18 Julho 2020
“A tragédia nos desnuda de nossa perversão e bondade, sem confusão nos unimos, freamos e desconstruímos a tendência sistemática que nos mata cotidianamente e começamos a germinar o 'nós pluriversal', onde ninguém sobra, enquanto o pão, o abraço e o canto são compartilhados como alimento para a alma. Ou assistiremos a nosso próprio enterro”, escreve César A. Valera y Baeza, filósofo, teólogo e assessor de educação para a paz do Instituto Militarizado del Sureste, em Mérida, no México. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis o artigo.
As luzes deslumbrantes do neoliberalismo precisaram se apagar para que fosse acesa a vela do calor humano. Coração e condição humana feita de risco, necessidade do outro, dor, amor, sonhos, poesia, canção, abraço, choro, fé, alegria compartilhada... até a nova consciência dos limites, não já da mãe terra, mas de nossa cegueira e necessidade de crer e alimentar miragens da morte, arrogância e dominação como espécie humana.
Resta-nos um tempo, para tirar poder deste sistema em todos os âmbitos; pessoal, político e econômico. Seus frutos gritam contradições de miséria e opulência, individualismo e violento genocídio e ecocídio.
Foram muitos os alertas científicos e da própria natureza, e agora, sob a atual circunstância mundial... e é na clausura em que nos encontramos, que nos vemos e nos assumimos iguais, como irmãos da mesma espécie.
É outro grito da dor de parto a uma nova humanidade. Exige-se a nós, como espécie, renascer, gerar outra fortaleza maior da condição humana, mais valente, resiliente e solidária que nunca. Desde os sempre inviabilizados e sobreviventes deste modelo civilizatório mercantil que começa a morrer, os que até para “protegê-los da morte” são mortos ou de fome ou de solidão... os milhares de irmãos que não têm onde se refugiar e a rua ou os caminhos de fronteira e risco permanente são seu habitat. Talvez sejam eles os que tenham essa nova fortaleza: a “terna solidariedade”, a milagrosa imunidade contra toda enfermidade egoísta. E oxalá contagiosa salvação humana!
É a grande oportunidade! Não de fazermos uma arca, mas sim um vínculo único e comum com o planeta e todas as espécies cuja base seja o mútuo cuidado ecossolidário.
Precisamos tirar desde as raízes mais profundas ainda na (ou pela) própria vulnerabilidade, o amor, o cuidado, a dignidade, o valor e a consciência do outro que foram e serão as fortalezas humanas de nosso futuro possível.
Com a inspiração e convicção dessa utopia de viver por quem se ama, pelo que se crê e dá sentido, e nada mais digno que nossos milhões de amigos, irmãos, os mais excluídos, os empobrecidos e as gerações que exigem melhor exemplo e herança: a justiça e a solidariedade!
Novamente, a tragédia nos desnuda de nossa perversão e bondade, sem confusão nos unimos, freamos e desconstruímos a tendência sistemática que nos mata cotidianamente e começamos a germinar o 'nós pluriversal', onde ninguém sobra, enquanto o pão, o abraço e o canto são compartilhados como alimento para a alma. Ou assistiremos a nosso próprio enterro.
Algumas questões
- Quais são os desafios e os maiores aprendizados que tivemos neste período de confinamento? E quão finita é a própria vida?
- Que sociedade, que mundo eu quero viver e construir para as próximas gerações?
- Eu me senti chamado a fazer alguma mudança na minha vida?
- Durante esse período, fomos capazes de realizar algum ato de solidariedade com outra pessoa em situação pior que a dele?
- Existe alguma atitude, ato (comigo mesmo, família, trabalho, amigos, parceiro, econômico, social) que eu descobri, que não quero mais continuar fazendo ou que preciso fazer com urgência?
Leia mais
- IHU para a quarentena. O Indivíduo e a Sociedade em introspecção
- Nós realmente sairemos melhores?
- O coronavírus evidenciou outra pandemia que beneficia os ricos: a da pobreza
- 'Tenho esperança na Humanidade. Vamos sair melhores', aposta o papa Francisco
- “A liberdade é vazia sem a solidariedade”. Entrevista com Massimo Recalcati
- “Espero que com a crise as pessoas percebam o erro que cometemos ao fragilizar a solidariedade e a cooperação internacional”. Entrevista com Yuval Noah Harari
- A solidariedade é a única cura. Entrevista com Jürgen Habermas
- “Poderíamos sair, e muito melhores. Porém temo que, uma vez mais, não aprendamos a lição”, aposta José Ignacio González Faus
- “Estamos numa mudança de época” e precisamos do “luto das nossas ilusões”. Entrevista com José Tolentino de Mendonça
- “Novas concepções de vida vão surgir. E, sem dúvida, assistiremos a uma mudança cultural", avalia Boris Cyrulnik
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os desafios desta crise civilizatória como sintomas da atual pandemia. “Para onde íamos? Aonde queremos ir?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU