A arte de acompanhar

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22 Mai 2021

 

"Em primeiro lugar, Pietro, esclarece que acompanhar uma pessoa (ou um conjunto de pessoas) é uma arte, ou seja, é saber fazer. Por isso, é preciso aprender e praticar. Por isso, é preciso aprender e praticar só então, como toda arte, pode-se tentar ensinar. Somente quem conhece o método ou o caminho usado por aqueles que já são experientes em acompanhamento é que irá aprender. No entanto, não se trata apenas de uma atividade técnica, de aplicar um conjunto de protocolos de atuação, de procedimentos, ferramentas, mas consiste em uma atividade em que quem acompanha doa-se ao acompanhado, criando espaços de apoio, impulso e possibilidade para o acompanhado crescer como pessoa (cf. p. 13-14)", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro A arte de acompanhar (Xosé Prieto, Ed. Paulinas, 2021.).

 

Eis o artigo.

 

O Papa Francisco em Amoris laetitia faz um pedido: que sejamos peritos na arte de acompanhar. Acompanhar o outro é um ato de amor. Por isso acaba sendo uma tarefa natural do ser humano, posto que todos são dos outros, com os outros e para os outros. Porém, o acompanhamento, ainda que próprio do ser humano, também é uma arte que é preciso aprender, caso se queira exercê-la com eficácia. Para acompanhar bem, não basta boa vontade: há muito para estudar e aprender.

 

Eis o propósito de Dr. Xosé Manuel Domínguez Prieto no livro: A arte de acompanhar (Paulinas, 2021, 256 p.). As páginas desta obra cristalizam anos de prática no acompanhamento de pessoas, famílias, grupos, e coletam conhecimentos ordenados procedentes da antropologia, psicologia, coaching e acompanhamento espiritual, e pretendem mostrar de modo simples e claro, o caminho comum a todo tipo de acompanhamento, independente de ser terapêutico, educativo, parental, espiritual etc, oferecendo a quem tem a missão de acompanhar chaves, instrumentos e um método que permita fazer sua tarefa da melhor maneira possível (cf. p. 9-10).

 

A obra é composta de duas partes. Na primeira, o autor traz reflexões sobre o acompanhamento: 1) considerações sobre o acompanhamento (p. 13-21); 2) considerações sobre a pessoa acompanhada (p. 23-32), c) condições prévias sobre o acompanhamento (p. 35-46). Na segunda parte o autor traz esclarecimentos sobre o método de acompanhamento: a) estrutura de cada encontro (p. 49-53), b) acolhida (p. 55-67), c) descobrindo as necessidades (p. 75-82), d) descobrindo valores, ideais, objetivos e metas (p. 87-98), e) a mobilização para um desejo de mudança (p. 103-17), f) autoconhecimento e consciência da situação (p. 11-128), g) a cura de mágoas e “infirmidades” (p. 135-173), h) o enfrentamento da dor (p. 183-190), i) considerações sobre o projeto de vida (p. 205-209), j) equipar o acompanhado com ferramentas e recursos (p. 213-237), l) considerações sobre a ação (p. 245-249), m) considerações sobre o impulso e o ânimo (p. 251), n) considerações sobre o término do acompanhamento (p. 253-254). Na segunda parte, portanto, encontramos um desmembramento de um método geral de acompanhamento, aplicável a qualquer tipo: pessoal ou de grupo, esportivo ou espiritual, educativo ou familiar etc oferecendo ao acompanhado a descoberta de um sentido para sua vida, a descoberta de suas melhores qualidades e capacidades, a descoberta de uma vocação, de uma vida dirigida a metas, em função de valores, na promoção da formação da consciência para que o acompanhado tenha clareza do que é verdadeiro, justo e bom.

 

Em primeiro lugar, Pietro, esclarece que acompanhar uma pessoa (ou um conjunto de pessoas) é uma arte, ou seja, é saber fazer. Por isso, é preciso aprender e praticar. Por isso, é preciso aprender e praticar só então, como toda arte, pode-se tentar ensinar. Somente quem conhece o método ou o caminho usado por aqueles que já são experientes em acompanhamento é que irá aprender. No entanto, não se trata apenas de uma atividade técnica, de aplicar um conjunto de protocolos de atuação, de procedimentos, ferramentas, mas consiste em uma atividade em que quem acompanha doa-se ao acompanhado, criando espaços de apoio, impulso e possibilidade para o acompanhado crescer como pessoa (cf. p. 13-14).

 

Quanto ao estilo de acompanhamento, o autor distingue o acompanhamento centrado no problema do acompanhamento centrado na pessoa, esclarecendo que ao mesmo tempo, dependendo da atitude do acompanhante, temos outros dois estilos: diretivo: o especialista diz ao outro o que ele tem que fazer ou facilitador: o especialista recorre às qualidades do acompanhado (cf. p. 15-16). O acompanhamento precisa ser integral, isto é, a pessoa integrada em todas as suas dimensões: corporal, intelectual, afetiva, volitiva, relacional e comunitária, espiritual, biográfica (cf. p. 16-18), para que acompanhante: cresça e amadureça como pessoa, enfrente sua vida, reconheça as desculpas e estratégias de autoincapacitação que operam em sua vida, desenvolva o máximo de responsabilidade e criatividade por sua vida pessoal e comunitária, seja capaz de sair de si e de assumir compromissos com outras pessoas e com tudo que seja valioso, estabeleça novas e mais saudáveis experiências afetivas, proponha-se a mudar, enfrente a tomada de decisões apoiado em valores e ideias, e posteriormente, possa articulá-la em projetos de vida construtivos, adquira novas competências, isto é, hábitos de comportamento construtivos, descubra ou recupere seu sentido existencial e seu horizonte de valores objetivos e ser capaz de orientar sua vida a partir deles (cf. p. 18-21).


Prieto salienta que embora acompanhar seja uma tarefa que toda pessoa pode fazer, nem toda pessoa é igualmente idônea para um acompanhamento de qualidade, sendo para isso contar com certas características, atitudes, conhecimentos que a habilitem para um acompanhamento eficaz: grau razoável de maturidade, equilíbrio emocional, autoconhecimento e autoaceitação, autoestima positiva, que lhe permita aceitar as contrariedades e asperezas do encontro, sem fracassar no processo (cf. p. 21-22).
A quem acompanhamos? Acompanhamos sempre uma pessoa real, não um caso (cf. p. 23). A pessoa é aquele ser que não é nem pode ser tratado como coisa (cf. p. 24). A pessoa a quem acompanhamos é, antes de tudo um ser com dignidade, livre, responsável, chamado para realizar sua vida pessoal e comunitária, por uma vocação específica e plena (cf. p. 27-28), isso porque a vida de uma pessoa e cada circunstância nela contida tem um sentido, têm sempre um para quê que pode ser descoberto (cf. p. 28-29). Para realizar a sua vida, a pessoa não é autossuficiente, ela descobre que precisa apoiar-se na realidade e, sobretudo, nas outras pessoas (cf. p. 30-31), considerando, ainda que, a pessoa a quem acompanhamos é um ser que sofre (cf. p. 32-33).

 

Por isso, segundo o autor se faz necessário estar atento para as condições prévias para o acompanhamento (p. 35-47). Prieto esclarece que tratar o acompanhado como pessoa supõe abrir-me a ele e aceitá-lo tal como é (cf. p. 36), ou seja, acompanhar exige olhar o outro como pessoa concreta, ou seja, perceber sua dignidade, seu mistério e sua exclusividade. Não estou diante “de um caso”, e sim diante de uma pessoa que é única, maior que seus próprios problemas e situações, com dignidade pessoal, nome e rosto próprios (cf. p. 35). Acompanhar exige que o próprio acompanhante saiba manejar a sua vulnerabilidade (cf. p. 37), precisa desenvolver a empatia que é a capacidade de colocar-se sob o ponto de vista do outro (cf. p. 38-42), aceitar o acompanhado sem julgá-lo (cf. p. 42-46), e, congruência: a coerência entre o que o acompanhante pensa e sente, por um lado, e sua expressão ou manifestação ao acompanhado (cf. p. 46-47).

 

Sendo o acompanhamento um processo que acontece através de uma série de encontros pautados durante um tempo, Prieto, destaca que há um caminho a ser percorrido, atendo-se para a estrutura de cada encontro e suas etapas básicas: acolhida, definição do ideal e dos objetivos, tomada de consciência de si e da própria situação, projeto e ação, revisão e sessões complementares (cf. p. 49-53).

