19º domingo do tempo comum - Ano C - O Pai tem prazer em comunicar-nos sua vida

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05 Agosto 2022

 

A reflexão é de Ana Maria Formoso, mcr, religiosa da Comunidade Missionária de Cristo Ressuscitado - MCR. Ela possui graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1999), mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul  - PUCRS (2005) e doutorado em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos (2013). Atualmente é professora na Faculdade de Teologia da Pontificia Universidad de Valparaíso/Chile.

Referências bíblicas
Leituras do Dia
1ª Leitura - Sb 18,6-9
Salmo - Sl 32,1.12.18-19.20.22 (R.12b)
2ª Leitura - Hb 11,1-2.8-19
Evangelho - Lc 12,32-48

 

1ª leitura: Sabedoria (18,6-8): Memória da Páscoa libertadora

 

A primeira leitura descreve a dinâmica da noite pascal do Povo de Israel que busca a Deus para que o liberte de sua escravidão. É uma memória litúrgica para a comunidade judaica do Egito que leva a atualizar a presença salvadora de Deus no meio do povo.

 

A dinâmica litúrgica é força para ir vencendo os medos, temores de um povo, de governos que oprimem os pequenos. Temos que continuar a dinâmica pascal que traz força, inspiração para a caminhada cristã. Em um mundo onde não há quase tempo para os encontros presenciais, para refletir sobre a vida cotidiana e a vida de Deus é profético que as minorias continuem celebrando com beleza e profecia. Nossas liturgias são força de inspiração para um agir mais libertador ou nos acostumamos a uma liturgia um pouco dissociada da vida? Muito temos para agradecer as celebrações dos grupos das Comunidades Eclesiais de Base, das mulheres, dos grupos pequenos que misturam a vida com a Palavra de Deus. Deixemos que venha a nossa vida a imagem de um Deus que nos visita gratuitamente para oferecer-nos mais vida, mais dignidade, mais inspiração de respeito e menos temores.

 

2ª leitura: Hb 11, 1-2.8-19

 

Na segunda leitura na carta dos Hebreus vamos ficar com uma ideia central que é o eixo da carta e nos centra na questão da fé em Deus, nele está a fonte da vida, da Ressurreição, mas para participar nessa vida, nesse Reino no Evangelho, nos aponta a vencer o temor e a ter uma postura de vida que nos permite conhecer a verdadeira vigilância cristã.

 

Evangelho: Lc 12,32-48

 

Neste domingo, com o Evangelho de Lucas vamos saborear alguns tópicos desta passagem bíblica. Olhemos o contexto de uma das frases do Evangelho: Não tenha medo, pequeno rebanho!

 

Lembremos que no momento que o Evangelho foi redigido a Igreja nascente situava-se no meio do Império Romano. Na comunidade primitiva sofreram perseguições, continuamente estavam expostos a serem rejeitados/as sob o peso das mentalidades socioculturais e religiosas desse Primeiro Século. A primeira questão que surge é que pouco mudou o contexto cultural, hoje há muitos temores na sociedade, na Igreja, na comunidade, na família em geral. Temos uma semelhança com a comunidade primitiva e ao mesmo tempo sabemos da força pascal das minorias, por isso sabendo-nos irmãos e irmãs de uma corrente da Ruah, vamos refletir e celebrar hoje a força do Evangelho na vida cotidiana.

 

Vejamos esta pequena frase do Evangelho: Não tenha medo pequeno rebanho, o Pai de vocês tem prazer em dar-lhes o Reino. O Pai tem prazer em comunicar-nos sua vida. Falar do prazer de Deus em tocar nossos temores, em libertar-nos. Vamos falar depois da vigilância, mas primeiro está o Deus que se compraz e que se alegra, até dizer o texto que Deus sentiu prazer em fazermos partícipes de seu Reino. O Deus que sentiu prazer em estar com o pequeno rebanho, e parece que conhece que o rebanho tem temores.

 

É verdade que todas as pessoas em algum momento da vida sentem temores, a criança necessita da segurança de sua mãe e de sua família; quando crescemos e temos propostas novas de vida, temos temores, incertezas, mas se ficamos no temor não conseguimos crescer, dar passos novos. Há temores que acompanham o crescimento pessoal, mas há temores que são infligidos pelas estruturas sociais, econômicas, religiosas, de gênero etc. Vamos tentar dar nome a alguns dos temores do rebanho e a escutar o grito de Deus nele:

 

Deus acompanha com alegria o crescimento da vida. Por isso fala não temas, porque encontro alegria e prazer em dar- vos o Reino. Que quer dizer que Deus nos dá o Reino? Quando sabemos que vivemos situações muito complexas e que o Reino ainda não está em plenitude. Sabermos que não estamos sozinhos/as faz a diferença, hoje conhecemos milhões de mulheres, homens, crianças que são migrantes e que caminham vencendo o medo, tentando sobreviver. Aqui temos um pequeno rebanho a quem Deus fala com insistência, grita pela vida dessas pessoas.

 

O papa Francisco também continua gritando para que os países acolham os migrantes e que possam encontrar um lugar onde repousar sua cabeça. Literalmente estamos vivendo estas situações que necessitam de uma nova governança.

 

Outro pequeno rebanho são os/as aposentados/as, o grupo de pessoas que trabalharam e aportaram pesados impostos e hoje vivem com o temor de não ter o necessário para o básico da vida. Sim, nessas situações de temor Deus nos convida a buscar outros caminhos e não sucumbir diante da desesperança que muitos governantes desejam implantar, uma espiritualidade com olhos abertos, não sucumbir diante de temores. Como sabemos, falamos da esperança que se constrói com a resistência e a sabedoria, pois Deus deseja nosso prazer, nossa vida digna. Viver com os "olhos abertos" nos encoraja a denunciar tudo aquilo que "vemos" que é contra a vida e dignidade das pessoas e do meio no qual vivemos. Trabalhar para mexer e mudar as estruturas que são de morte... Conseguimos vê-las? Podemos nos perguntar também: somos cristãos de olhos fechados para não ver tudo aquilo que acontece ao nosso redor?

 

Outro pequeno rebanho muito importante são as pessoas que sofreram de parte da Igreja diferentes abusos e que venceram os temores, falando, quebrando o silêncio institucionalizado. A essas pessoas Deus tem o prazer de dar-vos o Reino, elas/eles estão colaborando para que o Reino continue acontecendo. Agora podemos entender a importância da Vigilância cristã. Não é uma vigilância moralista ou de medo do fim do mundo, é uma vigilância da fidelidade à vida de Deus em nós, ao cuidado supremo do respeito e da dignidade de cada pessoa, da sacralidade do corpo em todas suas dimensões. Se não se olha a vigilância desde o cuidado da vida, não se entende o principal da vigilância cristã.

 

A vigilância da noite da libertação do Egito e a vigilância do Evangelho passam pela corporeidade das mulheres, das crianças, dos homens, do povo!

 

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