Pequeno poema sobre o fim do mundo. Czeskaw Milosz na oração inter-religiosa desta semana

Foto: Ministério da Pesca

30 Julho 2021

Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Por meio de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG.

 

Pequeno poema sobre o fim do mundo

 

Quando chegar o fim do mundo,
A abelha estará sobrevoando a espora-de-galo,
O pescador estará consultando a rede brilhante,
Os delfins estarão saltando alegres no mar,
Os pardais estarão a reunir-se sobre o telhado,
A pele da cobra brilhará como sempre.

Quando chegar o fim do mundo,
As mulheres irão para debaixo dos guarda-sóis,
O bêbado adormecerá em algum lugar sobre a relva,
Os verdureiros farão suas vendas gritando,
O barco de vela amarela chegará à ilha,
As violas soarão no ar,
Abrindo a noite estrelada.

Quem esperar raios e trovões
Vai decepcionar-se;
Quem aguardar um sinal e trombetas de anjos,
Nem acreditará que o fim já chegou.

Enquanto o sol e a lua brilharem lá em cima,
Enquanto o insecto visitar a rosa,
Enquanto crianças coradas ainda se alegrarem,
Ninguém acreditará que o fim já chegou.

Até que o velhote grisalho, que poderia ser profeta,
Mas não é profeta, porque o seu trabalho é outro,
Dirá ao amarrar tomates:
Nem haverá um outro fim do mundo.

 

Fonte: Czeskaw Milosz. In: Céu vazio. 63 poetas eslavos. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 84

 

Czeskaw Milosz (Foto: Blog do Castorp)

 

Czeskaw Milosz (1911 - 2004): Nascido na atual Lituânia, foi um poeta, romancista e ensaísta de língua polonesa. Durante a Segunda Guerra, atuou clandestinamente na resistência ao nazismo, em Varsóvia, época em que escrevia assiduamente para a imprensa. Em 1961, mudou-se para os Estados Unidos, onde passou a lecionar Letras e Literatura na Universidade da Califórnia. No ano de 1980, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura pelas obras O vale dos demônios e A tomada do poder