Somos parecidos ou diferentes de alguns fariseus?

05 Novembro 2021

 

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 32º Domingo do Tempo Comum, 7 de novembro de 2021 (Mc 12,38-44). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

O trecho do Evangelho deste domingo nos testemunha um ataque muito duro de Jesus aos escribas e aos fariseus, que se tornaram figuras tipológicas no mundo cristão, que encarnam perfídia, hipocrisia, orgulho. Mas, atenção, porque aqui se requer de nossa parte um exercício hermenêutico sábio, que saiba também ser “justo”.

Os escribas eram os especialistas nas Santas Escrituras, homens que, desde a infância, se dedicavam à leitura e ao estudo da tradição de Israel. Quando chegavam à idade madura, tornavam-se pessoas de autoridade, rabinos, “mestres”, dotados de poderes jurídicos nas diversas instituições judaicas.

Os fariseus – já salientamos isto outras vezes –, por sua vez, eram um “movimento eclesial”, um grupo que tentava viver zelosamente a Lei de Moisés e os preceitos elaborados pelos pais rabínicos. Eram simples fiéis, pertencentes ao povo e representavam um componente forte, muito presente e também missionário dentro de Israel.

Certamente, os escribas e também alguns fariseus foram adversários de Jesus, mas a polêmica de Jesus, reatualizada pelos evangelistas em um contexto de duro confronto e de perseguição dos cristãos, considerados pelos fariseus como uma seita heterodoxa, dizia respeito especialmente à sua postura de “pessoas religiosas”. Ao retomar essa polêmica, os evangelistas também pretendiam denunciar aqueles que, na Igreja cristã, já haviam assumido o mesmo estilo.

Portanto, cuidado para não acabar lendo os Evangelhos de modo antijudaico: nem todos os escribas eram arrogantes, nem todos os fariseus eram hipócritas; pelo contrário, às vezes os Evangelhos testemunham escribas próximos do reino de Deus (cf. Mc 12,34) e fariseus retos e justos que estavam bem-dispostos para com Jesus (cf. Lc 13,31).

Sim, houve um conflito duro, mas Jesus hoje poderia dirigir as mesmas duras advertências a muitos eclesiásticos... Basta ler com atenção as palavras dirigidas por Jesus à multidão, que poderiam ser assim parafraseadas e atualizadas: “Desconfiem dos escribas, dos especialistas em Bíblia e em teologia! Quando saem, aparecem com vestes longas, filetadas, até mesmo coloridas, usam hábitos espalhafatosos, adornam-se com correntes, com cruzes gemadas e preciosas, procuram os rostos de quem passa para serem saudados e reverenciados, sem discernir as pessoas na sua necessidade e no seu sofrimento: rostos que não são olhados, mas chamados a olhar! Nas assembleias litúrgicas, eles têm lugares proeminentes, cátedras e tronos semelhantes aos dos faraós e dos reis, e são sempre convidados aos banquetes dos poderosos”.

Realmente, essas invectivas de Jesus são mais do que nunca atuais: são palavras que deveriam nos fazer corar e nos levar a nos interrogar no coração sobre onde fomos parar...

Quando se adota essa postura de arrogância, inevitavelmente se assume um estilo que pede admiração, que deseja adeptos, que exige aplausos de pessoas devotas. Para manter tal atitude, além disso, é preciso ter muito dinheiro, e assim se acaba devorando as casas das viúvas e exigindo dinheiro justamente dos mais pobres, dinheiro roubado! Foi assim e ainda é assim aqui e acolá na Igreja, e cada um de nós, no seu coração, conhece de que modo, talvez diferentes dos estigmatizados por Jesus, tentou aparecer, mostrar-se, receber reconhecimentos e aplausos também na vida eclesial!

Não podemos aqui deixar de dar testemunho do Papa Francisco pelos seus apelos e esforços em vista de uma Igreja pobre, na qual “os primeiros”, aqueles que governam ou presidem, não caiam nos vícios dos homens religiosos, que pedem aos outros que deem glória a Deus dando glória justamente a eles, que se acham seus representantes...

Jesus faz esses discursos no templo, na frente da sala do tesouro, onde os fiéis, os peregrinos que subiam a Jerusalém, colocam as suas moedas em “caixinhas para as ofertas”. Como sempre, Jesus observa, vê, compreende e discerne: sabe o que acontece ao seu lado, é vigilante e tira lições de vida a partir da realidade concreta.

