Francisco não diz 'sim' aos padres casados, mas também não diz 'não'

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17 Fevereiro 2020

Foi decepcionante, mas não surpreendeu, que o Papa Francisco tenha decidido não responder à recomendação do Sínodo para a Amazônia de que a Igreja Católica ordene homens maduros e casados ​​para compensar a enorme escassez de padres na região amazônica. Francisco não disse sim aos padres casados, mas também não disse não. A discussão sobre o assunto continuará, enquanto que os papados anteriores diziam não até mesmo à possibilidade de debater o tema.

O comentário é de Thomas Reese, jesuíta, jornalista, publicado por Religion News Service, 14-02-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Há uma escassez tão severa de padres na Amazônia que a Eucaristia e outros sacramentos não estão prontamente disponíveis para a maioria dos católicos. Muitas comunidades veem um padre apenas uma ou duas vezes por ano. Essa escassez existe há décadas e os bispos da Amazônia, reunidos em Roma no último mês de outubro, não viram esperança por uma reviravolta.

Eles também queriam abrir o diaconato para as mulheres, que em muitas localidades já são as líderes religiosas de suas comunidades. Aqui o papa deu um não definitivo.

Francisco respondeu às recomendações do sínodo na exortação chamada Querida Amazônia. Claro está que Francisco ficou chateado com os meios de comunicação, que se concentraram na ordenação de homens casados ​​quase com a exclusão de outros tópicos do sínodo, como a devastação do meio ambiente e a exploração dos povos indígenas da Amazônia.

Ele lamentou que os povos indígenas foram considerados “mais como um obstáculo de que nos temos de livrar do que como seres humanos com a mesma dignidade que qualquer outro e com direitos adquiridos”. Ele também insistiu que a preocupação com o meio ambiente deve estar ligada à preocupação com os povos indígenas.

Embora simpatize com o desejo do papa de enfatizar as questões enfrentadas pelo meio ambiente e pelos povos indígenas, acho decepcionante que ele recicle as velhas recomendações de orar pelas vocações e ampliar o papel dos leigos.

Não me interpretem mal. Sou plenamente a favor dessas soluções, mas temos rezado por vocações há mais de um século e ampliamos o papel dos leigos desde que o Concílio Vaticano II terminou em 1965. É verdade que muito mais pode ser feito, mas seremos uma comunidade eucarística ou não?

Claramente, Francisco não quer ser o papa a se livrar do celibato obrigatório, que ele valoriza grandemente. Ele também pode temer que os opositores da ordenação de homens casados ​​dividam ainda mais a Igreja caso ele venha permitir, muito embora sejam uma pequena minoria.

Com eloquência, Querida Amazônia reconhece a ausência da Eucaristia e o sacramento da Reconciliação em muitos lugares da Amazônia, mas, em vez de ordenar homens casados, ele recomenda a ordenação de mais diáconos do sexo masculino. Por acidente ou não, isso criará o quadro de candidatos ao sacerdócio, se exceções vierem a ser permitidas.

Mas Francisco não está aberto a ordenar mulheres para o diaconato. Seus argumentos contra diáconas são decepcionantes e patriarcais. Ele teme “clericalizar” as mulheres, como se isso não fosse um problema maior para os diáconos. Ele pede por um maior reconhecimento do papel das mulheres na Igreja – e eu concordo –, mas por que não seguir em frente e ordená-las?

Nossa decepção com as decisões de Francisco sobre os padres casados ​​e mulheres diáconas não deve nos cegar para as muitas outras coisas excelentes desta sua exortação. O que ele diz sobre meio ambiente, aquecimento global e povos indígenas ressalta os argumentos do sínodo.

Ele também apoia totalmente uma maior inculturação da Igreja, de forma que o catolicismo não seja mais apenas uma importação europeia, mas reflita a sabedoria, as práticas e as culturas indígenas da Amazônia. Ele quer uma Igreja que tenha “rostos novos com traços amazônicos”.

Em particular, Francisco observa a necessidade de inculturação da liturgia. Isso exigirá a substituição do Cardeal Robert Sarah como chefe da Congregação para o Culto Divino por alguém que simpatize com a inculturação. Destacado opositor de quaisquer exceções à regra do celibato, Sarah deve apresentar o seu pedido de renúncia por idade quando completar 75 anos em junho.

Esta exortação de Francisco é uma mudança na forma como as coisas geralmente ocorrem na Igreja. Enquanto papas anteriores escreveram seus próprios documentos que substituíam tudo o que fora produzido em um sínodo, Francisco incentiva que se leia o documento final, no qual, segundo ele, “colaboraram muitas pessoas que conhecem melhor do que eu e do que a Cúria Romana a problemática da Amazônia, porque vivem lá, por ela sofrem e a amam apaixonadamente”. Ele não quer substituir aquele texto [o do Sínodo dos Bispos], mas pede a todos da região amazônica que “se empenhem na sua aplicação”.

O papa mostrou que, no processo sinodal, ele ouvirá, endossará com alegria a maioria das recomendações, dirá não a algumas delas e adiará outras até tempos mais oportunos. 

Nem todos gostarão dessa abordagem. Para uns, ela é “popular” ou “democrática” demais. Para outros, é demasiado lenta e não é democrática o suficiente. Mas está muito longe dos papas anteriores que diziam: “É do meu jeito ou nada”.

Francisco não teme debates abertos e nem discordâncias na Igreja. Em seu novo livro, “São João Paulo, o Grande”, publicado no dia anterior à exortação apostólica, disse: “O que mantém a Igreja unida não é o fato de que todos concordamos, mas uma palavra que muitos esqueceram: comunhão”, onde “diferentes partes colaboram para o bem”.

 

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