15 Outubro 2019
A lacuna entre a proclamação do Evangelho e a realidade da vida cotidiana das pessoas se tornou tão ampla agora que é quase impossível falar sobre a fé cristã.
A reportagem é de Christa Pongratz-Lippitt, publicada por La Croix International, 11-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um dos bispos mais jovens da Alemanha alertou contra os esforços para tornar “o primado da evangelização” apenas um “grito de guerra” destinado a dificultar as urgentes reformas da Igreja.
“Sou contra declarar as reformas que pretendemos discutir no ‘procedimento sinodal’ como ‘trivialidades’ ou como ‘meras questões estruturais’ e elevar o ‘primado da evangelização’ a um antônimo para a reforma da Igreja”, disse Dom Peter Kohlgraf, bispo de Mainz.
O bispo de 52 anos, que substituiu o falecido cardeal Karl Lehmann em Mainz há apenas dois anos, afirmou o seu forte compromisso com a evangelização. Mas, em uma entrevista no dia 6 de outubro ao jornal Kölner Stadt-Anzeiger, ele disse estar curioso para saber o que está por trás da demanda incessante que alguns católicos na Alemanha estão fazendo em relação a esse ponto.
“Se eles querem dizer que devemos levar a mensagem do Evangelho ao mundo, então só posso dizer: ‘Mas é claro! Estou me esforçando muito para não fazer mais nada durante todo o dia!’”
“Mas, se eles querem dizer que a Igreja sabe de antemão responder às pessoas e não está interessada nas suas perguntas, então a evangelização se torna um grito de guerra”, disse Kohlgraf em uma ampla entrevista sobre as estatísticas da Igreja.
Bispos, leigos e as questões candentes do procedimento sinodal
Os bispos alemães definiram um “procedimento sinodal” de dois anos para a reforma eclesial, um projeto audacioso que incluirá a participação ativa do Comitê Central dos Católicos Alemães (leigos). O objetivo é traçar um caminho a seguir para a Igreja, após a devastação causada pela crise dos abusos e pelo consequente êxodo em massa de fiéis.
O procedimento sinodal discutirá os seguintes assuntos: “Poder, freios e contrapesos”, “Moral sexual”, “Estilo de vida sacerdotal” e “Lugar das mulheres na Igreja”.
A Congregação para os Bispos de Roma, assim como clérigos conservadores dentro e fora da Alemanha, criticaram fortemente o procedimento. Mas a maioria dos bispos alemães está determinada a levar adiante o “procedimento sinodal”.
Dom Kohlgraf disse que é “inegável” que a imagem pública da Igreja se deteriorou a tal ponto que os católicos agora a veem como “inútil” e estão mantendo distância.
Ele disse que o abismo entre a proclamação da mensagem do Evangelho e a realidade da vida cotidiana das pessoas se tornou tão amplo agora que é quase impossível falar sobre Deus e a fé cristã. Ele acrescentou que é absolutamente crucial que a Igreja perceba o tamanho dessa lacuna.
Abuso sexual clerical forçou a reforma da Igreja
Kohlgraf apontou que as questões de reforma em discussão “não foram apenas levantadas por alguns de nós, bispos, que queriam fazer um pouco de barulho”. Ao contrário, ele disse que foi o “Estudo sobre os Abusos” que a Conferência dos Bispos da Alemanha encomendou em 2018 que, na verdade, trouxe essas questões à tona.
“O descontentamento é tão grande e tão dominante que não se pode discutir questões de fé. Para mim, com toda a honestidade, isso significa que a evangelização está paralisada”, enfatizou o bispo de Mainz.
Ele disse que tem certeza de que a moral sexual será a mais difícil das quatro questões de reforma a serem discutidas, uma vez que as posições aqui são “quase irreconciliáveis”.
“Há quem diga: ‘Já foi tudo dito, o ensino da Igreja não deve mudar’. Então, há outros que dizem: ‘A realidade da vida, incluindo aquilo que as Ciências Humanas dizem, deve mudar o ensino da Igreja’. É aqui que dois mundos realmente se chocam”, disse Kohlgraf.
Papel das mulheres
Ele observou que outra questão importante – o papel das mulheres na Igreja – chegou até a levar as pessoas para as ruas. Ele disse que esteve em contato com as ativistas do “Maria 2.0”, um movimento católico de base que pede que as mulheres sejam autorizadas a ocupar todos os ofícios eclesiásticos.
“Elas são mulheres – e homens – católicos altamente comprometidos do meio das nossas paróquias. E, embora o ‘procedimento sinodal’ certamente não vai culminar na ordenação das mulheres, ele não deve terminar com um mero: ‘É bom que tenhamos falado sobre o papel das mulheres na Igreja’”, disse Dom Kohlgraf.
“Existe esse perigo”, admitiu. “Mas seria um tremendo potencial para a frustração.”
Na longa entrevista, o bispo foi enfático sobre esse assunto.
“É muito importante ouvirmos o que esses paroquianos têm a nos dizer. Eu lhes prometi que transmitirei a sua incompreensão (sobre como as mulheres estão sendo tratadas pela Igreja) a Roma. Enquanto isso, devemos distribuir ofícios de liderança responsável que sejam igualmente abertos a homens e a mulheres de maneira justa. Ainda há muito caminho pela frente", insistiu.
Celibato sacerdotal e ordenação de homens casados
Dom Kohlgraf, que agora é o segundo bispo mais jovem de uma diocese alemã, também falou sobre a assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, que atualmente está em andamento em Roma.
Ele disse esperar que seus debates sobre o celibato sacerdotal possam incluir uma discussão mais abrangente sobre como uma vida celibatária pode ser vivida hoje e no futuro. Ele acrescentou que, para ele, pessoalmente, o celibato é um grande tesouro, pois foi um estilo de vida recomendado por Jesus.
Quando perguntado se os bispos alemães pressionariam pela ordenação dos viri probati (homens casados de virtude comprovada), caso o Sínodo liderasse essa disposição para a região amazônica, ele disse essa e todas as outras questões em discussão no “procedimento sinodal” não se referem apenas à Igreja alemã.
“Eu não conheço nenhum país do mundo em que as questões do poder, do ofício sacerdotal, da moral sexual e do papel das mulheres na Igreja não estejam sendo discutidas”, disse o bispo.
Observando que o papa Francisco sempre falou da necessidade de uma saudável descentralização, Kohlgraf disse que uma decisão sobre a permissão ou não da ordenação de homens casados em nível regional seria um exemplo concreto de descentralização.
O bispo disse que não acha que o fato de permitir padres casados em certas regiões seria um ataque à Igreja universal nem ao sacerdócio em geral.
“Temos padres casados na Igreja de rito latino há muito tempo. Pastores luteranos que se tornam católicos romanos e são ordenados padres católicos naturalmente trazem consigo suas esposas e seus filhos”, afirmou.
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Bispo alemão afirma que evangelização não pode ser usada como oposição à reforma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU