“Se não reformarmos o Islã vamos bater contra um muro”

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29 Março 2016

Hocine Benabderrahmane é um conhecido imã [sacerdote muçulmano] reformista de Bruxelas que se sente derrotado. Historiador, de origem argelina, pensa que os salafistas estão ganhando a batalha, que se o Islã não for reformado, vai se chocar contra um muro e que é preciso desconstruir o discurso extremista com argumentos teológicos. Benabderrahmane dirige um centro de reflexão islâmica e dá cursos para jovens nas mesquitas de toda a Bélgica. “Todos os dias vejo jovens radicalizados que acreditam que só existe uma versão do Islã”, lamenta.

A entrevista é de Ana Carbajosa, publicada por El País, 28-03-2016. 

Eis a entrevista

Como é possível existirem tantos jovens muçulmanos na Europa que acreditam piamente na distorção do Islã propagada pelo Estado Islâmico?

Desde os anos 1980, o Islã europeu esteve representado, fundamentalmente, pela escola salafista e a pela irmandade muçulmana. Essa base teológica clássica nunca foi questionada. Os imãs aqui imitavam os da Arábia Saudita, empenhados em isolar os muçulmanos do resto da sociedade. Foram impondo fátuas [decretos] que determinavam, por exemplo que dar a mão a uma mulher ou desejar feliz Natal a seu vizinho é haram [proibido pelo Islã]. Esse é o discurso que a juventude europeia escutou e, para eles, isso é o Islã. Começam a se autoimpor regras que o Islã não ordena porque acreditam que esse é o Islã verdadeiro. Esse é o início da radicalização e o movimento jihadista se apoia nessas ideias. Os grupos radicais as instrumentalizam em favor de sua causa. Todos os dias vejo jovens radicalizados que acreditam que só existe uma versão do Islã.

O que os faz passarem da ideologia salafista ao terrorismo?

É aí que entra em jogo o recrutamento feito em família, entre amigos ou pela Internet. É quando começam a considerar ilegítimo o discurso das mesquitas e das instituições. A maioria é formada por jovens ignorantes, que não conhecem o Islã.

Como é possível detê-los?

É preciso desconstruir suas ideias com argumentos teológicos. É preciso fazer um trabalho de fundo para desmontar as ideias da jihad, do martírio. A família de Bilal Hadfi [um dos terroristas suicidas de Paris] veio me ver depois dos atentados de Paris e me perguntou se seu filho era um mártir. Disse-lhes que de jeito nenhum, que era um criminoso e ponto.

Os imãs europeus estão em condições de fazer esse trabalho?

A maioria dos imãs não enfrenta nem conhece a realidade social. Para começar porque não são europeus e porque importam fátuas de outros países, a milhares de quilômetros de distância e com uma realidade social totalmente diferente.

Vocês, os reformistas, estão perdendo a batalha?

Sim. O discurso salafista conseguiu deslegitimar os imãs das mesquitas. É preciso restabelecer a confiança dos jovens, mas, para isso, os imãs precisam se aprimorar.

É necessária uma reforma do Islã?

É imprescindível. Sem uma reforma jurídica, de interpretação dos textos, vamos bater contra um muro. Temos de evoluir ao ritmo do resto da humanidade. No Islã há muitas vozes progressistas, mas estão dispersas. O Islã tradicional está ganhando a batalha e tem cada vez mais força.

Os extremistas se alimentam do confronto e da crescente separação entre muçulmanos e não muçulmanos.

Esse é o grande cavalo de batalha. Os salafistas não têm um discurso de coesão social, pelo contrário. Tentam contrapor os muçulmanos ao resto da sociedade e isso não tem nenhum fundamento teológico. O discurso salafista lançou uma OPA sobre o Islã.

O que você diz aos jovens que querem ir à Síria para ajudar os irmãos muçulmanos?

Que quando o povo sírio se levantou [2011], não pediu o estabelecimento da sharia [lei islâmica], pediu liberdade e a queda de Bashar Al Assad. Eu digo a eles que Daesh nunca serviu ao povo sírio nem ao iraquiano, que o único beneficiado pelo que aconteceu em Paris e Bruxelas foi Al Assad. Que se querem servir à causa justa do povo sírio não vão conseguir com a violência. Não se serve uma causa justa com meios injustos. Que os mortos do Bataclan ou do aeroporto [de Bruxelas] não têm nenhuma culpa do que acontece na Síria.

Fala-se muito que os pais perderam o controle de seus filhos.

É verdade. Existe uma ausência de autoridade parental. Quando completam 12 ou 13 anos, já fazem o que querem. Para eles, seus pais não sabem nada, não estão a par das coisas. Eles [os jovens] nasceram aqui, conhecem a língua, as instituições.

Salah Abdeslam, um dos terroristas de Paris, foi encontrado pela polícia em Molenbeek. É difícil pensar que a comunidade não o acobertou.

Também é preciso desconstruir o conceito de colaboração. Os colaboradores não são bem vistos. É preciso explicar que, pelo bem de nossa religião, precisam informar.

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