Princípios e Propostas para uma Cidade Melhor à luz da Economia de Francisco

Coluna “Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco”

Tela de Kassio Massa. Arte feita especialmente para a Coluna.

31 Outubro 2020

“Uma cidade melhor precisa passar por mudanças estruturais, de cunho social e ambiental, para se transformar em uma cidade sustentávelPara isso, pregamos transformações baseadas em: Solidariedade estrutural, equidade territorial e justiça social”, escreve o Grupo Oscar Romero, de Florianópolis-SC, para a coluna “Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco”.

O artigo elenca, partindo da realidade florianopolitana, propostas de cunhos universais, tendo em vista as novas e futuras gestões municipais. O texto foi enviado e assinado como compromisso de uma visão de cidade baseada na fé cristã à luz da Economia de Francisco por todos os candidatos à prefeitura de Florianópolis, das eleições de 2020.

Eis o texto.

 

Uma cidade melhor deve ser uma cidade de todos, com todos e para todos, estruturada como ambiente de vida, como um espaço em que tudo está integrado, conectado para que todos possam viver, morar e trabalhar dignamente.

A cidade do futuro, portanto, precisa que seja invertida a lógica atual que a governa, priorizando a maioria da população, o meio ambiente, a vida e não o lucro.

Uma cidade melhor precisa passar por mudanças estruturais, de cunho social e ambiental, para se transformar em uma cidade sustentável. Para isso, pregamos transformações baseadas em: Solidariedade estrutural, equidade territorial e justiça social.

 

O que esperamos de uma nova gestão municipal?

Uma gestão que:

• Promova o bem-estar e a justiça social, que preserve a cultura e seja promotora de uma cidade ambientalmente sustentável.

• Trate a beleza natural como um bem comum e não uma mercadoria explorada por poucos.

• Incentive uma economia inclusiva, solidária e humanitária.

• Que atue com total transparência, com políticas públicas que surjam de toda população, por meio de mecanismos de participação direta, democrática e fiscalização permanente.

 

Como entendemos o modelo de gestão?

O modelo de gestão deve ser contemporâneo, simplificado e descentralizado, voltado para o atendimento das demandas de todos os cidadãos, particularmente aqueles com maior vulnerabilidade social. Um modelo que tenha como princípio a democracia participativa, por meio do planejamento com participação social e popular, com:

• Envolvimento direto e permanente da população no planejamento, nas definições de prioridades orçamentárias e na avaliação dos resultados – Orçamento participativo.

• Incentivo à criação de observatórios e fortalecimento dos conselhos municipais, participativos, para definição de políticas públicas e controle social da gestão.

• Transparência plena como estratégia de gestão, permitindo relação mais direta entre população e gestor.

• Comunicação direta e permanente, presencial e digital.

• Valorização dos servidores públicos com resgate da dignidade profissional e aprimoramento por meio de formação e capacitação continuadas.

• Envolvimento das organizações do terceiro setor, especialmente no campo da Assistência Social, enquanto impulsionadoras de ações imediatas e estruturantes na construção das políticas públicas; o que significa que não substituem o papel e o dever do poder público.

• Desenvolvimento de políticas de integração metropolitana, tendo o Município o papel de liderança na promoção e desenvolvimento de políticas comuns nas áreas de saneamento, habitação, mobilidade entre outros.

• Manter-se em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

 

Quais ações prioritárias frente aos impactos da pandemia?

Saúde – oferecer Vacina e testagem para todos (acesso público);

• Apoiar ou criar Programa de Renda Mínima;

Garantir Segurança Alimentar por meio de programas municipais;

• Desenvolver um programa de Habitação Popular;

Saneamento Básico a todos;

Segurança Pública preventiva e comunitária;

Todas essas ações deverão ser fundamentadas em diagnóstico preciso dos efeitos da pandemia na saúde, emprego e saúde mental para a adoção de medidas práticas imediatas.

 

Inserções prioritárias num Plano de Governo

Gestão 2021/2024

 

(texto elaborado desde a realidade de Florianópolis, mas que vale para as demais cidades, uma vez que podemos ser universais falando a partir das nossas observações e vivências locais)

Num momento onde todos buscamos nos adaptar a um “novo normal”, Florianópolis é apontada como a melhor cidade para se viver, com base no Índice de Governança Municipal (IGM). O índice avalia serviços de saúde, educação, gestão fiscal, habitação, recursos humanos, transparência e segurança, tendo como referência dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, do IBGE e do SUS. Entendemos que agora o empenho deverá ser dado para que essa condição se estenda a todos os seus habitantes, com atenção especial aqueles de maior vulnerabilidade social.

Para alcançarmos esse patamar de maior equidade em vista da justiça social, relacionamos alguns eixos de atuação que consideramos prioritários, nos quais o tema transversal é a garantia de vida digna para todo e qualquer cidadão morador permanente ou temporário de Florianópolis.

 

1. Segurança Alimentar e Nutricional

Estamos vivenciando uma situação de desemprego e escassez de oportunidades de trabalho e isso se traduz de forma imediata no aumento da carência alimentar, fome, desnutrição com todos os problemas consequentes. Algumas iniciativas já ocorrem e outras tantas necessitam ganhar corpo urgentemente:

• Construir uma política municipal de segurança alimentar e nutricional, criando restaurantes populares e banco de alimentos.

• Promover a produção e consumo local de alimentos.

• Estímulo e assistência técnica para a preparação e manutenção de hortas urbanas/comunitárias.

 

2. Trabalho e renda

Conceber o trabalho como fundamento para o desenvolvimento social das pessoas e portador de dignidade. Trabalho para a promoção de condições dignas de vida para todos, capaz de gerar renda e emprego com sustentabilidade social e ambiental inserido numa matriz de desenvolvimento que inclua a economia solidária, com base na tecnologia social e digital:

Economia solidária e consciente com formas alternativas de produção, criação e compartilhamento, econômico, social e cultural: cooperativismo, associativismo, autogestão, feiras permanentes de trocas, empréstimos, intercâmbio de materiais, ideias e serviços;

• Estímulo à estruturação e consolidação de Bancos Comunitários de desenvolvimento local, microcrédito, fundos rotativos, moeda social, poupança e autofinanciamento;

• Promoção de capacitação e formação para o desenvolvimento de habilidades para o trabalho e o empreendedorismo (econômico, social, criativo) em jovens de comunidades empobrecidas;

• Incentivo aos empreendimentos locais;

• Políticas para a formação ambiental, na perspectiva do bem viver, interdependência e Casa Comum;

• Políticas formativas para atuação no mundo da cultura digital: games, redes sociais. Estímulo a plataformas digitais comunitárias;

• Uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) no desenvolvimento das comunidades empobrecidas;

• Acesso público popular à Internet.

 

3. Ocupação e uso do solo, cuidado com os espaços urbanos e a questão imobiliária

Fortalecer a estrutura urbana a serviço de todos, com o uso e ocupação do solo na perspectiva de bem coletivo da atual e das futuras gerações:

• Implantação de uma Política Habitacional visando a provisão de novas moradias, regularização fundiária (como instrumento de acesso à cidade na lógica de essencialidade da segurança jurídica para morar), implantação de infraestrutura em áreas consolidadas e assistência técnica gratuita para habitações de baixa renda.

• Implantação de um Plano geral de saneamento básico, com prioridade nas comunidades e foco em água potável, recolhimento regular de resíduos (com separação de recicláveis) e tratamento de esgoto.

• Exigência para novos empreendimentos imobiliários da comprovação da capacidade de suporte da infraestrutura viária e do saneamento.

Elaboração Democrática de um Novo Plano Diretor para o município fundamentado nos princípios de equidade e justiça social e acesso universal aos bens, serviços e equipamentos públicos.

• Recuperação das matas ciliares de rios e nascentes.

• Projetos de qualificação e embelezamento de todos os espaços públicos na cidade, com o mesmo padrão de investimento financeiro, tanto no centro como nas periferias.

Uso sustentável dos recursos: conhecer para proteger as espécies nativas, proteção do território (fauna e flora) na transversalidade com projetos educativos e conscientizadores.

 

4. Mobilidade Urbana/Trânsito

O transporte regular, com ampla cobertura do território, articulado com outros modais é condição essencial para o acesso às fontes de emprego, educação e lazer e para a redução do uso do transporte individual. Isso exige:

• Ter o transporte coletivo como base/princípio, custeado pela sociedade e não apenas pelo usuário.

• Corredores exclusivos para ônibus.

• Linhas de ônibus em horários de maior mobilidade ao trabalho e escolas com gratuidade à população credenciada.

• Favorecer a mobilidade ativa, melhorando e ampliando a infraestrutura existente.

 

5. Segurança Pública

Pensar, planejar e executar as ações de Segurança Pública em articulação com as demais políticas públicas e sociais:

Organização de Policiamento Comunitário - Participação da comunidade.

• Rediscussão do papel da Guarda Municipal (o foco não deve ser repressão, mas cuidar dos espaços e patrimônio público, ajuda à população e às comunidades locais).

• Atuação na Prevenção primária da violência por meio de políticas públicas preventivas voltadas para a inclusão social (educação, esporte, arte e cultura, inovação e tecnologia, geração de renda etc.).

• Definição de programas específicos, direcionados para a população que vive na e da rua, para adolescentes que cometeram atos infracionais, para a profissionalização, com participação do público-alvo, da sociedade civil em conselhos comunitários, fóruns e comitês-gabinetes para gestão integrada desses programas.

 

6. Cultura, Lazer e Esporte

A valorização da memória coletiva, das comemorações, das manifestações culturais associadas às práticas de convivência e de confraternização, reforçam as relações pessoais e estruturam comunidades mais saudáveis e solidárias. Os espaços públicos são convenientemente tratados como "Salas de Visita Comunitárias" que propiciam os encontros e as interrelações sociais entre pessoas dos mais distintos lugares, gênero, raça e religiosidades. Outras iniciativas que dão sustentação à essas dimensões:

• Implantação de áreas de recreação, conjugando o lazer e o desenvolvimento da cidadania, através de práticas coletivas de direitos e deveres na cidade, promovendo o lazer e o aprendizado no convívio.

• Programas de incentivo ao esporte individual e coletivo.

• Estabelecimento de calendário de atividades culturais para o desenvolvimento de valores do saber histórico local (costumes e tradições).

• Acesso dos jovens das periferias aos espaços culturais e artísticos.

• Redefinição dos critérios de preservação do patrimônio histórico da cidade com a implementação de atos que assegurem a manutenção de tais bens.

• Criação, divulgação e manutenção de espaços para feiras culturais e gastronômicas, festivais de música com práticas interligadas envolvendo cultura, educação, segurança alimentar, prevenção, ocupação do espaço público e de tempo ocioso, com valorização da cultura local, bem como acolhimento da cultura dos migrantes, renovando as práticas com novas referências, novas abordagens a partir dos mais diversos ingredientes culturais.

• Implantação e manutenção de espaços para práticas esportivas, com professores permanentes, bem como orientação e apoio nutricional.

• Incentivo às práticas de valorização da memória histórica, tais como a promoção da contação de histórias, registro e compartilhamento dos saberes locais, individuais e comunitários.

• Utilização de espaços e equipamentos públicos ociosos (ou em horários ociosos) para atividades comunitárias.

• Democratização dos equipamentos de turismo para todas as faixas de renda, tendo como premissa o turismo sustentável.

 

7. As políticas de Assistência Social devem priorizar

• Às pessoas em situação de rua é urgente a ampliação de políticas públicas voltadas ao atendimento das necessidades deste público, pensadas de forma intersetorial e multidisciplinar, visando a superação de suas vulnerabilidades e uma melhor qualidade de vida, com respeito à vida e à cidadania, em atendimentos humanizados e universalizados.

• Às pessoas com deficiência, manter, qualificar e ampliar as políticas públicas de atenção a estes cidadãos e cidadãs, visando ofertar proteção social e oportunizar autonomia, inclusão social e a plena participação em sociedade.

• Os idosos e idosas, por meio da ampliação de políticas públicas capazes de oferecer suporte a essas pessoas com vistas à humanização das relações entre viver e envelhecer e a construção de condições socioculturais propícias para uma velhice digna e prazerosa.

Políticas para crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social, priorizando a proteção e garantia de direitos desse público, ampliando oportunidades de trabalho e renda aos jovens.

• Desenvolver políticas públicas que ofereçam cuidados e bem-estar às crianças, adolescentes e jovens na perspectiva dos direitos humanos que contemplem a superação das desigualdades, com promoção da equidade e afirmação das diversidades.

• Fomentar os espaços de controle social entendendo a importância dos espaços deliberativos com respeito e reconhecimento aos Conselhos de Direitos.

• Implantar políticas de Benefício Eventual, em especial o Auxílio Alimento.

• Ter políticas e ações efetivas de prevenção às violências contra a mulher.

• Garantir o atendimento às comunidades indígenas que estão sofrendo seriamente essa desresponsabilização dos municípios, do Estado de maneira geral, em especial neste período de pandemia em que as dificuldades desta população têm sido agravadas.

 

8. As políticas de Educação devem priorizar:

• A integração de agentes públicos e privados da Educação Municipal visando proposições para uma educação na perspectiva: integral, sustentável, crítica e transformadora, que olhe para os territórios valorizando suas potencialidades, suas histórias, criando oportunidades de inovação e dialogando com o papel que a cidade tem em atividades econômicas de de tecnologia, turismo e economia criativa.

