Sobre a confissão: Francisco contestado, mas Bento censurado

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08 Março 2016

As recentes críticas ao Papa Francisco sobre o modo de apresentar o sacramento da confissão são – além do tudo – o fruto de um “lugar comum”, a projeção de um “preconceito” e o índice eloquente da superficialidade de quem se achega à tradição penitencial da Igreja.

A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, publicada por Come se non. A tradução é de Benno Dischinger

Gostaria de recordar aqui as circunstâncias com as quais, há onze anos, fiquei impressionado não tanto por aquele “pergunta e resposta” entre a menina Lívia e o Papa Bento XVI, quanto do modo com que consegui superar a “censura midiática” e compreender com muita fadiga aquela troca de falas.

Estávamos então em outubro de 2005 e era um sábado: eu me encontrava em casa, em Savona, e no telejornal da tarde de sábado (parece-me que era o TG2) escutei a crônica da tarde na Praça São Pedro, quando algumas crianças que haviam feito a primeira comunhão haviam feito perguntas sobre o tema ao recém-eleito Papa Bento.

E recordo bem o meu estupor quando, depois de ter ouvido a vozinha e visto a figura branca da pequena Lívia e fazer sua pergunta, não consegui ouvir a resposta do Papa – que não foi retomada pelo serviço – mas escutei somente a voz do cronista que a resumia assim: “O Papa respondeu que sim: é preciso confessar-se sempre antes de fazer a comunhão”. Fiquei mal. E pensei: o jornalista não entendeu. Procurei outro telejornal: a mesma cantilena. Não me resignei, mas fiquei impotente. Hoje, se eu me encontrasse na mesma situação de então, teria seguida a “via breve” de Google, mas então, em 2005, estávamos num outro mundo.

Esperei até segunda quando, chegando a Roma para lecionar, encontrei em Santo Anselmo o Osservatore Romano e pude ler o texto integral do diálogo, com perguntas e respostas.

Refiro-o aqui a seguir:

Lívia: “Santo Padre, antes do dia da minha Primeira Comunhão me confessei. Confessei-me depois outras vezes. Mas queria perguntar-te: devo confessar-me sempre que faço a Comunhão? Também quando fiz os mesmos pecados? Porque me lembro que são sempre aqueles”.

Bento XVI: “Direi duas coisas: a primeira, naturalmente, é que não deves confessar-te sempre antes da Comunhão, se não fizeste pecados tão graves que seria necessário confessar-se”.

Portanto, não é necessário confessar-se antes de cada Comunhão eucarística. Este é o primeiro ponto. Necessário é somente no caso de que tenhas cometido um pecado realmente grave, que ofendeste profundamente Jesus, que a amizade foi destruída e deves recomeçar de novo. Somente neste caso, quando se está em pecado “mortal”, isto é grave, é necessário confessar-se antes da Comunhão. Este é o primeiro ponto. O segundo: também se, como eu disse, não é necessário confessar-se antes de cada Comunhão, é muito útil confessar-se com certa regularidade.

É verdade, em geral, os nossos pecados são sempre os mesmos, mas fazemos limpeza das nossas habitações, dos nossos quartos, pelo menos cada semana, embora a sujeira seja sempre a mesma. Para viver no limpo, para recomeçar; caso contrário, talvez a sujeira não se veja, mas se acumula. Uma coisa semelhante vale também para a alma, para mim mesmo, se nunca me confesso, a alma permanece transcurada e, por fim, estou sempre contento comigo e não entendo mais que devo também trabalhar para ser melhor, que devo ir em frente. E esta limpeza da alma, que Jesus nos dá no Sacramento da Confissão, nos ajuda a ter uma consciência mais ágil, mais aberta e assim também a amadurecer espiritualmente como pessoa humana. “Portanto, duas coisas: confessar-se é necessário somente em caso de um pecado grave, mas é muito útil confessar-se regularmente para cultivar a limpeza, a beleza da alma e amadurecer progressivamente na vida”.

Somente lendo a fonte original superei o meu embaraço: o Papa teólogo confirmava a antiga sabedoria eclesial. Mas desmentia o “lugar comum”, que vê com suspeita a própria distinção entre “confissão de necessidade” e “confissão de devoção”, tão clara na resposta.

Ora, também nas críticas a Francisco, mais ou menos explícitas, sente-se reevocado este preconceito, que tende a “absolutizar” o sacramento da penitência como “única” forma de experiência do pecado perdoado. Jamais foi assim e assim não pode ser nem jamais deverá ser. O sacramento é um ato de “serviço” à experiência central de perdão do pecado, que permanece ancorada profunda e organicamente na vida batismal e eucarística. Devemos resistir a esta censura do preconceito.

Aqueles que hoje criticam Francisco, ontem censuravam Bento. Não suportavam que a resposta de então não coubesse plenamente no quadro asfixiante de uma “confissão” solidamente preordenada a cada comunhão.

Porque não há tradição que pareça tão forte e tão grande quanto os próprios preconceitos.

Há um século – pelo menos desde Pio X – a tradição do confessionário foi posta à prova da redescoberta da iniciação batismal e eucarística, que inicia precisamente há pouco mais de um século. Se relermos esta história com atenção, evitaremos tanto de censurar os textos “dissonantes” do Papa emérito, como de criticar as palavras de bom senso de seu sucessor. Os Papas servem a Igreja que caminha e que sai de si, e não os preconceitos que a bloqueiam e a tornam auto-referencial.

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