O que ocorre com a China. Artigo de Immanuel Wallerstein

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

07 Novembro 2017

“Uma crise estrutural é caótica. Isto significa que no lugar da série normal de combinações ou alianças que previamente foram utilizadas para manter a estabilidade do sistema, estas alianças em busca de ganhos de curto prazo variam constantemente. Isto só faz com que a situação piore. Notamos, aqui, um paradoxo: a certeza do final do sistema existente e a incerteza intrínseca do que eventualmente o substituirá, criando, portanto, um novo sistema (ou novos sistemas) que estabilize as realidades”, escreve o sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein.

“Não é possível para a China deter a desintegração do sistema capitalista. Somente pode tentar assegurar seu lugar em um futuro sistema-mundo”, afirma o sociólogo.

O artigo é publicado por La Jornada, 05-11-2017. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Com muita frequência, quando escrevo sobre a crise estrutural do moderno sistema-mundo e, portanto, do capitalismo como um sistema histórico, recebo objeções que dizem que descuidei da força do crescimento econômico da China e de sua capacidade em servir como substituta econômica para a claramente minguante força dos Estados Unidos mais a Europa ocidental, o chamado Norte.

Este é um argumento perfeitamente razoável, ao qual lhe escapam, no entanto, as dificuldades fundamentais do sistema histórico existente. Além disso, pinta um retrato das realidades chinesas muito mais rosa que o justificado, caso se olhe mais de perto.

Deixem-me responder esta pergunta, então, em duas partes: primeira, o desenvolvimento do sistema-mundo como um todo e, segunda, a situação empírica da China no momento atual.

Foi a análise do que chamo a crise estrutural do moderno sistema-mundo o que realizei, em muitas ocasiões, nestes comentários e em outros de meus escritos. É, não obstante, importante repeti-la de uma forma condensada. Isto é muito mais necessário posto que mesmo pessoas que dizem concordar com o conceito de uma crise estrutural parecem, no entanto, na prática, resistir em aceitar a ideia da queda do capitalismo por mais forte que seja esta.

Há uma série de elementos do argumento que é necessário reunir. Um é a afirmação de que todos os sistemas (seja qual for seu espectro e sem exceção alguma) têm vidas e não podem ser eternos. A explicação desta eventual queda de qualquer sistema é que os sistemas operam em ritmos cíclicos e em tendências seculares.

Os ritmos cíclicos se referem a vaivéns constantes de ida e retorno para um equilíbrio em movimento, uma realidade perfeitamente normal. No entanto, quando vários fenômenos se expandem de acordo com suas regras sistêmicas e depois se contraem, não retornam exatamente para onde estavam antes de sua viragem cíclica em ascensão.

Daqui, deriva-se que sua curva em longo prazo é ascendente. É a isto que nos referimos como uma tendência secular. Caso se meça esta atividade na ordenada, ou o eixo Y do gráfico, vê-se que com o tempo se aproximam a uma assíntota de 100%, que não pode ser cruzada. Parece que quando fatores importantes atingem um ponto anterior a 80% da ordenada, começam a flutuar de uma maneira errática.

Quando as curvas cíclicas chegam a este ponto, param de utilizar os chamados meios normais de resolver as constantes tensões no funcionamento de um sistema e entram, portanto, em uma crise estrutural do sistema.

Uma crise estrutural é caótica. Isto significa que no lugar da série normal de combinações ou alianças que previamente foram utilizadas para manter a estabilidade do sistema, estas alianças em busca de ganhos de curto prazo variam constantemente. Isto só faz com que a situação piore. Notamos, aqui, um paradoxo: a certeza do final do sistema existente e a incerteza intrínseca do que eventualmente o substituirá, criando, portanto, um novo sistema (ou novos sistemas) que estabilize as realidades.

Durante o período um tanto mais longo da crise estrutural, observamos uma bifurcação entre dois modos alternativos de resolver a crise: um, com a substituição por um sistema diferente, que de algum modo conserva os elementos essenciais do sistema moribundo e o outro que o transforma radicalmente.

Concretamente, em nosso atual sistema capitalista há aqueles que buscam encontrar um sistema não capitalista que, no entanto, mantenha os piores traços do capitalismo: hierarquia, exploração e polarização. E há aqueles que desejam estabelecer um sistema que seja relativamente democrático e igualitário, um tipo de sistema histórico que nunca existiu antes. Estamos em meio a esta batalha política.

Agora, olhemos o papel que a China desempenha naquilo que está ocorrendo. Em termos do presente sistema, a China parece ir ganhando muita vantagem. Argumentar que isto significa a continuação do funcionamento do capitalismo como sistema é basicamente (re)afirmar o ponto inválido de que os sistemas são eternos e de que China está substituindo os Estados Unidos do mesmo modo como os Estados Unidos substituíram a Grã-Bretanha como a potência hegemônica. Se isto fosse verdade, em outros 20-30 anos, a China (ou talvez o nordeste asiático) seria capaz de fixar suas regras ao sistema-mundo capitalista.

Mas, realmente, isto está ocorrendo? Antes de mais nada, a margem econômica da China, mesmo que ainda seja maior que aquela do Norte, foi declinando significativamente. E esta decadência pode ser ampliada em breve, conforme cresce a resistência política diante das tentativas da China em controlar os países vizinhos e encantar (quer dizer, comprar) o apoio dos países mais distantes, algo que parece estar ocorrendo.

Pode a China, então, depender do aumento da demanda interna para manter sua demanda global? Há duas razões que não tornam isto possível.

A primeira razão é que as atuais autoridades se preocupam com o fato de que um crescente estrato médio possa comprometer seu controle político e busque limitá-lo.

A segunda razão, mais importante, é que muito da demanda interna é resultado de empréstimos irresponsáveis por parte dos bancos regionais, que enfrentam uma incapacidade para sustentar seus investimentos. Caso entrem em colapso, mesmo que parcialmente, isto poderia pôr fim a toda a margem econômica da China.

Além disso, já houve e continuará havendo vaivéns alocados nas alianças geopolíticas. Em um sentido, as regiões-chave não estão no Norte, mas, ao contrário, em áreas tais como Rússia, Índia, Irã, Turquia e o sudeste da Europa, todas elas buscando seus próprios papéis em um jogo de mudança de lado de forma rápida e repetida. A questão de fundo é que, embora a China tenha um grande papel a desempenhar em curto prazo, não é um papel tão grande como o que a China gostaria e que alguns do sistema-mundo restante temem. Não é possível para a China deter a desintegração do sistema capitalista. Somente pode tentar assegurar seu lugar em um futuro sistema-mundo.

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

O que ocorre com a China. Artigo de Immanuel Wallerstein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU