Por: MpvM | 05 Março 2021
"Vivemos um momento em que os santuários humanos, ou seja, os corpos de milhares de pessoas estão sendo destruídos por um vírus assassino. No cenário mundial, mas principalmente nacional, faz-se o jogo da valorização dos “templos de pedra”, ou seja, do discurso da valorização da economia, da salvaguarda do lucro dos bancos e das estratégias nefastas para manter alianças políticas que garantam a sustentação de um grupo oligárquico em detrimento às políticas de saúde em defesa da vida. Haja vista o celeuma criado em torno da aquisição e a fabricação da vacina, único meio para salvar a humanidade, vítima desta pandemia da Covid 19."
A reflexão é da teóloga Élida Debastiani, religiosa da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria - ICM. Ela possui graduação em teologia pela Escola Superior de Teologia - ESTEF (1995), licenciatura em Filosofia pela Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul - PUCRS (1999) e Mestrado em Ciências Bíblicas pelo Instituto Bíblico de Roma (2004) e pós graduação em Juventudes pela Faculdade Dom Bosco, Porto Alegre (2017).
Leituras do Dia
1ª Leitura - Ex 20,1-17
Salmo - Sl 18, 8.9.10.11 (R Jo 6,68c)
2ª Leitura - 1Cor 1,22-25
Evangelho - Jo 2,13-25
Neste 3º domingo da quaresma, a liturgia nos apresenta o texto do Evangelho de João sobre a purificação do Templo. Esta cena é narrada pelos quatro evangelistas (Mt 21,12-13; Lc 19,45-46 Mc 11, 11.15-17 e Jo 2, 13-25).
“Estando próxima a Páscoa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém. No Templo, encontrou vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas sentados. Tendo feito um chicote de cordas, expulsou todos do Templo, com as ovelhas e com os bois; lançou ao chão o dinheiro dos cambistas e derrubou as mesas e disse aos que vendiam pombas: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa do meu Pai uma casa de comércio”. Recordaram-se seus discípulos do que está escrito: O Zelo por tua casa me devora. (vv. 1-17)
Nos Evangelhos Sinóticos, Jesus vai a Jerusalém somente uma vez, já no final de sua vida para enfrentar sua paixão e morte. Porém em João, Jesus realiza a maior parte de seu ministério em Jerusalém e na Judeia. O quarto Evangelho traz três citações referentes a páscoa (2,13; 6,4; 11,55).
Como nos sinóticos, sua primeira atuação em Jerusalém é a purificação do Templo. Era de se esperar que o Templo cumprisse sua função de centro do culto e lugar da expressão dos louvores divinos, mas o que Jesus encontra é totalmente o contrário.
O comercio se realizava na parte exterior do átrio destinado aos gentios. Estava separado do Templo e dos outros pátios por uma balaustrada com inscrições, proibindo a passagem para o interior, sob pena de morte.
Os gentios já eram considerados impuros pelos judeus e, sendo os gentios que dominavam o comércio, os animais vendidos e comprados nesse local e oferecidos em sacrifícios a Deus, eram suspeitos. Acredita-se que os verdadeiros donos das terras e dos rebanhos, beneficiários últimos do comércio junto ao templo eram as autoridades religiosas. Esse talvez tenha sido um dos motivos que desencadeou a ira de Jesus e sua atitude enérgica frente aos vendedores. Era uma verdadeira engrenagem. Uns forneciam a moeda, outros as vítimas necessárias para as oferendas dos peregrinos. Mas esse uso legítimo dava lugar à exploração da fé dos peregrinos.
Ao purificar o Templo, Jesus ultrapassa a preocupação pela mera pureza ritual (cf. 6 talhas) e a limpeza moral.
O V. 16 remete ao profeta Zacarias (14,21) onde a casa de Deus é vista como casa de oração para todos os povos, incluindo os gentios.
“O Zelo por tua casa me devora”. Zelo indica uma orientação determinada de um sentimento, verso a uma pessoa ou uma coisa. A motivação pode ser de vários gêneros: empenho por valores supremos, fascínio, impulso de sentimentos santos, ofensa da honra, inveja, rivalidade, entre outros.
