FMI perde o chão na América Latina

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23 Outubro 2019

Christine Lagarde, ex-diretora Gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), disse em outubro de 2015, durante uma assembleia em Lima, que “o FMI não é mais o que era e a América Latina tampouco”. Em seguida, resumiu a diferença de resultados econômicos entre os países rebeldes da maré vermelha latino-americana e os que haviam seguido o conselho da poderosa instituição multilateral. “Há dois países no território negativo, Venezuela e Brasil (então sob governos de esquerda), frente ao êxito das reformas no Chile, Peru, Colômbia e México”, então, presidido por Enrique Peña Nieto, um dos favoritos de Davos e do FMI.

A reportagem é de Andy Robinson, publicado por La Vanguardia, 22-10-2019. A tradução é do Cepat.

O pêndulo político na América do Sul parecia ter mudado definitivamente para o lado do antes conhecido como consenso de Washington. Nesse mesmo ano, Mauricio Macri se impôs nas eleições argentinas e logo adotou um pacote de medidas de liberalização apoiadas pelo FMI, que lhe ofereceu créditos no valor de 50 bilhões de dólares.

Poucos meses depois, Dilma Rousseff, presidente do Brasil e líder do Partido dos Trabalhadores, foi destituída, dando lugar a um período eleitoral que terminou com o ultraconservador Jair Bolsonaro na presidência.

Em 2017, o Equador passou por uma mudança semelhante quando Lenin Moreno, um político formado na esquerda, mas reconvertido agora em neoliberal, substituiu Rafael Correa na presidência. Como Macri, Moreno solicitou assistência do FMI, uma instituição non grata em Quito durante os anos de Correa.

“Não somos mais um monstro na América Latina”, disse Lagarde, após assinar os acordos com Argentina e Equador. No entanto, nos últimos meses, essa imagem benevolente do FMI sofreu um grave revés na região. Na Argentina, o resgate falhou de forma espetacular. O peso perdeu mais de 50% de seu valor, a inflação disparou e também a pobreza e a fuga de capitais.

O FMI também foi bastante criticado na assembleia deste mês, em Washington, por ser generoso em excesso com o governo Macri, ideologicamente afim. Não são descartadas também as pressões de Donald Trump. O draconiano ajuste recomendado pelo FMI desencadeou ondas de protestos nas ruas de Buenos Aires, em um ano eleitoral.

Kristalina Georgieva, que acaba de substituir Lagarde no comando do FMI, se mostrou disposta a ajudar a Argentina como Christine Lagarde. Mas, a química não será mais a mesma se, como tudo parece indicar, o peronista Alberto Fernández vencer as eleições presidenciais na próxima semana.

Outro problema para o FMI é o Equador. Há três semanas, dezenas de milhares de manifestantes, liderados pelas confederações indígenas, foram às ruas de Quito para protestar contra o programa de ajuste. “Isso não para até que o FMI saia do Equador”, disse Jaime Vargas, líder da Confederação Nacional Indígena, horas antes do governo recuar e manter os subsídios aos combustíveis, que havia retirado de acordo com o programa de austeridade do FMI.

Por último, uma onda de protestos violentos acaba de eclodir no Chile, onde o governo conservador de Sebastián Piñera é outro discípulo das reformas estruturais e políticas do FMI.

“A América Latina queima e o FMI é considerado responsável”, comentou Richard Kozul-Wright, economista da Unctad, a agência da Organização das Nações Unidas para comércio e o desenvolvimento. A crise do Equador talvez será recordada como o momento em que o FMI voltou a ser ‘um monstro’ na perspectiva latino-americana.

O fundo pediu um grande ajuste ao governo de Lenin Moreno, equivalente a 5% do PIB em três anos. “É um tremendo ajuste e um ajuste dessa magnitude nunca pode ser feito sem violência nas ruas”, opina Andrés Arauz, especialista em economia equatoriana, fixado no México. O Equador não estava em uma grave crise de solvência como a Argentina, quando Moreno decidiu pedir ajuda ao fundo. Em vez disso, seus indicadores de saúde macroeconômica, em 2018, eram razoáveis.

O FMI explica a dureza do ajuste pelo aumento da dívida pública - dobrou nos últimos cinco anos - e uma economia dolarizada que não pode desvalorizar sua divisa para amortecer o golpe do aumento do dólar e a queda no preço do petróleo, principal fonte de divisas. O fundo sustenta que, sem o resgate, o ajuste seria ainda mais difícil.

Contudo, Arauz acusa o FMI de “exercer forte pressão para que o governo adote as medidas rapidamente”. Essas medidas incluíram as reduções draconianas dos subsídios aos combustíveis que mantêm muito baixos os preços da gasolina e do diesel, o que torna mais barato a cesta de alimentos e bens essenciais para as famílias pobres.

O preço do diesel subiu 120% após a implementação do plano acordado com a equipe do FMI, dirigido pela bielorrussa Anna Ivanova, especialista em física atômica.

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), outra das principais instituições financeiras de Washington, também critica o papel do fundo no Equador. “O FMI ainda acredita em terapia de choque”, declarou um alto diretor, “mas é impossível explicar a retirada de subsídios a uma população empobrecida”.

No Equador, no entanto, não fica claro se o monstro do ajuste é o FMI ou Lenin Moreno, que após ser eleito por Correa como seu candidato à presidência, voltou-se contra o modelo heterodoxo dos anos anteriores.

Fontes muito próximas da equipe do FMI que projetaram o programa para o Equador argumentam que foi o próprio governo de Lenin Moreno que insistiu em fazer um ajuste tão rápido e duro.

O FMI havia aconselhado a aumentar o IVA para aumentar a arrecadação fiscal. No entanto, segundo fontes do fundo consultado esta semana, em Washington, foi o governo Moreno que “preferiu fazer o ajuste cortando os subsídios aos combustíveis. Nós apoiávamos o aumento do IVA e da reforma tributária”.

A verdade é que Moreno se mostrou um grande aliado de Trump, superando até as expectativas de Washington. Expulsou, por exemplo, da embaixada de Londres o líder do WikiLeaks, Julian Assange, reivindicado pelos Estados Unidos por espionagem.

Também propôs a reabertura das bases militares estadunidenses, oferecendo até as Ilhas Galápagos como base para o fornecimento de combustível da Força Aérea norte-americana. Na crise venezuelana, Moreno propôs o uso da força contra o governo de Nicolás Maduro. “Quem apresenta a tese de responsabilidade em proteger os venezuelanos não são os Estados Unidos, mas o próprio Lenin Moreno e ninguém pode dizer que Lenin vem da direita”, disse Guaidó, em uma entrevista ao jornal La Vanguardia.

Seja quem for o principal responsável pelo desastre no Equador, tanto o governo de Moreno quanto o FMI insistem que o ajuste e o programa de privatização e desregulamentação trabalhista avançarão.

Agora, o foco será nos aumentos do IVA e nos cortes na administração pública com menos ênfase nos cortes de subsídios aos combustíveis. “Por isso, em breve, você verá mais protestos nas ruas, desta vez com mais presença dos sindicatos trabalhistas”, prognostica o especialista Arauz.

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