17 Abril 2021
Em 2021, a siderúrgica da Ternium, antiga TKCSA, localizada no bairro de Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, passará por um processo de pedido de renovação da sua Licença de Operação. Nesse contexto, foi lançada a Campanha “Licença pra quê?”, com o objetivo de questionar os impactos causados por um dos maiores complexos de siderurgia da América Latina, denunciar o descaso com a população desde a instalação e buscar do poder público a aplicação dos critérios para decidir sobre a licença.
A informação é publicada por Instituto PACS, 15-04-2021.
A ação é uma iniciativa do Instituto PACS e do Coletivo Martha Trindade, em parceria com o Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS), a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV), a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o Instituto Internacional Arayara e a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ).
Logo da Campanha Licença pra quê?
Segundo os organizadores, a campanha é construída com o objetivo de reivindicar do poder público que exija da Ternium o cumprimento dos requisitos para decidir sobre o pedido de renovação da Licença de Operação, considerando os danos já causados ao território e à população. “Vamos seguir denunciando as violações cometidas pela empresa e buscar justiça para os moradores que convivem com problemas de saúde, principalmente respiratórios, provocados pela poluição da siderúrgica; que perderam o seu sustento com a inviabilização da pesca e da agricultura de subsistência; que tiveram danos materiais em suas casas, nunca ressarcidos; e que, sobretudo as mulheres - que já trabalham demais - ficam com sua jornada ainda mais extensa e se sobrecarregam no cuidado diário com suas famílias, casas, roupas, quintais, que são poluídos pelo pó preto (material particulado emitido no ar) lançado pela empresa”, afirma Wanessa Afonso, moradora de Santa Cruz e integrante do Coletivo Martha Trindade.
Em setembro de 2006, o grupo alemão ThyssenKrüpp e a Companhia Siderúrgica do Atlântico Sul (CSA) inauguraram a pedra fundamental da obra de implantação do complexo siderúrgico na zona oeste do Rio de Janeiro. Nascia a TKCSA, localizada no bairro de Santa Cruz, ao lado da Baía de Sepetiba, onde residem mais de 200 mil pessoas (Censo/IBGE 2010).
O empreendimento, que entrou em operação em 2010, hoje tem capacidade de produzir 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano. Em 2017, a TKCSA foi vendida por cerca de R$ 5 bilhões para a empresa ítalo-argentina Ternium. Durante todos esses períodos, a história da siderúrgica foi marcada por denúncias de violações de direitos humanos e ambientais.
A empresa nunca esteve em acordo com as boas práticas de licenciamento ambiental. A começar pelos seis anos em que atuou sem licença de operação dos órgãos ambientais do Rio de Janeiro, o que só veio a ocorrer em 2016, em meio a protestos. Essa leniência do Estado rendeu ao ex-governador Sérgio Cabral uma ação de improbidade administrativa pela autorização ilegal do funcionamento do Alto Forno 2, que beneficiou a siderúrgica em 2010, ano em que ocorreu a “chuva de prata”, uma forte poeira prateada emitida pela empresa, que invadiu as casas do entorno da usina.
(Foto: Arquivo Instituto PACS)
Além da contaminação das águas e do ar, comprometendo a saúde da população, especialmente com doenças respiratórias, agravadas no contexto da pandemia, moradores também se queixam dos prejuízos causados pela obra de instalação da siderúrgica, que resultou em alagamentos e rachaduras nas casas.
Para quem vivia da pesca na região, os impactos foram ainda maiores. “Quem sentiu primeiro foram os pescadores, agricultores e moradores da região. Então ficou muito difícil viver aqui e ter a esperança de continuar vivendo aqui por mais dois, três anos”, lamenta Jaci, pescador que desde os 8 anos tirava seu sustento na Baía de Sepetiba, no rio Guandu e no canal São Francisco. Após a instalação da empresa, o pescado caiu em quantidade e qualidade, comprometendo a renda de centenas de famílias.
“Muitas pessoas daqui se queixam de incômodos e problemas de saúde, sem saber que têm relação com a empresa”, afirma Margarete, moradora do conjunto São Fernando. Ela também denuncia um cheiro semelhante ao de querosene, no ar do bairro, causado pela poluição da Ternium. “De madrugada, a produção aumenta e o céu fica alaranjado”, conclui.
