25 Novembro 2019
“Sinto que neste país é um pecado ser pobre.” A frase é de Berta Aparicio, chilena que sofre com dores lombares graves e peregrina por um tratamento há seis anos. Os protestos no Chile despertaram a curiosidade de saber como funciona o sistema de saúde por lá, já que as falhas no cuidado aos doentes foram um dos maiores alvos da insatisfação dos manifestantes. A BBC Brasil foi atrás dessas respostas.
A informação é publicada por Outra Saúde, 25-11-2019.
Em resumo, naquele país existe um órgão que administra os fundos públicos de saúde. Chama-se Fonasa e atende 80% da população. Já as instituições de saúde previdenciária, conhecidas pela sigla Isapres, atendem 17% dos chilenos. São instituições privadas com as quais se assina um contrato que suga boa parte do salário todo mês. Por fim, os 3% restantes correspondem a militares, atendidos em sistema de saúde próprio.
São estas as três ‘realidades’ em termos de acesso a ações e serviços de saúde no Chile. Como podemos imaginar, elas são bastante distintas. Para se ter uma ideia de como o poder de arrecadação é diferente, os Isapres detêm 50% do gasto total em saúde – mesmo que atendam a menos de 20% da população. Já os 80% mais pobres precisam se haver com um subfinanciado Fonasa. "Em saúde, existe um fator chamado determinantes sociais, que diz que as pessoas mais pobres têm a tendência a ficar mais doentes e, portanto, a gastar mais com saúde do que os mais ricos", explica José Miguel Bernucci, secretário nacional da Faculdade de Medicina do Chile à reportagem.
Além disso, o gasto desembolsado pelas pessoas com saúde é muito mais alto por lá. Enquanto esse tipo de despesa nos países da OCDE representa, em média, 20% da renda das famílias, no Chile abocanha 35%. Se a média dessa despesa por ano ficou em US$ 351 no Brasil em 2018, por lá esse valor sobe para US$ 766. E como as médias nunca contam a história completa, é de se imaginar o quão catastrófico esse gasto pode se tornar. O caso de Berta Aparicio ilustra bem isso: vítima de um verdadeiro labirinto sem saída na busca por um tratamento no Fonasa, sua família chegou a cogitar vender a casa própria para pagar uma cirurgia de R$ 26 mil. Esse tipo de ‘escolha’ entre morar na rua sem dores, e dormir sob um teto sofrendo é, afinal, o motor da revolta chilena.
Leia mais
- Chile. A revolução dos jovens contra o modelo social herdado de Pinochet
- Chile. Anistia Internacional recomenda investigar a responsabilidade do governo pela violação de direitos humanos contra manifestantes
- O Chile Rebelde quer ir além
- Chile. Mais de 200 pessoas perderam a visão em protestos
- Chile: falsa normalidade
- Visões críticas aos novos constitucionalismos sul-americanos
- Chile. Justiça aceita denúncia contra o presidente
- Mobilizações no Brasil ontem (2013) e no Chile hoje (2019)
- Protestos no Chile: as rachaduras no modelo econômico do país expostas pelas manifestações
- Chile: lições que vêm da rebelião popular contra a herança maldita de Pinochet
- Chile. A casta trata de salvar o modelo diante de um povo que despertou
- “Um duro golpe”: as consequências econômicas e de imagem para o Chile pelo cancelamento de duas grandes cúpulas internacionais
- Insurreições de outubro. O mundo nas ruas
- Chile. Relatório registra mais de 20 mortos e 9 mil pessoas presas no país
- Presidente do Chile cancela COP um mês antes do evento
- “Não se trata de 30 pesos, mas de 30 anos de abuso de poder”
- A ‘maldição’ das matérias-primas que condena a América Latina
- ‘O Chile acordou’: autora da foto viral que marcou protestos conta o que sentiu ao capturar imagem
- Chile. “Jesus teria vindo aqui”. A luta dos cristãos em Santiago
- Chile. Piñera renovou seu gabinete em meio a novas manifestações
- Chile. A insurreição popular vem do subterrâneo e perfura a máquina violenta e neoliberal. Entrevista especial com Rodrigo Karmy Bolton
- Chile tem a terceira maior concentração de renda no 1% mais rico
- O enigma chileno (e o nosso)
- Chile é palco de novos protestos e incêndio na capital
- Da despedida profética de Salvador Allende a um Chile que despertou
- A agitação social que inflama a América do Sul
- Chile. Inflexão constituinte contra a pilhagem neoliberal?
- Chile. Protestos ganham adesão e intensificam pressão das ruas
- Protestos no Chile: um governo cego, surdo, inepto e incompetente
- Chile. Protestos massivos, que tem outra noite de toque de recolher
- Chile. Insurreição quer passar país a limpo
- Protesto social desorienta Piñera e submerge o Chile em uma grave crise
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Por que o sistema de saúde gera revolta no Chile - Instituto Humanitas Unisinos - IHU