O permanecer, a verdade, o amém e os laços de eternidade em Jó 15,1-8 e na pandemia

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30 Abril 2021

 

"Permanecer, esse o verbo, a ação que nos moveu até aqui. Jesus é claro no seu chamado aos discípulos para permanecer nele. Permanecei em mim, que sou a videira verdadeira. ", escreve Frei Jacir de Freitas Faria, OFM.

 

Frei Jacir é doutor em Teologia Bíblica pela FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de exegese bíblica. Membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Padre Franciscano. Autor de vários livros, entre os quais, O Medo do Inferno e a arte de bem morrer: da devoção apócrifa à Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte (Vozes, 2019).

 

Eis o artigo.

 

O evangelho sobre o qual vamos refletir é Jo 15,1-18. Como temática quero propor a seguinte reflexão: O permanecer, a verdade, o amém e os laços de eternidade. Jo 15,1-8 é uma parábola, uma comparação que Jesus faz, quando diz: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor” (15,1). Qual o significado dessa afirmativa de Jesus? É a última vez, a sétima, que Jesus diz: “Eu sou”. Antes, ele já tinha dito: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Jesus também faz um forte apelo: “Permanecei em mim!” Aliás, sete vezes, em oito versículos, aparece o verbo permanecer. Qual o sentido de permanecer?

 

Vou começar pelo sentido de permanecer a partir de uma experiência que acabo de passar, que tem muito a ver com Jo 15,1-8. Penso que muitos dos que estão nos lendo já poderão também ter passado por ela.

 

Vivenciei, de forma solidária, fraterna e familiar, o sofrimento, a fé e a esperança diante da morte de uma mãe, cuja causa morte foi o temível coronavírus. Seu nome era Maria, a matriarca que morreu jovem, com apenas 65 anos. Quanta luta para conseguir um hospital, um CTI, um tratamento digno para quem foi de uma dignidade ilibada. Um sofrimento que arrastou intermináveis vinte e um dias.

 

Na fé em Deus, sob a proteção de Nossa Senhora Aparecida, modo como ela educou seu filho, filhas e neto, todos nós nos movíamos na firme esperança de que tudo sairia bem. Infelizmente, veio a esperada e inesperada morte, seguida de um não velório, como mandam as regras da pandemia. Muito sofrimento para ela e para nós. Celebramos na inspiração da ressurreição de Lázaro, quando Marta diz a Jesus: “Se o Senhor estivesse aqui, meu irmão não teria morrido (Jo 11,21). Eu nem me ousaria elencar aqui os vários “ses” que, se tivesse sido diferente, não teria causado a sua morte.

 

Com a sua Páscoa, ainda que fora de época, permanece a em Deus-Pai. Permanece a esperança de que ela está na vida eterna junto com os seus. Permanece o sofrimento da ausência que será substituída, no findar do luto, por uma terna lembrança de tudo que ela foi, viveu e ensinou, numa eterna saudade. No trem da vida, na luta por viver, não mais será possível sua presença física, mas, espiritual, sim. Maria, que tinha o sobrenome de Georgina, coisa que poucos sabiam, permanecerá para sempre na força do simbolismo de seu nome Maria, a “Amada de Deus”.

 

Permanecer, esse o verbo, a ação que nos moveu até aqui. Jesus é claro no seu chamado aos discípulos para permanecer nele. Permanecei em mim, que sou a videira verdadeira. Trata-se da união entre o tronco e os ramos, Jesus e seus discípulos. Permanecer é morar. Morar é estar dentro. Como namorar é entrar na morada do outro. O desafio para os enamorados é saber se eles serão capazes de morar dentro do outro por toda uma vida, na saúde, na doença, na alegria e na tristeza. Quem permanece tem relação de afinidade.

 

Permanecer em Jesus é deixar Deus morar dentro de nós. Que maravilha de experiência! O filho mora dentro da mãe antes de nascer. A mãe mora dentro dele por toda a vida, mesmo depois da morte.

 

Jesus, quando anuncia a sua morte, diz que nos deixaria o Espírito Paráclito, o Espírito da Verdade, que será o nosso defensor, nosso advogado para sempre. O Espírito é o da Verdade, Jesus é a verdadeira videira. Por que isso? Verdade é muito usado em João. Deus do Primeiro Testamento é o Deus da Verdade (Is 65,16).

 

Verdade é outro nome de Deus, expresso no termo amen, que, em hebraico, tomando as iniciais, diz: Deus, Rei e Fiel (Elohim Melech Neeman). Esse amém é traduzido por verdade (Jo 3,3; Ap 3,14). Amém vem de aman, que significa verdade, fiel. Jesus é a verdadeira videira. Outras videiras são falsas. Ele é o caminho, a verdade e a vida. A ele, os discípulos e nós, devemos estar unidos para sempre. Verdade é, por outro lado, é a presença de governos negacionistas da pandemia. A esses não podemos dizer amém.

 

Como na experiência que relatamos, entre mãe e filhos, tronco e ramos, Jesus nos mostra que a vida é esse nó de relações, de estar juntos. Ninguém vive sozinho. Somos família, na sua primeira experiência, somos sociedade, somos Igreja na fé. Jesus convoca seus discípulos permanecerem Nele e, por conseguinte, no Pai, Deus que Ele revela. Lembre-se de que o grande objetivo do evangelho de João é demonstrar como Jesus revela Deus, o Pai, o agricultor, aquele que cuida do tronco que é Jesus, que une a comunidade de fé.

 

Quem não permanecer nele, a Verdade-Deus-Filho, será cortado como ramo seco e queimado. Trata-se dos que não produzem frutos de amor, não vivem no amor fraterno, na caridade, o que será dito no oitavo uso do verbo permanecer, no versículo nove: permanecei no meu amor. Amor fraterno é outro carro chefe do evangelho de João. Os que não permanecem ligados ao tronco são os inimigos, os não cristãos daquela época, ou até mesmo que participavam da comunidade, mas não eram fiéis aos ensinamentos de Jesus. Um dos grandes desafios da Igreja é ser presença, comunhão. Jesus não veio propor normas, dogmas, mas relacionamentos que nos fazem permanecer unidos por laços de eternidade, na Verdade que é Deus. Amém! Amém! Amém!

 

 

 

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