Crise europeia duplica o patrimônio das famílias mais ricas

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21 Janeiro 2015

Enquanto a Lehman Brothers entrava em colapso, a Grécia falia, os Estados Unidos elegiam o primeiro presidente negro, o último governo de Silvio Berlusconi escapulia, enquanto a China crescia 60%, e a Apple se tornava a empresa mais valiosa do mundo, na Itália, se consumava um evento histórico. Na surdina, no entanto.

A reportagem é de Federico Fubini, publicada no jornal La Repubblica, 19-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Talvez todos estavam ocupado demais acompanhando os outros eventos, aqueles que marcaram as primeiras páginas de 2008 em diante, para notá-lo. No entanto, le não era invisível, porque foi uma espetacular ultrapassagem em alta velocidade.

Foi assim. Em 2008, a riqueza líquida acumulada pelos 30% mais pobres dos italianos, pouco mais de 18 milhões de pessoas, era igual ao dobro do patrimônio total das dez famílias mais ricas do país.

Os 18,1 milhões de italianos mais pobres em termos patrimoniais tinham, juntos, 114 bilhões de euros em imóveis, dinheiro líquido e poupança investida. As dez famílias mais ricas, ao contrário, chegavam a um total de 58 bilhões de euros.

Em outras palavras, pessoas como Leonardo Del Vecchio, os Ferrero, os Berlusconi, Giorgio Armani ou Francesco Gaetano Caltagirone, mesmo somados, chegavam a valer mais ou menos a metade de um grupo de 18 milhões de pessoas, que, em média, podiam contar com um patrimônio de 6.300 euros cada.

Cinco anos depois, estamos em 2013, a ultrapassagem já estava consumada: as dez famílias com os maiores patrimônios agora se tornaram mais ricas do que são, no total, os 30% dos italianos (e residentes estrangeiros) mais pobres. Essas grandes famílias, neste ponto, detêm, no total, 98 bilhões de euros.

Para elas, um salto patrimonial de quase 70%, dado enquanto a economia italiana saltava para trás em cerca de 12%. Os 18 milhões de italianos no fim das listas da riqueza, ao contrário, caíram para 96 bilhões: uma queda em termos reais (isto é, tendo em conta a erosão do poder de compra devido à inflação) de pouco mais de 20%.

Quanto àqueles que, com base nos patrimônios, são os últimos 12 milhões de habitantes, os 20% mais pobres da população do país, o desequilíbrio é ainda mais acentuado: em 2013, as 10 famílias mais ricas da Itália tinham recursos patrimoniais seis vezes maiores aos deles.

Esses são os resultados mais surpreendentes de um aprofundamento que o jornal La Repubblica fez sobre os patrimônios dos italianos durante os anos da crise. A análise se baseia nos dados publicados pelo Banco de Itália, relativos à riqueza líquida no país e à sua subdivisão entre camadas sociais.

Para as famílias com os dez maiores patrimônios, uma lista que mudou ao longo dos anos, as informações são retiradas do ranking anual dos mais ricos compilada pela revista Forbes.

Inevitavelmente, nem uma nem a outra série de dados é perfeita, muitas informações sobre os patrimônios não são públicas e estão sujeitas a estimativas mais ou menos precisas. Mas as tendências surgem com força e contam duas histórias de sinal diferente.

A primeira não tem um final feliz: desde 2008, a Itália sofreu um colossal abate de riqueza, que atingiu fortemente a parte baixa da escala social, enquanto, no topo, tudo ocorria no sentido oposto. Lá em cima, o ritmo da acumulação dos patrimônios pessoais acelerava como talvez nunca tinha acontecido nas últimas décadas.

A segunda história, ao contrário, permite entrever um pouco de luz no fim do túnel, porque a lista dos super-ricos mudou a ponto de alimentar alguma esperança sobre a capacidade do país de produzir, no futuro, mais inovação, trabalho e renda, e menos rendas mais ou menos parasitárias.

