Os desequilíbrios sociais do contágio

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03 Abril 2020

"E necessário começar a pensar no que pretendemos fazer a seguir para tornar nossos cidadãos menos vulneráveis. É cada vez mais claro que uma sociedade tão desigual não tem futuro, que devemos voltar a focar em serviços públicos essenciais gratuitos e de qualidade para todos, desde a escola e a saúde, até as ajuda de renda e de apoio à moradia. E talvez devêssemos nos perguntar de uma vez por todas sobre um modelo econômico que funciona apenas criando disparidade e fosso, que é pensado de modo que para cada abastado haja muitos pobres, para cada rico haja demasiados marginalizados", escreve Carlo Petrini, fundador e presidente do movimento Slow Food e da Universidade de Ciências Gastronômicas de Pollenzo, em artigo publicado por La Stampa, 02-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Entre os milhares de pensamentos que passam por nossas cabeças como cidadãos e como seres humanos em meio a uma pandemia de coronavírus, há um que de repente só percebi hoje: sou uma pessoa idosa com patologias prévias. Sem aviso, de repente me encontro na categoria de população em maior risco. Meus "bramosos" mais de 70 anos emergem em todo o seu esplendor e todo o seu peso.

E com eles um quadro evidente, mas não suficientemente enfatizado.

Os efeitos da epidemia são pagos mais severamente pelos idosos, dos quais eu também faço parte, e pelos pobres (infelizmente em crescimento contínuo). São os idosos que pagam o maior tributo em termos de vítimas e sintomas graves, mas há também outro aspecto: todos os idosos que estão em lares de idosos, estruturas residenciais e terapêuticas, vivem um período de total isolamento. Parentes não podem visitá-lo para não pôr em risco sua saúde, e isso tem um enorme impacto para todos. De repente, corre-se o risco de comprometer claramente um vínculo geracional que não é feito - como equivocadamente tendemos a simplificar nestas semanas - apenas de assistência, mas que, pelo contrário, se alimenta de histórias, conversas, lembranças, conhecimentos e afetos.

De repente, nossa sociedade é privada de um enorme patrimônio de experiências e vivências, que não apenas fazem parte das histórias familiares de cada um de nós, mas que constituem a alma profunda de nossas comunidades, representam seu arcabouço cultural e social. É uma perda inestimável e, quando esse momento difícil tiver passado, todos seremos infinitamente mais pobres.

Ouvi e li em vários lugares supostas "garantias" de que, considerando que a idade média das vítimas do vírus é de cerca de 80 anos, não há necessidade de ficar assustado demais. Exceto que, como parte interessada, não acho muito agradável esse pensamento, e quero enfatizar o aspecto cultural e social que nosso país perde junto com seus idosos. Não podemos permitir isso; por esse motivo é ainda mais decisivo e importante limitar as infecções e seguir as regras severas que nos afetam nestes últimos dias.

Falando sobre as categorias mais atingidas, a lista não se esgota com os idosos. Pode parecer trivial dizê-lo, mas quem paga o preço mais alto são os pobres, como sempre. Se para nós abastados um mês de quarentena significa ter que inventar uma maneira de ocupar os dias entre experimentos culinários e leituras que aguardavam há anos a serem encaradas, para um grande número de pessoas pobres o que estamos vivenciando é um desastre épico. Nem todo mundo pode se dar ao luxo de não trabalhar por um mês ou mais, para muitos passar de salários plenos para bolsa de subsídio significa imediatamente ficar abaixo daquela precária linha de pobreza ao longo da qual geralmente mal e mal se flutua. Sem falar sobre aqueles que vivem com empregos temporários.

É por isso que todas as medidas necessárias para apoiar a população com maiores dificuldades no momento devem ser tomadas sem hesitação, para que todos possamos sair dela. Por outro lado, no entanto, é necessário começar a pensar no que pretendemos fazer a seguir para tornar nossos cidadãos menos vulneráveis.

É cada vez mais claro que uma sociedade tão desigual não tem futuro, que devemos voltar a focar em serviços públicos essenciais gratuitos e de qualidade para todos, desde a escola e a saúde, até as ajuda de renda e de apoio à moradia. E talvez devêssemos nos perguntar de uma vez por todas sobre um modelo econômico que funciona apenas criando disparidade e fosso, que é pensado de modo que para cada abastado haja muitos pobres, para cada rico haja demasiados marginalizados.

São sacrossantas as preocupações diárias com as reações dos mercados financeiros, mas é hora de mudar radicalmente de paradigma. Recolocando os pobres e os idosos no centro, restauramos a dignidade de sermos uma comunidade humana neste planeta.

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