18 Mai 2020
A humanidade vive tempos apocalípticos e o covid-19 é o seu grande revelador, pois ele traz à luz “as realidades distorcidas e as desigualdades que os interesses poderosos passaram como ‘normais’ e inquestionáveis”, apontam organismos ecumênicos internacionais, que fazem um chamado à conversão: “Somos chamados a ouvir os gemidos de toda a criação e sua esperança de redenção”.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Em mensagem conjunta, o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), a Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas (CMIR), a Federação Luterana Mundial (FLM) e o Conselho de Missão Mundial (CMM) instam governos a reforçarem o apoio à saúde e à proteção mundial. “Este é um momento profético”, pois como igrejas “podemos ver aqui um caminho para a nova criação”, razão para uma “esperança escatológica enraizada não no fim dos dias, mas na queda de sistemas pecaminosos”, assinalam os organismos internacionais.
A crise da pandemia do coronavírus tem origem em “sistemas econômicos opressivos e exploradores, baseados na lógica da obtenção de lucro, das desigualdades socioeconômicas, da indiferença ecológica, do interesse próprio político e dos legados coloniais”, denuncia o texto. A crise ecológica que está presente no mundo é uma “consequência direta dos sistemas econômicos extrativos nos quais a humanidade se comporta como se a Terra fosse um recurso ilimitado para a exploração implacável”, fator que está intimamente relacionada à pandemia do covid-19.
O manifesto reporta-se a cientistas que monitoram a biodiversidade e a saúde do ecossistema. O desmatamento, a expansão descontrolada da agricultura intensiva, a mineração e o desenvolvimento da infraestrutura, a exploração de espécies selvagens, as viagens aéreas globais expõem “a mão humana em emergência pandêmica, na qual o covid-19 pode ser apenas o começo”, alertam.
Os organismos eclesiásticos lamentam que as medidas para lidar com os impactos socioeconômicos da pandemia foram “meramente paliativas e direcionadas principalmente para resgatar empresas em vez de pessoas. Em alguns lugares, as economias já estão sendo reiniciadas sob o risco de aumentar as mortes, problematizando a troca percebida entre resgatar a economia e salvar vidas”.
Reportando-se à conferência eletrônica organizada pela Nova Arquitetura Financeira e Econômica Internacional (NIFEA), dias 17 a 24 de abril, as comunhões de igrejas renovam o pedido para que bancos e instituições financeiras internacionais cancelem as dívidas externas de países de baixa e média rendas, para que possam melhor enfrentar os desafios da crise do covid-19.
Pedem aos governos que aloquem recursos necessários à saúde pública e à proteção social para centenas de milhões de pessoas cujos meios de subsistência foram dizimados devido aos bloqueios. Solicitam a introdução de subsídios de renda básica, subsídios salariais, assistência ao desemprego e suporte para pequenas empresas.
CMI, CMIR, FLM e CMM reiteram o apelo “à implementação do Imposto de Zaqueu – imposto progressivo sobre a riqueza, imposto sobre transações financeiras e imposto sobre o carbono nos níveis nacional e global; a reintrodução de ganhos de capital e impostos sobre herança; medidas para coibir a sonegação e evasão ficais; reparação por escravidão e outras dívidas sociais e ecológicas; a cobrança de uma sobretaxa do covid-19, a ser cobrada dos fundos super ricos, de ações e de empresas multinacionais de comércio eletrônico e digital, que estão colhendo retornos ainda maiores da crise atual para fornecer resposta crítica à pandemia”.
Como medida de médio e longo prazo os organismos ecumênicos reivindicam que governos recuperem e salvaguardem bens públicos, bens comuns ecológicos dos processos neoliberais de privatização e mercantilização. “Nossas sociedades devem promover e investir profundamente no que a crise revelou como essencial: sistemas comunitários de saúde, cuidados e resiliência, bem como a proteção e o sustento de ecossistemas nos quais nossas economias estão inseridas”, assinalam.
Os organismos eclesiásticos frisam que nenhum país é uma ilha e apelam, bem por isso, para que a ONU convoque um Conselho de Segurança Econômica, Social e Ecológica, com base na proposta da Comissão Stiglitz, de 2009, para constituir uma liderança na abordagem de crises econômicas, sociais e ecológicas que exijam coordenação e ação internacional.
Pedem, por fim, às comunidades cristãs espalhadas pelo mundo a se comprometerem na busca de uma Nova Arquitetura Financeira Econômica Internacional (NIFEA), que modelem uma “economia de vida” em seu trabalho e vidas, e se juntem a movimentos sociais engajados na defesa de direitos e defensoras de mudanças sistêmicas.
A mensagem transmite esperança ao apontar para ações solidárias que se materializam para vencer a crise do covid-19. “Mesmo quando o capitalismo suplanta os impulsos de amar, cuidar e compartilhar com o desejo de competir, a crise tem visto comunidades em todo o mundo mobilizando profundas reservas de compaixão, bondade e generosidade, particularmente onde os mercados faliram. Isso ressalta o potencial de uma economia baseada no cuidado dos mais vulneráveis entre si e com a terra”, destaca.
As quatro organizações contam com igrejas em todas as regiões geográficas do globo, somando mais de meio bilhão de fiéis. O CMI, a maior delas, reúne as famílias protestantes, evangélicas, anglicanas, ortodoxas e reformadas.
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Organismos ecumênicos propõem o Imposto de Zaqueu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU