E se houvesse um conclave agora, em pleno confinamento?

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23 Março 2020

Uma das coisas sobre o confinamento é que ele incentiva exercícios mentais que, sob outras condições, poderiam parecer totalmente inúteis. Aqui na Itália, onde agora muitas vezes leva uma hora ou mais para receber a permissão para entrar em um supermercado, é preciso ser infinitamente criativo para encontrar formas para ocupar o tempo.

O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 22-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o comentário.

Para aqueles que são fascinados pelo Vaticano e pelas suas vicissitudes como eu, eis um desses experimentos: o que aconteceria se o Papa Francisco morresse ou renunciasse hoje?

Para afirmar o óbvio, isso é profundamente improvável. Qualquer pessoa que esteja assistindo à missa diária transmitida ao vivo por Francisco sabe que definitivamente não há nenhuma crise de saúde em torno do papa– ele se mostra alerta, determinado e pronto para a batalha. Também é altamente improvável que ele opte por deixar o cargo no meio de uma crise global.

No entanto, a relevância de um exercício “e se?” não é que ele seja plausível, mas sim divertido. Então, sigamos em frente.

De acordo com as regras atuais, um conclave não deveria começar mais de 20 dias após o início da sede vacante, ou seja, quando o papa morre ou renuncia. Os cardeais poderiam decidir por adiar as coisas, mas, considerando-se o histórico receio de fazer qualquer coisa que possa pôr em questão a legitimidade de uma eleição, com toda a probabilidade eles se sentiriam compelidos a seguir os procedimentos como eles são.

Se o cronômetro começasse a contar a partir de hoje, esse limite externo para o conclave seria o dia 10 de abril, que, muito possivelmente, começaria mais cedo na esperança de ter um novo papa antes da Páscoa, dia 12 de abril.

Dadas as limitações de viagem criadas pelo coronavírus, isso provavelmente significaria que os únicos cardeais aptos a participar em tempo seriam aqueles que já moram em Roma e talvez o restante dos italianos (presumo que as autoridades italianas reconheceriam uma eleição papal como um “motivo de trabalho” legítimo, uma das quatro exceções à atual proibição de movimento entre as regiões e, de qualquer forma, os Pactos Lateranenses de 1929 garantem aos cardeais italianos o direito de chegar para um conclave).

Talvez alguns outros poucos europeus poderiam chegar a Roma a tempo, mas isso é incerto e, para os nossos propósitos aqui, não estou levando isso em consideração.

Nesse caso, haveria um total de 37 cardeais votantes. São os 25 cardeais italianos com idade para votar, menos o cardeal Mario Zenari, embaixador do papa na Síria, além de 13 cardeais com idade para votar de outros países que atualmente moram em Roma. Naturalmente, eles se sentiriam obrigados a praticar todos os protocolos de distanciamento social apropriados, mas, com tão poucas pessoas na Capela Sistina, haveria muito espaço. Alguém poderia levantar a ideia de permitir que outros cardeais participem remotamente, usando as tecnologias do século XXI, mas, para uma instituição vinculada à tradição, isso provavelmente seria impensável.

No total, há hoje 123 cardeais no mundo com menos de 80 anos; portanto, um conclave restrito apenas aos cardeais do Vaticano e da Itália (muitos dos quais, obviamente, são as mesmas pessoas) significaria que apenas 30% do eleitorado participaria. Qual poderia ser o impacto de uma participação tão baixa?

Para começar, a questão da votação em todo conclave papal geralmente se resume a continuidade versus descontinuidade. Os cardeais ou aprovam fundamentalmente o papado que acabou de terminar e, nesse caso, buscam eleger alguém que provavelmente manterá a mesma direção básica, ou não aprovam, procurando alguém para traçar um novo caminho.

Neste momento, 66 dos 123 membros com idade para votar no Colégio dos Cardeais foram nomeados pelo Papa Francisco, de modo que, provavelmente, seriam eleitores da continuidade. E há vários cardeais de destaque que sequer foram nomeados por Francisco, mas que são os principais aliados papais – o cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, de Honduras, por exemplo, o cardeal Peter Turkson, de Ghana, e o cardeal Reinhard Marx, da Alemanha.

Uma sólida maioria em todo o Colégio, portanto, estaria provavelmente inclinada a defender a continuidade, embora seu número praticamente não atingiria o limiar de dois terços para poderem eleger um papa por conta própria, e talvez precisariam encontrar alguém que também fosse aceitável aos cardeais orientados à conciliação no campo da descontinuidade.

Em um conclave dominado por romanos e italianos, no entanto, a matemática muda. Examinando os 37 cardeais que certamente participariam, minhas contas mostram 17 eleitores pela descontinuidade, 12 pela continuidade e 8 que não estão claramente alinhados.

Em resumo, isso pode parecer uma receita para uma versão do século XXI do infame Conclave de Viterbo, de 1268, o mais longo da história da Igreja, quando 19 cardeais se dividiram entre facções pró-francesas e pró-alemãs, sem falar das várias rivalidades e animosidades pessoais, e que levou quase três anos para eleger um papa.

No entanto, a atenção midiática no século XXI, combinada com a contagem regressiva da Páscoa e a necessidade de liderança em meio à pandemia do coronavírus, quase certamente levaria a um resultado muito mais rápido.

Eis o meu palpite sobre o que aconteceria.

Os eleitores da descontinuidade se uniriam atrás do cardeal italiano Angelo Scola, arcebispo emérito de Veneza e de Milão, e um “queridinho” dos anos de João Paulo II e Bento XVI.

Inicialmente, os eleitores da continuidade se dividiriam entre o cardeal italiano Pietro Parolin, secretário de Estado de Francisco, e o cardeal polonês Konrad Krajewski, atual esmoleiro papal, junto com o cardeal filipino Luis Antonio Tagle, chefe do departamento missionário do Vaticano, que seriam vistos como os melhores portadores da agenda evangélica e pastoral de Francisco.

No fim, suspeito que um número suficiente de eleitores da descontinuidade se voltariam para Parolin, se ficasse claro que Scola nunca chegaria aos 25 votos que seriam necessários. Eles achariam que, embora Parolin possa continuar adotando algumas políticas que eles não aprovam, porém, ele é um homem da instituição, e não uma personalidade independente e insubordinada como Francisco.

Parolin provavelmente também teria o apoio de pelo menos alguns membros da velha guarda do Vaticano, na lógica consagrada pelo tempo de que “o diabo que você conhece é melhor do que aquele que você não conhece”. Além disso, muitos dos cardeais italianos poderiam simplesmente preferir a ideia de trazer o papado de volta para casa.

Honestamente, no entanto, isso é um pouco como uma simulação de computador que uma vez eu assisti e que colocava 32 dos grandes times de beisebol de todos os tempos em um torneio eliminatório. A final foi entre os Yankees de 1927 contra os Mets de 1986, na qual os Yankees ganharam por 8 a 4, e Babe Ruth recebeu o prêmio de melhor jogador da partida. Foi interessante, mas, no fundo, sem sentido, pois isso nunca aconteceria na vida real.

Mesmo assim, nada impedirá os verdadeiros “torcedores”, seja do beisebol, seja do Vaticano, de fazer essa especulação... e há realmente um valor nisso, porque pode ajudar a aprimorar as habilidades mentais para quando isso realmente acontecer.

 

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