 

Para acolher adequadamente convém num primeiro encontro criar um clima de confiança, em que o acompanhado mostre suas necessidades e expectativas (cf. p. 55-56). A acolhida daquele que chega para o processo de acompanhamento supõe estabelecer com ele uma comunicação (verbal e não verbal) adequada, comunicando também afetos e sentimentos (cf. p. 57-59). Na acolhida é preciso conseguir sintonia emocional com quem vamos acompanhar, isto é, é necessário haver simpatia mútua e o desejo de envolvimento mútuo (cf. p. 61-62), tendo-se em conta que diversas atitudes por parte do acompanhado dificultam ou bloqueiam a relação com ele: a dificuldade para enfrentar o conflito e culpar, acusar ou atacar pessoas em vez analisar o comportamento (cf. p. 63). Assim, por parte de quem faz o acompanhamento é importante não julgar o acompanhado, não dar soluções, e sim ajudar a pessoa acompanhada a adquirir consciência, aclarar seus objetivos e projetar como consegui-los (cf. p. 65-66). Uma vez que o primeiro encontro acolhedor ocorreu e que a pessoa a ser acompanhada mostrou sua necessidade, sua demanda, é preciso criar um espaço de colaboração. Para tomar consciência de que o trabalho será feito conjuntamente e para conseguir o compromisso de ambas as partes, é muito importante estabelecer uma aliança (cf. p. 67-70).

 

Prieto destaca que acompanhar significa ajudar o outro a descobrir quais são suas necessidades mais profundas, que agora sente como carência, como dificuldade (cf. p. 75). Essas necessidades podem ser descobertas ou perfiladas, entre outras maneiras por meio de hermenêutica afetiva, isto é, interpretando seus sentimentos, por suas queixas, indagando seus gostos e desejos. O acompanhante atende àquilo que se manifesta e que é sentido como problema (cf. p. 76), uma vez que por trás de todas essas necessidades imediatas, existem necessidades existenciais profundas (cf. p. 77). O acompanhado precisa aprender a conhecer seus afetos, perceber sua ressonância corporal, aceita-los, interpretá-los e compreendê-los e administrá-los (cf. p. 80). Além de entrar em contato com o sentimento, torna-se imprescindível uma interpretação do que sentimos, para saber reconhecer a mensagem que tem o afeto, positivo ou negativo (cf. p. 80-85).

 

Consciente da necessidade convém olhar para frente e para cima indo ao encontro de novas formas de agir e de ser (cf. p. 87), propondo objetivos e desafios (cf. p 88-91), distinguindo objetivos de primeiro e de segundo grau (p. 94-97), e, atendo-se às perguntas para concretizar os objetivos e técnicas para estabelecer objetivos e desafios concretos (cf. p. 97-102).

 

Uma vez tomada a consciência da situação em que se está e os ideais, valores e objetivos forem descobertos e expressados, a necessidade de mudança fica mais clara para o acompanhado (cf. p. 103). Pietro esclarece que o acompanhamento para a mudança passa por várias fases antes da mudança, a pessoa não tem consciência de si e nem de sua situação. Portanto não vê necessidade de mudança, a seguir, a pessoa percebe o que acontece e que precisa mudar, para isso precisa de instrumentos necessários para fazer este desafio, e que o desafio seja viável, posteriormente o acompanhado percebe o que lhe falta, se compromete com a mudança, experimenta mudanças nas crenças, emoções e comportamentos (cf. p. 104-105). Para tomar consciência da necessidade, diversas perguntas podem ser feitas ao acompanhado (cf. p. 106-107), concentrando-se especialmente em quais medidas positivas foram tomadas (cf. p. 107-109).

 

Ao encorajar a pessoa a tomar consciência de suas necessidades, levamos o acompanhado a tomar pé da sua situação. As necessidades manifestadas mostram uma situação atual que necessita ser solucionada, enfrentada e elaborada (cf. p. 111), ajudando o acompanhado a apreciar todas as suas competências, capacidades, esforços e conquistas, as dificuldades que enfrentou (cf. p. 112-113). Convém apreciar também todas as oportunidades positivas, apoio, possibilidades e recursos que o contexto oferece (cf. p. 113), tomando consciência de quais são as forças que tem e que permitem mudança (p. 114). Diante disso, Pietro destaca a necessidade do feedback (dar informação a alguém sobre sua conduta, com o objetivo de reafirmar os aspectos positivos e mudar ou melhorar os que não são) e confrontação (comparar os comportamentos de uma pessoa com outra para ajuda-la a ver os conflitos e incoerências entre sentimentos, pensamentos e ações), para ajudar no autoconhecimento (cf. p. 117-120). Para explorar onde estamos, o autor sugere o DAFO: um acrônimo formado pelas iniciais das palavras: debilidades, ameaças, fortalezas e oportunidades (cf. p. 124). Trata-se de uma ferramenta que serve para ter consciência, explorar e conhecer a situação real em que estamos e para planejar uma estratégia de futuro, indicando o lugar onde queremos ir, utilizando-o da seguinte maneira: análise interna: debilidades e fortalezas (cf. p. 125), análise externa ameaças e oportunidade (cf. p. 125), elabora-se a matriz elencando os elementos favoráveis e desfavoráveis (cf. p. 125), determinando em seguida a estratégia que se emprega em função da matriz (cf. p. 126). No processo de autoconhecimento torna-se imprescindível perceber o nível de afeto por si mesmo, de autoestima (cf. p. 127-128), e, de descobrir o nível de maturidade (cf. p. 128-134).

