O detento e sem-teto que passou a assessor de um cardeal

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18 Julho 2018

Duas vezes por semana uma van preta cheia de voluntários deixa o Vaticano e vai para uma das estações de trem de Roma para servir um jantar para os pobres. Atrás do volante? Um cardeal vestido com uma camisa cinza básica.

A reportagem é de Paulina Guzik, publicada por Crux, 12-07-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

Quando a van retorna ao Vaticano depois de servir refeições para cerca de 300 moradores de rua, migrantes e outros necessitados, o motorista para, abre a janela do carro e cumprimenta os sem-teto que dormem nas colunas da Praça de São Pedro ou vão a um dormitório vizinho.

O cardeal Konrad Krajewski, o esmoleiro pontifício, conhece a maioria pelo nome.

Há três anos, Enzo Luciani era um dos que dormia debaixo das colunas. Ele tinha uma barba comprida e, como ele mesmo diz, era "fedido como todos eram antes de o Papa construir os chuveiros para nós aqui".

Isso foi antes de ele conhecer "Don Corrado" - o apelido de Krajewski - e, depois de anos de uma verdadeira "estrada de Damasco", Luciani é o braço direito do cardeal.

Nascido em Nápoles e com várias sentenças no passado, Luciani agora faz de tudo: desde cozinhar para o cardeal e os pobres que jantam no apartamento dele todos os dias até ajudá-lo a colocar a comida nas vans que depois serão servidas para os sem-teto.

No consistório de 28 de junho, em que Krajewski recebeu o chapéu vermelho, Francisco disse aos novos cardeais: "Nenhum de nós deve se sentir 'superior' a ninguém. Nenhum de nós deve olhar os outros de cima para baixo. Unicamente nos é lícito olhar para uma pessoa de cima para baixo, quando a ajudamos a se levantar”.

Paulina Guzik conversou com Luciani sobre sua vida e seu trabalho com o esmoleiro pontifício.

Eis a entrevista.

Como você saiu da vida na rua? Quem te ajudou?

Graças a Don Corrado, que tinha alguma confiança em mim. Tenho vários registros criminais - muitos mesmo -, então as chamadas “pessoas boas” (que, aliás, muitas vezes estão perdidas) - nunca confiam em você! Mas Don Corrado é um homem de Cristo, e este é o seu papel - confiar nas crianças mais pobres de Deus.

E ele me deu uma segunda chance. Muitas pessoas diziam: “mas e o passado dele...". E ele sempre cortava: "Sim, eu sei". Já faz três anos, e, graças a Deus, estamos vencendo juntos.

Quando nos conhecemos, o senhor me disse: enquanto os jornalistas escrevem sobre o Papa, você deve escrever sobre o que este homem está fazendo...

O que eu quis dizer é que você é responsável por suas palavras, porque as pessoas formam sua opinião baseada no que você fala. E se há um escândalo na Igreja, as pessoas pegam na hora, e às vezes parece a coisa mais visível na história da Igreja.

E este homem, Don Corrado, está na Igreja há 30 anos! Então o que eu queria dizer - e Don Corrado não precisa mais de qualquer propaganda - é que as pessoas saibam que ele não é um cardeal comum. Ele não fica atrás da mesa. Ele carrega os caminhões, assim como todos os outros. Lembro que ele era um arcebispo recém-nomeado e estava suando, carregando a comida para os pobres. Eu disse: “Don Corrado, o senhor está todo suado!” Ele respondeu: “Eu sou um homem como qualquer outro, eu trabalho. Trabalho para a Igreja”.

Então o que o senhor faz para o cardeal?

Eu cozinho para os pobres. Uma vez, há alguns anos, Don Corrado me disse: Enzo, pode cozinhar algo para nós? E olha, tem irmãs, tem os cozinheiros do Vaticano que poderiam cozinhar para ele! Mas ele pede para mim porque quer que eu me sinta útil novamente.

Mas a primeira coisa que ele sempre pede é: "Enzo, os pobres. Você precisa cozinhar para os pobres. Você é bom nisso, faça isso por eles!" Às vezes quando os pobres estão com problemas e nervosos eu levo eles até o cardeal e a maioria fica mais tranquila quando o veem.

Estou sempre disponível para o cardeal. E Don Corrado mantém à sua volta quem está disponível não para ele, mas para Cristo.

Recentemente você cozinhou para Tomasz Komenda, um polaco que foi condenado à prisão perpétua injustamente por matar e estuprar uma garota de 15 anos de idade. Depois de 18 anos na prisão, ele foi inocentado de todas as acusações. Ele diz que foi graças à intercessão de São João Paulo II que as provas de que ele não havia matado a menina foram encontradas. Quando ele veio ao Vaticano para agradecer a João Paulo II pela libertação, ele foi saudado pelo Papa Francisco e convidado por Don Corrado para almoçar no seu apartamento... Ouvi dizer que ficou muito emocionado com esse encontro...

Acho que o que ele sentiu na prisão foi a dor que Jesus sentiu. Sabe lá o que ele deve ter passado na prisão especial para estupradores e assassinos de crianças... Fiquei muito emocionado quando ele nos visitou. Don Corrado me disse naquele dia: "Enzo, prepare algo que ele nunca tenha comido na prisão."

Não me lembro o que fiz, mas com certeza foi algo que ele nunca tinha comido atrás das grades. Mas o mais importante naquele dia não foi a comida, mas o fato de ficarmos juntos na mesa e compartilhar a vitória dele, compartilhar sua inocência, que é uma verdadeira vitória cristã.

Como foi o dia em que Don Corrado foi nomeado cardeal?

Acho que fui o primeiro a vê-lo quando o Santo Padre disse que ele seria cardeal. Eu estava aqui, ao lado das colunas, e corri imediatamente para a casa dele e vi seu rosto calmo.

Era a alegria e a tranquilidade do Don Corrado humilde. Ele nos ensina que quanto maior nos tornamos, mais humildes devemos ser. Todos nós passamos por batalhas internas - eu sou melhor que você, você é melhor do que eu... e na verdade somos todos filhos de Deus! Nenhum de nós está acima dos outros, porque no fim das contas somos todos pecadores.

O senhor sentiu que as pessoas estavam se comportando como se fossem superiores quando estava na rua?

Não faz muito tempo que um casal muito bem vestido saiu da audiência com o Papa Francisco numa quarta-feira, e um homem estava deitado na rua, perto dos chuveiros, aqui na Praça de São Pedro. Uma senhora, acho que o nome dela era Anna, parou e olhou para o homem. O marido disse: Anna, não olhe para aquele homem! Mas ela tinha um verdadeiro coração de mãe.

Estou muito feliz por trabalhar para o Don Corrado porque ao seu lado se vê o coração de um homem de verdade. E a roupa muitas vezes não condiz com o coração que se tem. Por isso, temos que olhar uns aos outros no fundo do olho e em direção ao coração. Quando temos esperança em Cristo, superamos qualquer coisa.

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