Críticas islâmicas contra a al-Azhar. O outro lado da viagem de Francisco ao Egito

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09 Mai 2017

Uma semana após a visita do Papa Francisco ao Egito, falou-se muito sobre o que ele fez. Mas, ao contrário, falou-se pouco sobre o que aconteceu no outro lado, do Islã.

A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Settimo Cielo, 08-05-2017. A tradução é de André Langer.

Neste lado, o discurso relevante foi o do Grão-Imã da Universidade de al-Azhar, o xeique Ahmad al-Tayeb, pronunciado em árabe.

Ao contrário de Francisco que, em seu discurso pronunciado imediatamente depois do seu, atribuiu a violência perpetrada em nome da religião a uma “falsificação idolátrica de Deus”, com uma alusão não explícita mas transparente ao terrorismo e às guerras de matriz islâmica, al-Tayeb defendeu que “não há uma única razão lógica que justifique” esta violência a não ser “o comércio e a venda de armas”, assim como o fato de que a “civilização moderna” esqueceu as “religiões divinas e suas éticas imutavelmente estabelecidas”.

Al-Tayeb, portanto, negou a menor relação entre o Islã e os atos terroristas perpetrados em seu nome, estimando que foram praticados por “pequenos grupos de seguidores”, porque, neste caso, acrescentou, a mesma acusação deveria ser aplicada ao cristianismo e ao judaísmo, pois ambas as religiões também têm seguidores que semeiam a morte “elevando a cruz” ou “os ensinamentos de Moisés”.

No entanto, é importante observar que estas afirmações do Grão-Imã da al Azhar foram objeto de críticas por parte de alguns de seus correligionários.

O comentário mais incisivo foi feito por um intelectual muçulmano egípcio, Islam al Behairy, condenado a um ano de prisão por suas precedentes críticas à al Azhar, e sucessivamente indultado pelo presidente Abd al Fattah al-Sisi, que também atacou clamorosamente aquela que é a universidade mais célebre do Islã sunita, a qual havia ordenado que pusesse em prática o quanto antes uma “revolução religiosa” capaz de “erradicar” o fanatismo do Islã para “substituí-lo por uma visão mais ilustrada do mundo”.

Al-Behairy fez parte de suas críticas ao Grão-Imã da al-Azhar em uma entrevista à Asia News, a agência on-line do Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras.

Para ele, as razões dadas por al-Tayeb para explicar o terrorismo islâmico, culpando o tráfico de armas e o pensamento pós-moderno, são pseudo-razões:

“Se as armas do terrorismo religioso são o pensamento pós-moderno e o tráfico de armas, vivemos no mundo dos sonhos. De fato, em nossa jurisprudência clássica há textos que incitam à violência. Vemos pessoas que voluntariamente se fazem explodir matando dezenas de pessoas precisamente porque leram textos que lhes dão carta branca para matar a qualquer pessoa, ou seja, pela simples razão que possuem uma fé inquebrantável em base à qual honram a Deus imolando-se e, ao mesmo tempo, levando consigo muitas outras pessoas. Não é uma questão de tráfico de armas! Convido a administração egípcia para controlar atentamente as opiniões do xeique al-Tayeb, porque em base ao seu pensamento, o Estado nunca será capaz de colocar um fim à violência”.

E prossegue:

“Peço à al-Azhar que deixe de mostrar ao mundo livros escritos por determinados imãs da Idade Média, como se fossem um legado do verdadeiro Islã. Porque o que esses livros contêm é o que o Daesh [Estado Islâmico] coloca em prática ao pé da letra e até o último ponto. Se realmente quiser acabar com o que está acontecendo, o xeique al-Tayeb deveria ouvir aqueles que convidam para fazer uma releitura destes textos e declarar que o que está escrito neles não corresponde à verdade. Estes imãs do passado fizeram mal a muitas pessoas, prejudicaram a imagem do Islã e as relações do Islã com as outras religiões. Mas o xeique não quer ouvir falar de novas interpretações e as combate ferozmente, tentando que sejam processados todos aqueles que as defendem. Na realidade, é uma fonte de perene contradição. Em uma declaração dirigida ao Ocidente afirmou que o Islã não convida para matar quem apostata. Mas, no Egito, ele declara que o Islã encoraja a fazê-lo”.