O que ele vê aqui? Ele nota que há alguns que colocam grandes somas de dinheiro: são os ricos, aqueles que, sem grande esforço e sem se privar de algo essencial, na sua devoção, podem colocar até muito dinheiro no tesouro do templo. Também fizemos e fazemos experiência disso na Igreja. Há apenas 50 anos, os primeiros bancos na Igreja tinham uma placa de latão com os nomes gravados dos ricos que haviam feito grandes ofertas, e aqueles bancos eram reservados para eles. E os pobres? No fundo da Igreja, de pé, porque até as cadeiras que eram postas à disposição eram pagas. Nada de novo, portanto!

Mas Jesus vê e discerne entre todos uma mulher – além disso, viúva –, isto é, uma pessoa que não importa nada em um mundo dominado por homens, que sentem até o templo como algo que lhes pertence: as mulheres, de fato, não faziam assembleia diante de Deus como eles e com eles.

Essa pobre mulher avança entre muitos outros, na sua humildade, e parece que ninguém consegue notá-la. Jesus, ao contrário, a nota e aponta para ela como “a verdadeira oferente”, a verdadeira pessoa capaz de fazer uma doação, de dar glória ao Senhor. Ela joga apenas dois trocados, duas pequenas moedas de cobre, isto é, um quadrante, um quarto de soldo: uma soma insignificante!

Mas eis que Jesus comenta o gesto dela e faz isso de modo solene, introduzindo as suas palavras com: “Amém”, isto é: “É assim, é a verdade e eu a digo a vocês”. “Amém, em verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que todos os outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (hólon tòn bíon autês; literalmente, “toda a sua vida”). E assim ela ama a Deus de todo o coração, com toda a alma e com todos os seus bens, como pede o Shema’ Jisra’el (cf. Dt 6,5).

Essa viúva, que se dirigiu ao templo para dizer o seu amor a Deus, não entra em contato com Jesus, não recebe nenhuma palavra direta dele e – podemos supor – nem sequer se dá conta de que Jesus está presente e a vê. Não é uma mulher que conhece Jesus e crê nele, é uma filha de Israel, que busca apenas observar a vontade de Deus, que se confia totalmente a ele, que não grita sobre os telhados aquilo que faz, que não toca a trombeta à sua frente para se fazer notar (cf. Mt 6,2), mas adere às palavras dos profetas que proclamam os pobres como privilegiados e amados por Deus.

Ela é um ícone do Israel pobre e fiel, que depende somente de Deus (cf. Sf 2,3; 3,12-13); é a contrafigura dos homens religiosos que aparentemente observam a Lei, esquecendo-se, em vez disso, da “justiça, misericórdia e fidelidade” (Mt 23,23) e, de fato, devorando justamente as casas das viúvas...

Mas ela também é semelhante a tantos pobres da terra que, na sua prática religiosa ou mesmo na sua “irreligiosidade”, tentam fazer aquilo que é bom de acordo com a sua consciência, e Jesus a indica como exemplar, como operadora do bem, como exemplo de dom total.

Essa mulher, de fato, não dá, como os outros, migalhas daquilo que possui; não dá a oferta sem que isso gere um sofrimento para ela; não oferece o dinheiro de que não precisa, porque tem muito mais: não, essa mulher se despoja daquilo que lhe era necessário para viver, de tudo o que tinha, não de uma porção mínima disso.

Essa viúva é, para Jesus, uma imagem do amor que sabe renunciar até mesmo àquilo que é necessário: eis uma mulher anônima, mas uma verdadeira discípula de Jesus.

Hoje, quando falamos de “Igreja dos pobres”, devemos fazer memória dessa mulher, discípula de Jesus na Igreja dos pobres por ela inaugurada, e devemos nos interrogar sobre o que damos àqueles menos munidos do que nós, aos mais pobres. Nós que facilmente jogamos fora comida, às vezes damos aos pobres algo que nos obrigue a sentir uma necessidade, a abrir mão daquilo que gostaríamos de possuir ou de consumir? Apressamo-nos a dizer “Igreja pobre” ou “dos pobres”: mas nós fazemos parte dela ou estamos excluídos?

 

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