Uma crise que está longe de acabar: como a Igreja pode responder ao abuso sexual

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21 Agosto 2018

Além de novas salvaguardas e restituição financeira, a Igreja deve também fazer um ato significativo de arrependimento e reparação pública, especialmente dentro de sua vida litúrgica. Imaginem um dia publicamente declarado de jejum e penitência para bispos e sacerdotes, no qual bispos e outros líderes eclesiais se prostram humildemente e escutam em silêncio o testemunho dos fiéis", analisa o editorial de America, revista dos jesuítas dos Estados Unidos, 17-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.

Eis o texto.

O relatório do Grande Júri da Pensilvânia sobre abuso sexual dentro da Igreja Católica, divulgado na terça-feira, 14 de agosto, relata o abuso de 301 padres em seis dioceses, com mais de 1.000 vítimas. Embora a grande maioria dos casos descritos pelo grande júri antecede a primeira onda da crise de abusos sexuais da Igreja dos EUA em 2002, a reação visceral a este relatório e à onda de relatos que ele está provocando são fortes evidências de que a crise está longe de acabar.

Isso não quer dizer que haja uma epidemia contínua de padres cometendo abuso sexual de crianças. Embora a vigilância ainda seja necessária e um único caso de abuso já seja inaceitável, há motivos para acreditar que as práticas e políticas adotadas na Carta de Dallas, juntamente com uma maior conscientização do público sobre o problema, reduziram drasticamente a incidência de abuso.

Mas mesmo que as reformas adotadas em 2002 tenham ajudado a evitar mais abusos, elas não repararam a devastadora perda de confiança causada por anos de obstrução, negação e negligência por parte dos líderes da Igreja institucional, especialmente bispos e superiores das comunidades religiosas, que retornaram os abusadores ao ministério repetidamente, enquanto faziam pouco ou nada para cuidar de suas vítimas ou proteger aqueles que estavam vulneráveis. Esta crise na Igreja continua - mais dolorosamente para os sobreviventes de abuso cujas histórias não foram ouvidas e cujas feridas não foram suficientemente tratadas. Eles até viram alguns dos bispos que não conseguiram protegê-los sendo promovidos dentro da hierarquia eclesial.

No entanto, enquanto a Igreja finalmente começa a ouvir o chamado ao arrependimento, aqui estão alguns passos importantes que seus líderes, especialmente os bispos, devem tomar nos próximos meses:

Concentrem-se primeiro nos sobreviventes do abuso, não nos efeitos dessa crise na Igreja como instituição, em sua reputação ou em sua status financeiro.

Não sejam reflexivamente defensivos ou desdenhosos em resposta a acusações contra a Igreja e revelações de falhas passadas ou que ainda ocorrem. Algumas das respostas dos bispos ao relatório do grande júri demonstraram uma notável falta de tato em relação ao horror que os fiéis estão experimentando atualmente e ao trauma com que os sobreviventes ainda vivem. Nossa resposta primária a esta crise não deve ser enquadrada em termos legais, financeiros ou práticos, mas na linguagem da verdadeira contrição, tristeza e, acima de tudo, ação e reforma. O exemplo do bispo Lawrence Persico de Erie, que escolheu testemunhar pessoalmente diante do grande júri e substituiu advogados que resistiram à divulgação de registros, é um modelo a ser seguido por outros bispos.

Não esperem que as autoridades civis tragam os escândalos do passado à luz. A experiência dos últimos 16 anos mostra que o pior acabará por vir à tona. Tais divulgações devem ser antecipadas e incentivadas, não resistidas até que sejam impostas. Todas as dioceses e comunidades religiosas devem seguir o exemplo daqueles que começaram a fazer uma declaração pública abrangente de seus conhecimentos sobre alegações de abuso. Uma das poucas maneiras restantes na qual a Igreja pode oferecer misericórdia aos sobreviventes de abuso sexual é demonstrar, através de tais revelações voluntárias, que valorizamos a dignidade sagrada das vítimas mais do que a reputação e a estabilidade da Igreja.

Não finjam que os bispos sozinhos podem se responsabilizar por conta própria. O bispo Edward Scharfenberger, de Albany, solicitou uma comissão de leigos para investigar alegações de abuso e má conduta contra os bispos. O cardeal Daniel DiNardo, presidente da Conferência dos Bispos dos EUA, anunciou que os bispos vão elaborar um plano abrangente para enfrentar essa “catástrofe moral” em sua reunião de novembro. Esse plano deve ser rapidamente implementado, com uma ordem clara para que uma comissão examine a cultura, políticas e práticas que permitiram aos bispos continuarem nomeando padres abusivos e que recomende soluções eficazes. Os bispos dos Estados Unidos devem endossar essa comissão e também pedir ao Papa Francisco que lhe dê a aprovação clara. Como dissemos pela primeira vez há algumas semanas, os bispos não devem hesitar em convocar os que dentre eles falharam gravemente para que reconheçam suas falhas e renunciem.

Encontrem maneiras de começar a fazer uma reparação significativa aos sobreviventes de abuso sexual na Igreja. Isso deve incluir um apoio financeiro significativo, ajudar no aconselhamento e implementar alguma medida de restituição ao trauma com o qual eles vivem há anos. A Igreja pode estar preocupada com o efeito das expansões de responsabilidade civil por abuso sexual, que podem arruinar financeiramente dioceses e limitar o ministério a pessoas em grave necessidade.

Mas a Igreja deve demonstrar maior preocupação com as necessidades das vítimas, que há muito foram negligenciadas, um pecado que deixou a Igreja moralmente falida na mente do público. Fundos de compensação, como o estabelecido na arquidiocese de Nova York, podem fornecer um bom ponto de partida, embora devamos garantir que tais esforços priorizem o atendimento aos sobreviventes em detrimento das esquivas da Igreja em relação a responsabilização legal.

Além de novas salvaguardas e restituição financeira, a Igreja deve também fazer um ato significativo de arrependimento e reparação pública, especialmente dentro de sua vida litúrgica. Imaginem um dia publicamente declarado de jejum e penitência para bispos e sacerdotes, no qual bispos e outros líderes eclesiais se prostram humildemente e escutam em silêncio o testemunho dos fiéis. Imaginem um ato simultâneo de contrição dos bispos e padres, em seus próprios nomes e em nome de seus antecessores, em todas as catedrais do país. A Igreja deve também considerar maneiras de as paróquias mostrarem sua solidariedade com os sobreviventes de abuso além de simplesmente acrescentar um apelo à oração dos fiéis.

Não temos a pretensão de que essas recomendações sejam abrangentes nem mesmo minimamente suficientes. Elas são apenas um ponto de partida. Acima de tudo, enquanto podemos reconhecer o grande bem feito pela maioria dos padres, ninguém deve fingir que as falhas morais dos líderes da Igreja que acompanharam os crimes graves de alguns de seus padres foram apenas eventos isolados ou acidentais. O padrão do pecado é claro. Agora devemos enfrentar a catástrofe que se abateu sobre a Igreja e implorar pela graça da conversão, por mais agonizante que esse processo possa ser.

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