• O fortalecimento da conexão das unidades escolares com as comunidades onde estão inseridas, com participação democrática e autônoma em sua organização e gestão; para o uso dos espaços e estruturas em períodos ociosos; em atividades integradas com as organizações comunitárias. Por meio da SME, estabelecer processo organizado de fomento à participação familiar e comunitária visando o bem estar comunitário.

• O diálogo e articulação objetiva entre os movimentos sociais da educação, Educação Quilombola, Educação de Jovens e Adultos, Educação Comunitária e Educação Popular com o sistema municipal de Educação visando uma proposta de Educação que combata o empobrecimento e que assegure a representatividade dos territórios dos morros e periferias.

• A valorização dos professores e demais profissionais da Educação.

• O atendimento pleno e inclusivo às crianças com vagas em creches e escolas.

• A viabilização de espaços de fala e representatividade para os adolescentes e jovens, inclusive em narrativas sobre a qualidade da educação recebida em comunidades.

• O fomento à formação de coletivos jovens e lideranças comunitárias no âmbito da escola.

• A garantia da acessibilidade nas escolas, bem como atendimento especializado aos públicos com dificuldade de aprendizagem, deficiência ou distorção ano série.

• O fomento à educação inclusiva através de arquiteturas didáticas que privilegiam o enriquecimento e multiplicidade de ferramentas pedagógicas com foco na variedade de estratégias para apresentação dos conteúdos, engajamento para atividades e verificação do aprendizado, Desenho universal para o aprendizado presente no planejamento, prática e práxis docente.

• O fomento de políticas públicas intersetoriais de assistência e acompanhamento familiar em caráter preventivo.

• O fomento de políticas públicas alinhadas com proposta de educação antiracista e anticapitalista.

• A valorização das Organizações da Sociedade Civil, dos serviços educacionais desenvolvidos por estas organizações que mesmo tendo parcerias municipais, desempenham um árduo papel com o oferecimento de promoções (festas e eventos) para angariar fundos que possam complementar as verbas faltantes para o custeio dos serviços prestados.

• A promoção da alimentação saudável que contenha nutrientes essenciais e que consequentemente possa promover a saúde e boa qualidade de vida dos educandos.

 

9. As políticas de Saúde devem priorizar:

• O fortalecimento do SUS: Com garantia da aplicação de recursos financeiros em conformidade com a Resolução da Conferência Municipal de Saúde para chegar a 25% da arrecadação municipal.

• A qualificação do funcionamento do Conselho Municipal de Saúde, com formação permanente dos conselheiros.

• O atendimento de qualidade de forma gratuita: Defesa da atenção básica como centro coordenador da rede de saúde, com garantia de acesso aos diversos níveis de atenção.

• A garantia de equipes da Saúde da Família (PSF) completas para cobertura de 100% da população.

• A Vacina e testagem contra a covid-19 para todos.

• O fortalecimento da conexão da Secretaria de Saúde, com as Unidades Básicas de Saúde e com as comunidades onde estão inseridas, com participações e orientações sobre a saúde em seus variados âmbitos: sexual (prevenção), bucal, ou seja, da saúde como um todo nas questões de prevenção e de hábitos de vida saudáveis.


Autores

O Grupo Oscar Romero (GOR) reúne pessoas em Florianópolis (SC) que, a partir de uma identidade cristã, mas plenamente abertas à diversidade e pluralidade de crenças ou não crenças, se encontram para conviver, comungar a palavra, compartilhar pão e ideias. Nossa identidade se dá pela escuta e compromisso com a boa notícia de um Deus presente, encarnado na luta cotidiana “para que todos/as tenham vida, e vida em abundância”. Nossas inspirações vêm do testemunho de mulheres e homens que deram suas vidas para tornar a vida de todos mais justa e fraterna como o fez Francisco de Assis. Vêm da tradição católica, cujo vento que soprou na América Latina deixou claro que o sentido de ser igreja - comunidade de comunidades - deve ter por base a opção pelos pobres e pelos jovens. Do Papa Francisco que nos convoca a cuidar da vida e da Casa Comum, o planeta Terra, pois tudo está interligado, e a pensar novas economias, tal como no processo da Economia de Francisco. Assumimos o caminho da unidade na diversidade (princípio do Deus Trindade) e da colaboração, em oposição ao modelo de sociedade individualista, sectária e egoísta promovida pelo sistema econômico capitalista, o qual produz desumanidade e destruição do meio ambiente. Esses são alguns dos princípios e elementos que nos identificam.

 

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