É surpreendente a semelhança entre estas críticas de al-Behairy à al-Azhar e aquelas que fizeram às vésperas da viagem do Papa Francisco dois jesuítas egípcios muito competentes na matéria, os padres Henry Boulad e Samir Khalil Samir, em duas entrevistas ao l’Osservatore Romano e Asia News, que Settimo Cielo ecoou.

De fato, o percurso de al Tayyib está cheio de contradições.

Em 2007, ele foi um dos signatários da famosa “carta dos 138 sábios muçulmanos” dirigida a Bento XVI em resposta-diálogo à sua aula de Regensburg. Mas é também quem, no começo de 2011, interrompeu as relações entre a Universidade de al-Azhar e a Santa Sé porque Bento XVI tinha rezado publicamente pelas dezenas de vítimas do atentado do Ano Novo contra a igreja copta dos Santos Marcos e Pedro, em Alexandria, no Egito.

Foi diversas vezes hóspede reverenciado de encontros inter-religiosos de paz organizados anualmente pela Comunidade de Santo Egídio. Mas é também quem, em 2004, em um destes encontros, aprovou publicamente os atos terroristas perpetrados em Israel contra civis, inclusive crianças.

É ele que, em 2005, quando o ISIS queimou vivo em uma praça pública um piloto jordaniano capturado, condenou este ato como “não islâmico”. Mas, de passagem, sentenciou que esses assassinos “devem ser assassinados, crucificados e ter as mãos e os pés amputados”.

Vistos estes precedentes, não surpreende que al-Behairy se declare cético em relação à conferência internacional de paz organizada na al-Azhar pelo Grão-Imã al-Tayeb em concomitância com a visita do Papa:

“Esta conferência de paz não leva a lugar nenhum. Não há nada de concreto nela no que diz respeito à luta contra o terrorismo. É uma comédia que está muito longe da realidade”, declarou.

Assim como segue estando longe de ser acolhida - à exceção de alguns poucos e isolados precursores - a proposta revolucionária que Bento XVI lançou ao mundo islâmico em dezembro de 2006, três meses depois de Regensburg.

Uma proposta de extraordinária atualidade, mas que caiu no esquecimento, inclusive dentro da Igreja católica. E este é um motivo a mais para voltar a lê-la:

“O mundo muçulmano encontra-se hoje, com grande urgência, diante de uma tarefa muito similar à imposta aos cristãos a partir dos tempos do Iluminismo e que o Concílio Vaticano II – como fruto de uma longa e cansativa busca – traduziu em soluções concretas para a Igreja católica. [...]”

“Por outro lado, devemos nos opor a uma ditadura da razão positivista que exclui Deus da vida da comunidade e dos ordenamentos públicos, privando assim o homem de seus critérios específicos de medida”.

“Por outro lado, é preciso acolher as verdadeiras conquistas do Iluminismo, os direitos humanos, especialmente a liberdade da fé e de seu exercício, reconhecendo neles elementos essenciais também para a autêntica religião. Como na comunidade cristã houve uma longa busca sobre a justa posição da fé em relação àquelas convicções – uma busca que certamente nunca será concluída definitivamente –, assim também o mundo islâmico, com a própria tradição, está diante da grande tarefa de encontrar a respeito soluções adequadas”.

“O conteúdo do diálogo entre cristãos e muçulmanos será neste momento sobretudo o de coincidir neste compromisso com vistas a encontrar soluções adequadas. Nós, cristãos, nos sentimos solidários com todos aqueles que, precisamente com base em suas convicções religiosas de muçulmanos, se comprometem contra a violência e pela sinergia entre fé e razão, entre religião e liberdade. Neste sentido, os dois diálogos de que falei se interpenetram”.

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