Em Jo 2,17, a purificação do Templo, ação realizada por Jesus faz os discípulos lembrarem do Salmo 69,10. O zelo de Jesus compreende veneração e santa indignação; o verbo devorar é intenso no sentido mais objetivo do que interior, poderia significar que o destruiria, o mataria. Essa interpretação pode ser figurativa, mas denota uma intensidade única na consciência e na ação do filho do carpinteiro.
Jesus não fica indiferente à realidade que ele encontra no Templo. É a casa do Pai sendo aviltada, desmoralizada pelos negócios espúrios. João diz: “Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio” (v.16). Marcos cita propositalmente as últimas palavras do texto do profeta Isaías (56,7) que anunciam a extensão universal do culto messiânico, dizendo: “minha casa será casa de oração para todos os povos”. “Vós, porém, fizestes dela um covil de ladrões!” (Mc 11,17). Mateus 21,13 e Lc 19,46 repetem a citação de Marcos. Não é só local de comércio, mas um covil de ladrões. Em Jo 10,10 Jesus diz: o ladrão vem só para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância. Aí está uma diferença fundamental no agir de Jesus em relação aos que fazem do Templo um lugar para negócios e até roubos.
A atitude de Jesus interpela discípulos e discípulas de ontem e de hoje. Gostaríamos de fazer um paralelo ente o zelo pela casa do Pai, o Templo e o zelo pelas causas de Deus, defendidas por Jesus.
O Templo representava um lugar santo, o lugar de encontro, lugar de oração, de intimidade, ponto de chegada de todo peregrino. No conjunto dos 15 salmos de subida (Sl 120 a 134) encontramos muitas expressões de alegria, contentamento, suplica, louvor e ação de graças por chegar na casa do Senhor em Jerusalém. “Que alegria quando me disseram: ‘Vamos à casa do Senhor!’ Por fim nossos passos se detêm às tuas portas, Jerusalém!... pois ali estão os tronos da justiça. Por meus irmãos e meus amigos eu desejo: ‘A Paz esteja contigo’ (Sl 122, 1-2.5.8). Essas ideias nos fazem pensar na euforia dos peregrinos ao completarem sua peregrinação a fim de participar nas festas judaicas, especialmente na Páscoa. Jesus prova deste sentimento coletivo de seu povo. Vai a Jerusalém como peregrino.
As causas de Jesus são as causas que tem relação com o Reino de Deus. Nós discípulos e discípulas, à luz do Evangelho de hoje, somos convocados a recobrar o zelo pelo santuário que é o corpo versus a dedicação aos santuários de pedra.
Os judeus reagem à provocação de Jesus quando diz: Destruí este santuário, e em três dias eu o levantarei (v.19). Chama-nos atenção os verbos construir, destruir, levantar. Há uma passagem de nível na linguagem e o próprio evangelista se encarrega de explicar. Jesus não está se referindo ao santuário de pedras, construído durante 46 anos, mas falava do santuário de seu corpo. É um anúncio antecipado de sua ressurreição.
Vivemos um momento em que os santuários humanos, ou seja, os corpos de milhares de pessoas estão sendo destruídos por um vírus assassino. No cenário mundial, mas principalmente nacional, faz-se o jogo da valorização dos “templos de pedra”, ou seja, do discurso da valorização da economia, da salvaguarda do lucro dos bancos e das estratégias nefastas para manter alianças políticas que garantam a sustentação de um grupo oligárquico em detrimento às políticas de saúde em defesa da vida. Haja vista o celeuma criado em torno da aquisição e a fabricação da vacina, único meio para salvar a humanidade, vítima desta pandemia da Covid 19.
Como Igreja somos chamados/as diálogo amoroso, que por vezes deverá ser enérgico para assegurar o direito de acesso aos bens necessários para a garantia da vida das populações vulneráveis.
Fortaleçamos as iniciativas ecumênicas e inter-religiosas, pois é hora de cuidar da vida, templo sagrado onde mora Deus, e relativizar os templos de pedra.
Fica uma pergunta:
Por quais causas o zelo de Deus arde em nosso interior?
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3º Domingo da Quaresma - Ano B - O zelo na defesa da vida e da justiça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU