Anoitecer. José Miguel Wisnik na oração inter-religiosa desta semana

Sino na igreja de Mariana, em MG | Foto: Reprodução do Facebook da Associação dos Sineiros de Ouro Preto

06 Novembro 2020

Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Por meio de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG.

 

Anoitecer

É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz - morte - mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.

Fonte: José Miguel Wisnik. CD Pérola aos poucos , 2003

 

José Wisnik (Foto: Flip | Divulgação)

José Miguel Soares Wisnik (1948): é compositor, músico e ensaísta brasileiro. Graduado e mestre em Letras, é doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada e professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo. Aos 17 aos apresentou-se como solista na Orquestra Municipal de São Paulo, ocasião em que interpretou o Concerto nº 2, de Camille Saint-Saëns. Wisnik lançou três discos solo e publica continuamente textos que versam sobre música e literatura. É autor, entre outros, de O Coro dos Contrários - a Música em Torno da Semana de 22 (Duas Cidades, 1977), O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira (Brasiliense, 1982), O Som e o Sentido (Companhia das Letras, 1989), Sem Receita - Ensaios e Canções (Publifolha, 2004). O artista também compõe trilhas para o cinema e para o teatro.