crescimento), os 8 anos do governo FHC foram de baixo crescimento (2,3% ao ano), mas os quase 14 anos do PT (2003-2016) também foram de baixo crescimento (2,5% ao ano, quando o mundo crescia 3,9% ao ano e os países emergentes cresciam 6% ao ano no período 2003-16). Mas nada se iguala à mediocridade dos 8 anos dos governos Dilma-Temer (0,7% ao ano).

Entre 1901 e 1980, o PIB brasileiro cresceu em média 5,7% ao ano. Mas no período 1981 a 2018 o crescimento médio anual do PIB foi de somente 2,1% ao ano. O Brasil que, entre 1901 e 1980, era um país emergente e crescia acima da média mundial, passou a ser um país submergente a partir de 1981, pois iniciou um período de crescimento abaixo da média mundial e muito abaixo da média dos países emergentes. O Brasil cresce (pouco) em termos absolutos e fica para trás da média mundial, em termos relativos.

Todos estes dados mostram que o próximo governo brasileiro, que será eleito em 28 de outubro, para o quadriênio 2019-2022, vai herdar uma situação muito delicada na economia brasileira, cujos passivos podem ser apresentados, sinteticamente, da seguinte maneira: baixo crescimento econômico, altas taxas de desemprego e subemprego, grandes déficits fiscais (primário e nominal), crescimento elevado da dívida pública, baixas taxas de investimento, baixa produtividade da economia, crise na saúde, na educação, na segurança pública, etc.

Embora a economia brasileira tenha apresentado sinais de grande debilidade nas últimas quatro décadas e esteja passando pelo pior octênio da história (2011-18) os dois candidatos que disputam o segundo turno das eleições prometem recuperar o “passado glorioso” do Brasil, quer seja o patriotismo dos anos autoritários ou o internacionalismo terceiro-mundista dos governos de esquerda.

O candidato Jair Bolsonaro, que sempre faz elogios ao regime militar, promete retomar o período de grande crescimento da economia brasileira e faz questão de dizer que no período da “lei e da ordem” do governo militar o PIB brasileiro crescia bem acima da média mundial e o Brasil era um dos principais países emergentes do globo. Houve grande redução da pobreza naquele período e as taxas de homicídios eram muito baixas. Mas o que o candidato não fala sobre o triste processo de concentração da renda e supressão das liberdades e dos direitos humanos.

Já o candidato Fernando Haddad promete fazer o país ser feliz de novo repetindo o octênio do governo Lula, que embora tenha mantido um crescimento do PIB cerca de três vezes menor do que no período do milagre econômico, foi o período de maior crescimento da fase submergente da economia brasileira (1981-2018), tendo a seu favor um crescimento conjugado com redução da pobreza e da desigualdade social, num ambiente político-democrático.

Portanto, os dois candidatos prometem grande crescimento da economia como solução para todos os males nacionais. Sendo que Bolsonaro (recém-convertido ao neoliberalismo) promete crescimento com maior presença das leis de mercado, maior liberdade de iniciativa e maior autoritarismo na política; enquanto Haddad promete crescimento com maior interferência estatal, melhores políticas sociais e respeito às instituições democráticas. Evidentemente, caberá ao eleitorado escolher qual o melhor modelo a seguir e os riscos inerentes a cada modelo.

Porém, o quadro internacional e nacional não é róseo. Utilizar palavras bonitas para prometer crescimento da renda e a solução dos problemas sociais é fácil, o difícil é transformar estas palavras em realidade. De modo geral, nas campanhas eleitorais, os candidatos subestimam a complexidade dos problemas e superestimam as promessas e a capacidade de solução das carências econômicas e sociais do país. O perigo é ignorar o tamanho do rombo fiscal e passar a sensação de soluções que na verdade se transformam em um estelionato eleitoral.

Nenhum programa de governo apresentado pelos candidatos apontou de maneira clara e realista de onde sairão os recursos para realizar as promessas de campanha. Além do mais, a panaceia do crescimento econômico pode não se concretizar devido a três motivos: primeiro o Brasil tem se mantido preso à “armadilha do baixo crescimento” desde 1981 e não tem conseguido crescer mais do que a média mundial e muito menos em relação aos países mais dinâmicos (possui baixa produtividade dos fatores de produção).

Em segundo lugar, os países emergentes têm diminuído a taxa de crescimento, pois a China reduziu pela metade os seus recordes do PIB e diversos outros países estão enfrentando grandes reverses econômicos como a Argentina, a Turquia, a Nigéria, a Venezuela, etc. Em terceiro lugar, todo o desenvolvimento econômico do mundo tem sido feito com grande degradação ambiental e um colapso ecológico pode se transformar em um colapso civilizacional.

Portanto, independentemente da alternativa que sairá vencedora em 28 de outubro, a possibilidade de repetir altas taxas de crescimento econômico está cada vez mais distante. Qualquer que seja a alternativa vencedora das eleições vai enfrentar uma realidade de baixo crescimento econômico que vem se consolidando nas últimas quatro décadas. E o pior, nos próximos tempos, o mundo caminha para a estagnação secular (período de baixo crescimento no longo prazo), conviverá com o fim do bônus demográfico e o forte envelhecimento da população e terá que arcar com os custos econômicos e sociais das mudanças climáticas.

Sustentar todas as promessas eleitorais na ideia do crescimento econômico pode ser um fiasco, pois parece impossível se retomar às altas taxas de crescimento do passado e, mesmo que se consiga, pode ser uma vitória de Pirro, pois pode agravar a relação entre desenvolvimento e meio ambiente. Não será fácil articular democracia, economia e ecologia. O novo relatório do IPCC mostra que o mundo caminha para um colapso ambiental se não conseguir limitar o aquecimento global no limite de 1,5º Celsius em relação ao período pré-industrial.

É claro que o Brasil precisa mais de professores e de democracia do que de militares e autoritarismo. Mas os candidatos que vão disputar o segundo turno precisam fazer propostas menos grandiloquentes e alertar a população brasileira para a difícil situação nacional e internacional. Ninguém chega à felicidade com base na ilusão ou em bilhetes premiados.

Não será fácil fazer o Brasil crescer de forma economicamente inclusiva, socialmente justa e ambientalmente sustentável. Esta utopia não é fácil de se alcançar e, caso seja minimamente alcançável, não será tarefa de apenas um governo. É preciso tomar cuidado para que a eleição de 2018 não repita o estelionato eleitoral de pleitos passados e que não seja, simplesmente, um plebiscito entre os dois períodos de maior crescimento dos últimos 50 anos: o “milagre econômico” da ditadura militar e o período do superciclo das commodities do governo Lula.

O Brasil está em uma situação de impasse econômico e social e as eleições de 2018 indicam uma radicalização do discurso do “nós contra eles” que pode tornar o país ingovernável. Pode ocorrer um desastre de grandes proporções se o Brasil ficar mais 4 anos em clima de ódio e de cegueira política e econômica. A nação não merece o populismo, nem de direita e nem de esquerda. Não merece também um Congresso sem renovação e com a consolidação de uma representação conservadora, fragmentada, distante do perfil médio da população e sem propostas para fazer o país avançar.

O resultado do primeiro turno apresentou um tsunami anti-petista e mostrou os equívocos do partido que adotou uma tática sectária isolando, por exemplo, o candidato Ciro Gomes ao impedir uma aliança do PDT com o PSB e pela afirmação da presidenta da legenda que diz que “Ciro não passa no PT nem com reza brava”. O PT não teve a visão correta de fazer uma proposta que unificasse a esquerda.

Agora no segundo turno, as forças progressistas precisariam se unir para evitar o abismo de propostas inconsequentes do radicalismo infantil de direita e realizar as transformações estruturais tão necessárias. Mas a unidade não pode ser feita com base em propostas estreitas e nem de forma a ignorar o combate às práticas corruptas. A autocrítica é fundamental para superar a desconfiança. É preciso reforçar os valores democráticos, mas sem deixar de reconhecer que a democracia brasileira não está conseguindo promover o bem-estar da maioria da população nos últimos 30 anos (dados os privilégios, a incompetência e o mal funcionamento de suas instituições). No segundo turno, o debate deve ser mais aprofundado e deve haver a montagem de um “bloco histórico” avançado e inovador que evite a demagogia enganadora das soluções simples e equivocadas.

Não cabe focar em um projeto de partido na eleição de 28 de outubro, mas sim, transformar esta oportunidade em um momento para se discutir um novo e pluripartidário projeto de país – que foque em uma nação justa, próspera e ambientalmente sustentável no longo prazo. O momento exige uma frente ampla democrática para pacificar o país e fazer o básico dos fundamentos econômicos, sociais, políticos e ecológicos.

Para tanto é preciso uma grande mobilização da sociedade civil, com transparência e determinação para fazer o que é possível se conquistar, com ética e firmeza de princípios, numa total conscientização utópica capaz de agregar a esperança e o esforço individual e coletivo, mesmo sabendo que estamos diante de um cenário global cada vez mais distópico.

Um registro: não existe determinismo histórico, mas em todas as eleições da Nova República quem venceu o primeiro turno venceu o segundo turno. Também quem vence em Minas Gerais venceu no Brasil. As próximas três semanas vão requerer muita reflexão do eleitorado. Pesquisa Datafolha indicou que o apoio à democracia nunca foi tão alto no país. Mas ironicamente, a democracia nunca esteve tão ameaçada e enfraquecida na dinâmica concreta da política.

O país vive um momento crítico. A nação brasileira pode estar indo para o abismo e consolidando uma irreversível trajetória submergente. É bom lembrar o alerta de Vinicius de Moraes que dizia: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”!

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