 

Segundo o autor, as mágoas, as infirmidades (falsos caminhos à plenitude, comas formas inadequadas de se viver como pessoa – uma vez que infirmidade vem de pensar que somos deuses, de acreditar a autossuficiência, de pensar que não precisamos de ninguém para ser e crescer como seres humanos), e imaturidade são os principais obstáculos para a mudança e o crescimento pessoal (cf. p. 135). Por isso, acompanhar também implica ações curativas com respeito ao acompanhado. Essa cura tem várias dimensões a corporal (cf. p. 136-139), a emocional (cf. p. 139-151), a intelectual (cf. p. 151-169) e a biográfica (cf. p. 169-181).

 

Ser acompanhado no enfrentamento da dor é uma parte importante de todo o processo de acompanhamento (cf. p. 183). Pietro faz notar que a dor existe como uma tarefa, como um caminho que tem que ser percorrido para se viver como pessoas (cf. p. 184). A dor é a pontada física, psíquica ou espiritual que faz nossa limitação se manifestar. Se for psíquica, mostra nossas mágoas, nossas perdas. Se for corporal, nossas doenças, enfermidades, incapacitações, disfunções. Se for espiritual, mostra a perda de significado, culpas, frustrações e imperfeição. Constitui uma experiência universal, inesquecível e o caminho á maturidade para toda pessoa, pois a vida passa pela conjugação entre dor e alegrias (cf. p. 185-203).

 

Para Prieto, acompanhar é também apoiar e ajudar no processo de discernimento de quais caminhos se pode percorrer, assistindo o acompanhado na elaboração do projeto de vida, cuidando de sua realização e o ajudando a tomar decisões realistas (cf. p. 205). O autor esclarece que o projeto consiste em articular as diversas possibilidades em função dos diversos objetivos que o acompanhado assinalou, levando em conta seus ideais, indicando e especificando para cada objetivo os indicadores de suas conquistas e ações específicas a curto, médio e lingo prazo. No projeto, o acompanhado precisa indicar quem vai fazer, com quem, como, quando e em que termos, por quais meios e por quê (cf. p. 206-211).

 

O autor destaca que para que o acompanhado possa enfrentar seus desafios, precisará de instrumentos ou ferramentas que talvez não conheça, tendo-se em consideração que acompanhar não significa apenas perguntar, escutar e compreender, mas significa também empurrar, propor, ajudar, incentivar oferecendo outras ferramentas básicas (cf. p. 213-243). Por fim, verifica-se a validade da intervenção na ação, na introdução de pequenas mudanças na vida do acompanhado (cf. p. 245-249), animando, impulsionando, mostrando que sua vida a pena (cf. p. 251), a fim de que a pessoa caminhe por conta própria (cf. p. 253-254).



Das sementes aos frutos. Estamos diante de um preciso roteiro em vista de acompanhamento eficaz. Para isto exige-se arte: a arte de acompanhar. Aprendemos que o termo arte carrega significado profundo e distingue-se de técnica. Esta executa o que se aprendeu. A arte supõe criatividade, inspiração. Na substância, ela se preocupa com o amor. Toda a arte implica dimensão amorosa e passeia no campo da gratuidade. Aquele que acompanha precisa de uma teoria, uma estratégia de intervenção e técnicas operativas. Nesse movimento se insere o presente livro. Livro didático, claro. O nível de informação é gigantesco com uma riqueza de sugestões úteis para a exigente tarefa de acompanhar. Esta obra é útil a todos os que exercem a função de acompanhar, coordenar ou supervisionar nas mais diversas áreas, de empresas a pastorais, de esportes a escolas.

 

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