Geoffrey Robinson, o ‘santo padroeiro’ das vítimas de abusos na Austrália

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22 Setembro 2018

O bispo Geoffrey Robinson ganhou novamente as manchetes depois que instituições católicas espanholas publicaram um histórico pedido de perdão pelos abusos sexuais recordaram que o bispo auxiliar emérito de Sidney foi um dos primeiros bispos a reconhecer que o problema dos abusos é, em primeiro lugar, um problema de clericalismo.

A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 20-09-2018. A tradução é de André Langer.

Mas quem foi esse pastor heroico que descobriu, nas suas próprias palavras, que “o poder espiritual é o poder mais perigoso de todos”? E por que foi assediado pelas autoridades romanas, a tal ponto que acabou renunciando ao seu cargo episcopal?

Doente de câncer aos seus 80 anos, Robinson abriu-se no final do ano passado ao portal Eternity. Embora não houvesse nenhum assunto tabu na entrevista, é difícil saber qual foi exatamente a razão que levou o prelado a ser um dos guerreiros mais ferozes da Igreja australiana pelas vítimas de abusos e seus direitos.

Talvez tenha sido porque o próprio Robinson foi abusado na infância, embora não por um padre. Ou pelos 10 anos que passou, na sua juventude, estudando em Roma, em plena febre do Vaticano II, experiência que plantou nele as sementes de sua firme convicção de que o celibato sacerdotal obrigatório é uma das mais sérias ameaças à integridade do catolicismo. Quaisquer que sejam as experiências formativas decisivas, o próprio Robinson coloca 1987 como a data inicial de sua cruzada. Nesse ano, ele participou da conversa de dois padres da diocese que revelaram a magnitude do problema dos padres pedófilos.

O então auxiliar de Sidney pôs mãos à obra, começou a se reunir com centenas de vítimas e a passar horas e horas conversando com elas. Experiências, diz, que o “tocaram profundamente”, mas que também o deixaram ‘tocado’. Tanto que alguns argumentam que seu compromisso com os sobreviventes custou-lhe a promoção a arcebispo de Sidney. Posto que cairia, em 2001, nas mãos do agora cardeal George Pell, com quem Robinson teve sérias desavenças, tanto em Sidney como quando Pell era arcebispo de Melbourne.

Nos três anos em que trabalharam lado a lado em Sidney, Robinson e Pell tiveram seus atritos. Acima de tudo, Robinson admite, pelas declarações ultraconservadoras do arcebispo sobre temas como a homossexualidade. Cada vez que Pell dizia que era uma “perversão”, Robinson se sentia abalado, porque não concordava nem um pouco com a afirmação. “Eu pensava, ‘Isso é impossível. Minha integridade está em jogo pelas coisas que [Pell] representa’ e sentia que não podia continuar, para ser honesto”, disse Robinson, sobre o porquê renunciou ao cargo em 2004 com apenas 67 anos.

Mas a tensão entre Robinson e Pell era anterior à chegada de Pell a Sidney. O problema? Suas diferenças sobre como responder à chaga dos abusos.

Em 1996, os bispos australianos encomendaram a Robinson a criação de um protocolo para enfrentar a pedofilia, e ele rapidamente concluiu que o direito canônico era totalmente inadequado para resolver o problema, porque prevalecia nele o segredo pontifício e porque não permitia que os abusos fossem denunciados à polícia. Com seu protocolo, Robinson quis introduzir um sistema independente de investigações e indenizações e a possibilidade de que padres abusadores fossem afastados de forma permanente do ministério ativo.

Embora tivesse participado das deliberações que derivavam no protocolo de Robinson, Pell decidiu introduzir um sistema completamente diferente na Arquidiocese de Melbourne, sem os mecanismos de investigação e de indenização independentes. Foi um passo, o de Pell, que dividiu os bispos australianos e fez com que até hoje não tenham sido capazes de responder colegiadamente ao flagelo dos abusos. Robinson sentiu-se frustrado com a atitude de Pell, mas houve outra razão para o seu descontentamento: a inércia e a incapacidade do Vaticano.

Males que, para Robinson, têm um único responsável: o Papa João Paulo II. Wojtyla – revelou – não disse e não fez nada quando lhe apresentaram um relatório sobre a magnitude da pederastia na Igreja já na década de 1980. E, por isso – porque guardou silêncio –, “a lealdade dos bispos [ao Papa] transformou-se em lealdade ao silêncio”.

Por sua convicção de que as autoridades vaticanas não tinham nem as ferramentas nem a vontade de acabar com a pederastia e sua determinação para ignorar o segredo pontifício na busca de justiça para as vítimas, era inevitável que Robinson atraísse a ira de João Paulo II. Raiva que plasmou no livro que escreveu em 2007, Poder e sexualidade na Igreja, no qual revelou que Roma o acusou até de heresia por seus esforços para acabar com o obscurantismo do direito canônico. Mas, embora Robinson tenha acabado de se aposentar por seus problemas tanto com Pell como com o Vaticano, nunca deixou de lutar pelas vítimas de abusos, nem pelo desabrochar de outra forma de Igreja.

Prova deste último compromisso é o pedido que Robinson organizou já em 2013, juntamente com outros dois bispos australianos pedindo ao Papa Francisco para que convocasse um Concílio Ecumênico para abordar a questão da crise de abusos. Dizendo-se “atormentado” e “horrorizado” com as intermináveis histórias de padres abusadores, Robinson e seus irmãos bispos chamaram a Igreja para uma discussão dos seguintes 13 pontos, que poderiam muito bem servir como uma síntese de todas as razões pelas quais Robinson acredita que, com a pederastia, chegamos onde estamos:

1. A influência continuada da ideia de um Deus irado

2. A imaturidade que surge da obediência passiva em adultos

3. A doutrina da Igreja sobre a moral sexual

4. O papel exercido pelo celibato nos abusos, especialmente no celibato obrigatório

5. A falta de uma forte influência feminina em todos os aspectos da Igreja

6. A ideia de que pela ordenação o sacerdote está acima dos outros (o clericalismo)

7. A falta de profissionalismo na vida dos sacerdotes e dos religiosos

8. As situações insalubres em que muitos sacerdotes e religiosos são obrigados a viver

9. A constante vinculação de crenças corretas a atos corretos

10. A paixão pelo obscurantismo e a ocultação de falhas na Igreja, especialmente no Vaticano

11. Os modos pelos quais a proteção da autoridade papal foi precedida pela erradicação dos abusos sexuais

12. A falta de estruturas para realizar o ‘sentido da fé’ (sensus fidei) de todos os católicos

13. A falta de autoridade de cada Conferência Episcopal para obrigar os bispos individualmente a seguir decisões comuns nesta matéria.

Um programa completo para a reforma que a Igreja precisa tão desesperadamente, e um testamento do homem que poderia muito bem ser considerado como o “santo padroeiro” da prevenção dos abusos.

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