Certamente, o ponto de partida desses anos não é encorajador. Calculada no euro de 2013, a riqueza líquida total dos italianos caiu em 814 bilhões nos últimos cinco anos (aqueles para os quais há dados disponíveis, desde, precisamente, 2013). Desaparece no abismo da recessão quase um décimo do patrimônio líquido das pessoas que vivem na Itália. Cerca de dois terços dessa erosão são explicados com a queda do valor das casas, enquanto o restante se deve a perdas financeiras ou ao recurso de certas famílias à poupança para suportar as despesas diárias.

Para a parte da riqueza nas mãos das camadas menos ricas, o La Repubblica assume que a sua quota em 2013 do total do patrimônio dos italianos manteve-se inalterada em relação a 2010: é a essa época que remontam os últimos dados disponíveis.

Na realidade, essa é uma estimativa otimista, porque a tendência à diminuição da queda de patrimônio dos mais pobres é evidente a partir dos anos anteriores. Em 2000, por exemplo, os 40% mais pobres da população residente na Itália, 24 milhões de pessoas, tinham patrimônios equivalentes a 4,8% da riqueza líquida total do país. Dez anos depois, esse número já havia caído para 4,2%.

Mesmo assim, a queda dos patrimônios da "segunda" metade da Itália, a Itália menos rica, é superior à média nacional. Quem já é pobre se empobrece mais rápido. Em 2013, aqueles 30 milhões de italianos tinham, no total, 829 bilhões. Em 2008, no entanto, esses mesmos 30 milhões de pessoas tinham (no euro de 2013) exatamente 935 bilhões.

Portanto, a "segunda" metade do país, durante a Grande Recessão, caiu em 11,3% em termos patrimoniais. A primeira metade, no entanto, os 30 milhões de italianos mais ricos, caíram em 8,2%. Uns não só eram muito mais pobres do que os outros antes da crise: empobreceram ainda mais durante.

Um país completamente diferente para as primeiras dez famílias. A sua riqueza líquida aumentou em mais de 60% em termos reais entre 2008 e 2013, e a sua cota do patrimônio total dos italianos aumentou. Mudou, porém, outro detalhe também: a sua composição. Os mais ricos de 2013 não são os mesmos de 2008 ou de 2004, e, em certos aspectos, formam uma lista mais interessante.

Agora, no grupo, encontram-se famílias menos dedicadas às rendas de posição, à especulação pura ou à relação com a política para fazer negócios. Agora, dominam os primeiros lugares empresários mais comprometidos com a criação de valor, trabalho e artefatos inovadores que interessam ao resto do mundo.

Ao longo dos anos, saem do ranking da Forbes ou deslizam para baixo os capitalistas italianos que baseiam os seus negócios em concessões públicas ou investimentos imobiliários e financeiros. Emblemática – mas não isolada – é a história dos Berlusconi, que, nos últimos cinco anos, perdem 3,2 bilhões de patrimônio e deslizam do primeiro lugar em 2004, ao terceiro em 2008, ao sexto em 2013.

Sobe rapidamente, ao contrário, o patrimônio de produtores industriais dedicados à exportação. Isso acontece no setor alimentício (os Ferrero ou os Perfetti), na moda e luxo (Del Vecchio, da Luxottica, Giorgio Armani, Miuccia Prada e Patrizio Bertelli, Renzo Rosso), na indústria farmacêutica e na indústria de alta tecnologia (Stefano Pessina ou os Rocca, da Techint).

Saem dos "top ten", ao contrário, investidores financeiro-imobiliários como Caltagirone ou aqueles que, no passado, se concentraram demais nos bancos. Essa qualidade diferente do capital vencedor é um passo à frente de uma Itália cada vez mais cheia de desequilíbrios. É um país que, talvez, no entanto está se liberando, na dor, de alguns dos piores vícios do sua capitalismo.

Melhor, em relação a isso, do que a Grã-Bretanha, onde a Oxfam realizou uma investigação da qual esta, do La Repubblica, é a réplica para a Itália. Lá, os mais ricos, cada vez mais ricos, continuam sendo os herdeiros da velha nobreza proprietária de dezenas de hectares de edifícios em Londres, como o Duque de Westminster ou os Cardogan, ou empresários indianos como os Hinduja ou os Reuben.

Se resolver o problema da pobreza e sair da crise, talvez será a Itália, entre as duas, que poderá estar em uma marcha a mais no futuro.

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