A crise do padre: o que compete ao ministério?

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19 Outubro 2017

Prossegue a rica reflexão que dom Francesco Cosentino está desenvolvendo, publicada por Settimana News sobre o tema da crise do padre, 16-10-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Descentralizar-se e compartilhar a missão apostólica com um laicato maduro - um desafio eclesial que não podemos mais adiar – significa iniciar a reelaborar o ministério sacerdotal na sua especificidade. Em outras palavras - para continuar as reflexões anteriores - questionar: o que compete ao ministério sacerdotal?

Reunir na fé

O ministério sacerdotal deve refletir o ministério da unidade que tem o seu fundamento em Cristo, o sacramento primordial do Pai, enviado para "reunir" e "convocar" a humanidade. A essência do ministério plesbiteral, portanto, diz respeito a ações que visam precisamente reunir na fé o povo de Deus: a evangelização, a celebração dos sacramentos, especialmente a Eucaristia, o serviço de acompanhamento da vida dos irmãos junto com o ministério de comunhão, que favorece também uma autêntica promoção humana.

As circunstâncias mudam dependendo da cultura do lugar e da específica situação eclesial, mas, no entanto, o fio condutor do ministério do padre poderia ser sintetizado como: dar primazia à Palavra e ao anúncio do Evangelho, para que desperte, motive e sustente a fé; ser o animador dos diversos carismas da comunidade - animar não é conduzi-los com autoritarismo – para que cresça na unidade; iniciar um discernimento compreensivo, ou seja, empático e ao mesmo tempo crítico, sobre a realidade que o rodeia, de modo a tornar-se um acompanhante atento da vivência humana das pessoas, especialmente os pobres.

De tal especificidade ministerial, nasce uma fisionomia própria do padre:

- O padre como homem da escuta da Palavra, para estar pronto para anunciá-la e colocá-la em circulação na vida da comunidade (não apenas na homilia dominical, mas na catequese, nas famílias, nos condomínios, nos bairros e assim por diante).

- O padre como homem da comunhão, que entra em contato com os seus irmãos, discerne seus carismas e estimula o progressivo movimento da unidade, especialmente através da graça sacramental.

- O sacerdote como um homem do discernimento pastoral e cultural, que se torna capaz de interpretar a vivência das pessoas e ajudá-las a participar da transformação da sua própria existência, mas também da história e das suas estruturas. Nesse contexto, é bom lembrar os constantes apelos do Papa Francisco sobre a urgente necessidade de pastores que não fiquem engessados em esquemas preconcebidos onde a norma prevalece sobre a pessoa, mas sim de padres que acompanhem, escutem, iluminem e ofereçam às pessoas as ferramentas adequadas para "reconhecer" o que está acontecendo em seus corações e em suas vidas cotidianas, tornando-as aptas a escolhas maduras, autênticas, livres e evangélicas.

Se quiséssemos colocá-lo no negativo, tocando aqui outro aspecto da crise do padre, poderíamos afirmar com Greshake que "não pertence ao ministério sacerdotal a direção da atividade organizacional, a gestão das finanças, a execução de obras de edificação, a gestão de instituições eclesiais como creches, casas de repouso e similares. Tudo isso pode ser deixado para os leigos. Que isso seja possível, deve ser garantido pela liderança da diocese. Não pode ser que, por um lado, haja queixa de falta de padres - que, na minha opinião, não existe - e, pelo outro lado, não se criem as condições para que os padres sejam liberados de todas as tarefas que não derivam do ministério ordenado e da missão sacerdotal" (G. Greshake, "Il ministero sacerdotale in una Chiesa in trasformazione", em Rivista del clero italiano 1 [2010], p. 21).

Consequências para a formação

Há algumas consequências concretas, que recaem sobre a formação sacerdotal e devem investir todas as melhores energias, tanto em nível diocesano como nos seminários.

