Uma breve reflexão a respeito da Venezuela à beira de um ataque de nervos

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25 Fevereiro 2015

"Afirmar que a direita política da Venezuela é golpista - e entendo que é - não é o mesmo que referendar a repressão política desenfreada. Entendo que o que ocorre lá é uma substituição do protagonismo do movimento popular pelas forças do Estado, no caso, do Estado sob controle chavista", escreve Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.

Eis o artigo.

Com este texto em português espero começar uma série de reflexões que culminem com uma análise de maior fôlego. Aqui, de forma acelerada, aponto alguns tópicos para debate.

1) O presidente Nicolás Maduro foi eleito, reconhecidamente eleito. Foi por margem apertada mas foi; foi através do legado político de Chávez e com o controle de máquina do governo nacional, mas foi. Na constituição da Venezuela, a bolivariana, há um mecanismo que habilita ao referendo revogatório com cerca de 20% de assinaturas de eleitores válidos. Ou seja, se a defesa da "democracia" é a meta da direita venezuelana, então há uma forma institucionalizada para realizar esse recâmbio de poder.

2) O que constato aqui é meio óbvio: não há diferenciação alguma na Venezuela entre governo e Estado e as instituições são meio que moldadas pelo pacto hegemônico de turno. Assim foi com Perez Jiménez, o mesmo se deu no período do pacto oligárquico que atendia pelo nome de Punto Fijo e o mesmo ocorre no período chavista e pós-Chávez. Por um lado, é complicado para gerir uma sociedade capitalista, pois fica impossível o planejamento no médio prazo; por outro, se não há esta separação, ao menos o jogo está aberto, como uma manada de llaneros correndo na savana venezuelana. A cancha está aberta e as ideologias de cada instituição em particular - como o nacionalismo das FFAA e o alinhamento imediato das elites esquálidas ao padrão Miami de vida - entrarão em choque.

3) O tema do golpe de Estado é real e não vem sido propriamente retratado pelo jornalismo televisivo transmitido no Brasil. Qualquer pessoa que acompanha a política venezuelana e ainda mais quem esteve lá por um período razoável - e não apenas em um evento específico - vai observar que o cotidiano do país é permeado por ameaças da oposição e intolerância ao protesto dos intolerantes de direita por parte do governo nacional e seus aliados. O país está dividido institucionalmente, com a eleição de opositores para uma boa parte dos governos subnacionais. Logo, existe um câmbio possível caso exista uma vitória golpista, como foi o pacto de governadores udenistas-golpistas no Brasil em 1964 (Adhemar de Barros/SP; Carlos Lacerda/GB e Magalhães Pinto/MG). Em 2002 a quartelada foi frustrada, pois havia o suporte apenas dos meios de comunicação e não uma oposição política razoável. Agora, a direita venezuelana tem o seu homem-símbolo, Henrique Capriles (governador do importante estado de Miranda, ele mesmo um ex-membro da TFP, do Copei e membro do Primero Justicia) e seus homens-bomba, como Leopoldo López, Antonio Ledezma (ex-Adeco) e Julio Borges. Seus partidos, respectivamente, Venezolano Voluntad Popular, Un Nuevo Tiempo e Primero Justicia, tem trajetória na antiga direita oligárquica - Acción Democrática, conhecida como Adeco - ou Copei - conhecidos como Copeianos - e até mesmo na antiga URD. Este esquema de saída da ditadura de Perez Jiménez agora está sendo apontado como uma possível solução, mas em diversas frentes, desde as urnas, passando pela desestabilização do governo eleito e chegando às margens de intentos de golpes de Estado. A direita lá é muito à direita. O próprio Capriles, ex-Copei.

4) Para concluir esta breve colagem de comentários, é importante ressaltar que não há um alinhamento automático com o chavismo nestas palavras. A oposição venezuelana é indefensável (impresentable como dizem em castelhano) e remonta sua prática política às piores tradições da diplomacia dos canhões e o Big Stick da Doutrina Monroe. A única saída para uma linha popular e com independência de classe no país de Miranda e cia. seria abrir uma cunha onde a expressão do bolivarianismo fosse além do chavismo. O regime é co-governado pela chamada direita endógena ou direita vermelha, cujas práticas corruptas também atravessam as ações de Estado. Não há termo de comparação entre as condições materiais e de auto-estima da maioria após-Chávez se comparado com todos os períodos anteriores, e por isso tamanha adesão ao poder central. Entre a direita golpista e o truncado governo pós-chavista, a massa acaba indo ao encontro de sua mínima segurança material. Falta um movimento popular com autonomia estratégica, até para aprofundar o processo de câmbio bolivariano.

Apontando conclusões preliminares

Afirmar que a direita política da Venezuela é golpista - e entendo que é - não é o mesmo que referendar a repressão política desenfreada. Entendo que o que ocorre lá é uma substituição do protagonismo do movimento popular pelas forças do Estado, no caso, do Estado sob controle chavista. Na ausência de repressão estatal haveria uma guerra civil- e não estou caracterizando isso como inevitável ou positivo, mas que as conquistas materiais são inegociáveis pela massa que hoje se diz "chavista-bolivariana". É uma pena esta mescla de afirmações, mas é um tema que ainda tenho de desenvolver mais aqui.

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