Já para Flávio Rocha, morador e membro do Coletivo Martha Trindade (coletivo de juventude do bairro de Santa Cruz), a siderúrgica tenta maquiar os problemas causados adotando uma política de “responsabilidade social”, financiando projetos sociais, reformando escolas e concedendo bolsas e prêmios aos mais jovens. O que seria uma pequena compensação obrigatória, vira propaganda da empresa no território. “Se você olhar o bairro, é repleto de outdoors da Ternium com o discurso de que empresa e comunidade crescem juntos. Ela não abre mão de construir uma legitimidade com o bairro, uma parceria”, destaca Flávio.
Diante do processo de renovação da licença para a operação da Ternium, moradores, moradoras e organizações sociais se mobilizam para reiterar as denúncias e pressionar para que todo o histórico de negligência com a legislação ambiental e violação dos direitos das pessoas atingidas sejam determinantes para pensar a continuidade ou não do funcionamento da empresa.
No contexto da campanha “Licença pra quê?”, Rafaela Dornelas, do Instituto PACS, também criticou o processo de licenciamento para megaempreendimentos, considerando que há 15 anos a siderúrgica Ternium, antiga TKCSA, é alvo de uma série de denúncias e ações judiciais. “Afinal, a licença é para a Ternium continuar com sua produção em larga escala, multiplicando o lucro de seus acionistas? Ou também será uma licença para que a empresa siga com o descaso com o território, poluindo, prejudicando a saúde dos moradores, interditando as formas de vida praticadas historicamente? São muitos anos de danos às famílias que vivem no entorno, até hoje sem reparação. É possível que, no contexto de pedido de relicenciamento, o poder público ignore mais uma vez a vida e os direitos da população de Santa Cruz? As vidas nos bairros majoritariamente negros, empobrecidos e vulnerabilizados valem menos? Quanto custam? O lucro não pode estar acima da vida.”, concluiu.
Pessoas e organizações que desejarem apoiar a campanha podem assinar a "carta de adesão", disponível aqui.
Ternium Brasil
Em 2017, o grupo ThyssenKrupp anunciou a venda da siderúrgica para a Ternium, companhia subsidiária da Techint, um conglomerado ítalo-argentino, fundado em 1945. Após a compra da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), o grupo Techint ampliou sua produção anual na América Latina de 12 para 17 milhões de toneladas de aço e afirma ter um faturamento de 23,5 bilhões de dólares por ano. Além do Brasil, o conglomerado atua na Argentina, Colômbia, Estados Unidos, Guatemala e México.
Operando a partir de um Termo de Ajustamento de Conduta, somente em 2016 a Ternium Brasil conseguiu sua Licença de Operação. Inexiste, porém, informações públicas a respeito das condicionantes desta licença. Os impactos da siderúrgica na região de Santa Cruz rendeu 238 ações ajuizadas por moradores, relacionadas à poluição atmosférica e danos materiais, além de uma Ação Civil Pública que busca indenizar os pescadores prejudicados pela intervenção da empresa na região.
Santa Cruz
A região administrativa de Santa Cruz, onde está localizado o bairro de Santa Cruz, encontra-se na zona oeste do município do Rio de Janeiro. Em seu litoral, está a baía de Sepetiba, que recebe as águas do canal do São Francisco, braço do rio Guandu. Toda essa área ambiental tem sofrido com a poluição provocada pelo complexo siderúrgico, que também atinge os mangues e restingas da região.
De acordo com o Censo 2010, o bairro possui mais de 200 mil habitantes, boa parte formada por trabalhadores e trabalhadoras, incluindo moradores que tiram o seu sustento na própria região. Ou pelo menos tiravam, a exemplo dos pescadores e agricultores locais, que tiveram sua produção inviabilizada pelas obras e contaminação provocada pela Ternium.
Para saber mais sobre o caso:
Site Campanha Pare Ternium. Disponível aqui.
- Baía de Sepetiba: fronteira do desenvolvimentismo e os limites para a construção de alternativas. Disponível aqui.
- Relatório Violações de direitos humanos na siderurgia: o caso TKCSA. Disponível aqui.
- Quintais e Usinas: o dia a dia de violações de direitos da produção de aço no Brasil. Disponível aqui.
- O aguaceiro da Ternium Brasil: a sede a vontade de beber da siderurgia. Disponível aqui.
- Ternium/CSA: mais de uma década de violações sem resposta. Disponível aqui.
Leia mais
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