A primeira: a formação sacerdotal deve apontar para o essencial. Quando se oscila entre jovens adultos desprovidos de sólidas experiências de fé anteriores e jovens que parecem mais fascinados pelo aparato externo e algum hábito condigno do que, ao contrário, pela substância de ser padre e pastor, então a proposta de formação deve recuperar a essência, ser sóbria, centrar-se em uma espiritualidade saudável e equilibrada, podar os excessos e "colocar em crise" determinadas imagens do padre, sejam elas barrocas ou modernas.

A segunda: a formação sacerdotal deve promover a comunhão. Apesar da comunidade do seminário e dos belos discursos sobre a família plesbiterial, a formação ainda tem em mente uma figura de padre "solitária", individual e muitas vezes autorreferencial. Cada um, em seu coração, sabe que na pior das hipóteses será pároco, bispo e rei em seu próprio feudo. Hoje, a comunhão entendida também como disponibilidade para pensar e planejar juntos, compartilhando verdadeiramente estilos e conteúdos da missão, é ditada por determinadas circunstâncias, tais como a diminuição das vocações; no entanto, não é determinada por situações externas, mas, de acordo com Optatam totius é um dever do sacramento da ordem que recebemos.

Há experiências muito interessantes nesse sentido, que já estão superando as chamadas "unidades pastorais". Em Bologna foi redesenhado o mapa da diocese, para uma organização que já não será mais por paróquias individuais, mas por "zonas" ou "distritos" pastorais, ou seja, mais comunidades paroquiais que se reportam a um Colegiado e deverão elaborar, coordenar e praticar em conjunto diferentes atividades pastorais. Em Noto, na Sicília, já começou um experimento de "comunidade de paróquias", após um percurso sinodal que envolveu padres e leigos; se a paróquia continua a cuidar da dimensão “doméstica" da fé, a comunidade de paróquias, com um pároco moderador, envolver-se de maneira transversal no território e dinamiza a evangelização, oferecendo, entre outras coisas, um sinal efetivo da espiritualidade da comunhão. Em outras dioceses italianas, já há algum tempo, estão sendo experimentadas, com diferentes abordagens, algumas formas de unidade pastoral.

Precisamos muito dos outros

A conclusão, embora possa parecer excessiva, só pode ser esta: não podem ser admitidos ao presbiterado seminaristas que não demonstrem uma tendência marcada para o ministério de unidade, que não sejam capazes e dispostos a entrar em relação com os irmãos padres e laicos, que não sejam capazes de trabalhar em grupo e se encerrem, ao contrário, nos pequenos mundos com fim em si mesmos ou nos próprios grupos a que pertencem. Sem uma estrutura humana e espiritual disposta à sinergia e à colaboração, não será possível ser padre.

Basta recordar, aqui, um trecho da homilia do cardeal Martini durante uma Missa crismal: "Já me aconteceu de dizer várias vezes no final de um retiro ‘Queridos irmãos, trabalhem menos, trabalhem melhor, trabalhem mais unidos, rezem mais’. A alguns se poderia até dizer: ‘Celebre menos missas e fique mais na escuta da Palavra’. Tentando, portanto, discernir com paciência o que gera fadiga e medo, encontramos também as possíveis respostas, os passos possíveis, as condições espirituais e humanas mais idôneas a viver o ministério. Abrimo-nos com mais fluência à colaboração com os leigos que compartilham as mesmas perspectivas pastorais e que nos podem validamente ajudar. Por fim, gostaria de dizer que eu percebi, encontrando os presbíteros nos retiros, além de fadigas e desconfortos, também algumas exigências e expectativas. Em todo lugar praticamente se percebe uma necessidade de maior fraternidade, de um apoio mais amplo e de novos vislumbres de luz ... Existe a expectativa e a exigência de um maior sustento na fé e no seguimento do Senhor, em um caminho de comunhão autêntica que nos faça crescer como presbíteros ... Todos nós precisamos muito uns dos outros".

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