“Se alguém tenta te afastar, pensa que o problema está em quem te afasta”, disse o Papa ao receber transexual, autor do livro “O disfarce de Deus”

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24 Setembro 2016


Diego Neria, com o Padre Angél (Foto: Religión Digital)

Sobrinho da escritora María de la O Lejárraga, funcionário do Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente, noivo de Macarena... Diego Neria é todas essas coisas, mas é conhecido por ser o primeiro transexual a ser recebido pelo papa. Ao compartilhar com Diego a mesma filosofia de compreensão e respeito ilimitado para todos, a ONG Mensajeros de la Paz quis organizar na última quinta-feira uma nova apresentação do livro em que Diego conta a sua história.

A reportagem é de Cameron Doody e publicada por Religión Digital, 23-09-2016. A tradução é de André Langer.

A apresentação de El despiste de Dios (O disfarce de Deus) aconteceu na sede da UGT, na Rua Hortaleza, bem em frente da referência de inclusão incondicional, a igreja madrilense de Santo Antão.

“Querer e deixar-se querer”. O padre Ángel, pároco de Santo Antão e fundador de Mensajeros de la Paz, começou o encontro referindo-se ao lema de Santo Antão e afirmando que Diego o encarna perfeitamente. “A esta igreja chegou gente que foi rejeitada por outras igrejas, inclusive católicas”, continuou.

Neste grupo de pessoas colocou Diego, que passa toda a vida tentando reconciliar sua identidade sexual com sua firme fé em Deus. Dirigindo-se ao autor do livro, o padre afirmou que “só posso agradecer-lhe por sua coragem” ao escrever o mesmo. A história de Diego, disse, “vai marcar um antes e um depois na vida de muitas pessoas”.

O padre Ángel deu, então, a palavra a José Miguel Herrero Velasco, funcionário madrilense da mesma agência estatal em que trabalha o Diego, natural de Plasencia, que compartilhou os mesmos qualificativos usados pelo padre Ángel para descrever o seu companheiro. “Corajoso, generoso, firme em suas crenças, mas sem rancor”, foi o consenso. José Miguel manifestou sua admiração por seu amigo e o animou a continuar lutando por seus compromissos com as pessoas – sobretudo as crianças – que sofrem qualquer tipo de discriminação.


Diego recebe uma pomba da paz do padre Angél (Foto: Religión Digital)

Oportunidade teve o próprio Diego, então, para falar um pouco sobre a sua experiência. Teve uma infância “normal”, disse, até que se deu conta, em sua adolescência, de que sua mente e corpo não estavam acomodados. Ao dar-se conta de que não parece por fora o que é por dentro, “você vai se convertendo em um preso dentro de um cárcere”, relatou. Tinha, depois, “o que os outros chamam de ‘normal’”, recordou – cônjuge, trabalho, sonhos –, até que decidiu que quis mudar de sexo. “Eu nasci outra vez aos 40 anos”, afirmou, mas ainda lhe faltava algo. Havia “algo no meu interior que não [estava] bem”. O que lhe fazia falta era poder viver sua espiritualidade.

Diante daqueles que não o entendiam na paróquia da qual participava – recriminando-o pelo fato de que se atrevia a entrar ali, inclusive, e chamando-o de “filha do diabo” –, Diego encontrou um modelo a seguir na pessoa do Papa Francisco. Decidiu escrever uma carta ao papa e um tempo depois este lhe telefonou. No princípio, pensava que estava falando com um operador do Movistar – disse entre risos –, mas quando o Pontífice lhe relatou detalhes da sua carta soube que era tudo verdade. Organizaram para ele uma audiência privada em Roma com o papa. O detalhe que mais lhe impressionou foi a atmosfera de humildade genuína do Papa. “Proximidade impressionante, que te abraça, que não te faz beijar o anel”: assim Diego qualificou seu encontro com Francisco, após o qual “todas as minhas dúvidas se espaireceram” sobre se Deus o amava ou não. “Senti-me limpo e seguro”, contou. E revelou que ainda pensa no conselho que o Papa lhe deu: “Se alguém tenta te afastar, pensa que o problema está em quem te afasta”.

Depois da audiência, revelou Diego, começaram os telefonemas de pessoas de todo o mundo que denunciavam que queriam entrar na igreja, mas que as autoridades “os impediam”. Foi então que Diego começou os trabalhos em favor das pessoas discriminadas, trabalho que segue desempenhando até hoje. “Não quero ser uma referência, mas quero ajudar”: assim é como Diego vê sua missão agora que sente o amor de Deus e o respeito da máxima autoridade da Igreja.

E tem uma mensagem para os católicos que ainda não entenderam a mensagem evangélica da compaixão e inclusão absoluta sobre a qual o Papa Francisco colocou novamente o foco. “Não podes te apropriar de um Deus que não é só teu”, disse. O Criador nos ama igualmente a todos, independentemente da raça, religião, classe social ou identidade sexual.

Mas, como caberia esperar de um encontro com um católico tão corajoso, interessante e inspirador como Diego, o ato não terminou nessa nota negativa. “Às vezes, nós mesmos criamos os problemas, mas também temos as soluções”, disse o autor, um recado que deve motivar a todos. No que se refere à discriminação que ainda afeta a muitos, opinou Diego, trata-se de continuar enfrentando os discursos de ódio. “Fazer peso para vencer a parte que tanto dano causou”. Esse é o conselho de alguém que sofreu esse dano em sua própria pele, mas ainda tem energia para nos mostrar um caminho melhor.

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