A Academia de Ciências Sociais da China exalta os mártires de Zhengding

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14 Novembro 2017

A Academia de Ciências Sociais da China jogou luz sobre os missionários católicos que, de longínquas terras europeias, chegaram à China para anunciar o Evangelho. E não os descreveu como "quintas colunas" dos imperialismos ocidentais. Pelo contrário, ela os exaltou como "amigos" do povo chinês, dispostos a dar suas vidas para proteger mulheres e crianças da violência dos invasores japoneses, quando o exército do Sol Nascente tentou subjugar a China. Uma declaração que não parece estranha ao interesse demonstrado pelo próprio presidente Xi Jinping diante das narrativas sobre os missionários mártires da década de 1930 do século passado.

A reportagem é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 11-11-2017. A tradução é de André Langer.

O reconhecimento do bem que os missionários católicos fizeram ao povo chinês se deu em uma conferência organizada no final de outubro pelo maior centro de pesquisa histórica e social da República Popular da China, por ocasião do 80º aniversário do chamado “Massacre da Igreja de Zhengding”, em que, em 1937, oito missionários europeus que ajudavam milhares de fugitivos foram mortos por soldados japoneses. Também a Agência Fides, vinculada à Congregação Propaganda Fide do Vaticano, destacou o alcance e as consequências do congresso: “dos acadêmicos do ‘think tank’ do governo de Pequim chega a confirmação de que esses missionários católicos foram movidos a esse gesto de gratuita oblação de si não por um vago sentimento humanitário ou pela decisão de querer ser heróis, mas simplesmente por causa da sua fé cristã”.

O martírio, a fé e Xi Jinping

O caso sobre o qual refletiu o simpósio, também organizado graças ao Instituto Cultural Faith, dirigido pelo sacerdote católico John Baptist Zhang, representa um dos testemunhos mais emblemáticos da dedicação ao povo chinês manifestada por missionários católicos durante a segunda guerra sino-japonesa: é a história do bispo holandês Frans Schraven e dos oito missionários europeus que foram assassinados pelos soldados japoneses porque tentaram proteger as 200 meninas chinesas que os soldados do exército invasor pretendiam reduzir a escravas sexuais. Os historiadores recordam-na como “o massacre da igreja de Zhengding”, perpetrado em 9 de outubro de 1937: o bispo Schraven, desde 1921 vigário apostólico de Zhengding (hoje Shi Jiang Zhuang), e seus companheiros de martírio foram queimados vivos pela tropas de ocupação japonesas. Além das 200 meninas que os soldados japoneses reclamavam como “mulheres de conforto”, o bispo Frans e seus companheiros acolheram e defenderam da violência dos militares milhares de outros chineses deslocados, que encontraram refúgio na igreja.

Os acadêmicos, eclesiásticos, historiadores e representantes políticos que participaram da conferência, afirmou a Agência Fides, concordaram em reconhecer a contribuição positiva que a Igreja católica na China ofereceu à nação e ao seu povo durante a guerra com os invasores japoneses. Algumas intervenções chegaram inclusive a exaltar em termos mais gerais a contribuição dos missionários católicos no desenvolvimento da sociedade chinesa, especialmente nos campos da educação, da cultura e da saúde. "Nossa avaliação sobre os missionários", disse o professor Li Qiu Ling, da Universidade do Povo de Pequim, "deve reconsiderar sua identidade e condição missionária. A razão profunda por que eles não recuaram, naquele trágico tempo em que a China estava em guerra, está precisamente em sua fé". O professor Liu Guo Peng, pesquisador do Instituto de Estudos sobre o Cristianismo da Academia e moderador da Conferência, revelou que, em 2013, durante o trabalho de catalogação dos documentos conservados no arquivo da Propaganda Fide, conseguiu estudar os documentos que testemunham o martírio do bispo Frans e seus companheiros.

Durante a conferência, também foi indicado que o presidente Xi Jinping ouviu a história sobre o sacrifício do bispo e seus companheiros na China, quando estava na Holanda em 2014, durante a sua visita oficial. E foram usadas também para os mártires de Zhengding as palavras de agradecimento que o presidente chinês dedicou em seus discursos oficiais a todos aqueles que durante a Segunda Guerra Mundial "sacrificaram suas vidas pelo país, pela nação e pela paz". Em outubro de 2014, alguns meses depois da visita de Xi Jinping à Holanda, o apoio dos missionários católicos à população chinesa durante a invasão japonesa foi o tema de outro congresso organizado no seminário de Hebei com a participação de instituições acadêmicas e culturais como a Universidade Fudan de Xangai e a Universidade Normal de Hebei.

Um olhar objetivo sobre o trabalho dos missionários na China

O trabalho dos missionários católicos na China, que também foi contemplado pela conferência chinesa das Ciências Sociais, foi motivo, no passado, de polêmicas e de iniciativas controversas. Em 2000, muitos missionários acabaram no triturador da controvérsia chinesa com o Vaticano, por ocasião da canonização dos 120 mártires da China, elevados à glória dos altares por João Paulo II em 1º de outubro desse Ano Jubilar. A data escolhida para a canonização coincidiu com o dia do feriado nacional da República Popular da China. E em todo o processo de canonização, observou-se o ativismo da Igreja e das instituições de Taiwan (com o embaixador de Taiwan junto ao Vaticano na primeira fila durante a cerimônia de canonização). Esses detalhes alimentaram a irritação do governo de Pequim, que atacou a canonização como uma operação política, um "complô" anti-chinês. Na polêmica, missionários e sacerdotes mártires foram denunciados como agentes do colonialismo ocidental, autores de "crimes" contra o povo chinês.

Agora, a conferência sobre o massacre da igreja Zhengding confirma que as instituições culturais chinesas e as instituições eclesiásticas podem debater e tentar compartilhar um olhar sereno e objetivo inclusive sobre a história das missões católicas na China. Além disso, a historiografia católica também reconhece sem censura que, entre os séculos XIX e XX, o fervor apostólico na China teve que enfrentar as estratégias imperialistas dos países ocidentais, que pretendiam repartir entre si os despojos de um império que estava entrando em colapso. Na verdade, já desde essa época os missionários e os homens mais agudos da Igreja não deixaram de denunciar o quão sufocante era, para a ação apostólica, a pressão das potências imperialistas.

Celso Constantini, que foi o primeiro delegado pontifício na China (e cujo processo de beatificação acaba de começar), fez, em 1920, um balanço das décadas em que a missão se transformou, para as potências ocidentais, em um instrumento de expansão colonial: “Os chineses – reconheceu Constantino – sofreram a formidável série de perdas e humilhações provocadas pelas missões cristãs e viram as missões estreitamente vinculadas à política agressiva das nações estrangeiras [...]. Aconteceu que os governos europeus expulsavam os religiosos do seu próprio país, negando-lhes o direito comum a todos os cidadãos, mas estavam muito preocupados em protegê-los em missões na China [...]. Em virtude dos tratados impostos à China pela força e especialmente pela isenção dos estrangeiros da jurisdição chinesa, as missões acabaram constituindo um ‘imperium’ no império”.

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