12 Abril 2019
Silvio Pedrosa
Estado, Milícia e Crime Organizado
Num ensaio famoso, o sociólogo americano Charles Tilly propôs pensar a guerra e o processo de formação dos estados como homólogos à dinâmica do crime organizado. Não como metafísica do estado (como em Hobbes), mas a partir da história concreta dos estados, o quê ele determina é o modo como os estados se formam vendendo aquilo mesmo que eles haviam retirado aos seus agora súditos ou cidadãos: segurança.
A notícia de que a milícia da Praça Seca agora cobra boletos mensais para moradores (variando a partir de cinquenta reais por andar) e comerciantes (variando entre cem e mil reais por mês) ilustra a justeza do argumento de Tilly, mas vai além: demonstra como mesmo em estados já existentes e funcionais, o crime organizado continua se articulando como e no estado (como é sabido, a milícia é sempre formado por agentes do estado ou que adquiriram seu treinamento de guerra em instituições do próprio estado).
Ontem, o ministro da defesa do governo Bolsonaro, o general Fernando Azevedo e Silva, declarou que as milícias haviam começado com "boa intenção", mas infelizmente se tornaram "bandos armados". É uma confissão bastante significativa. A "boa intenção" seria assumir uma função complementar ao estado, como se este último pudesse terceirizar a segurança da população, mas infelizmente os milicianos não pararam por aí e desejaram ser o estado, pois, como Tilly nos ensinou, eles, afinal, já eram.
O problema é que, contra as milícias, o discurso surrado sobre retomar territórios e a soberania do estado sobre eles (usado à exaustão contra as facções do tráfico) se choca com o fato bruto de que a milícia é uma fração do estado e luta por seus interesses por dentro das próprias instituições, vazando informações e mobilizando seus tentáculos para neutralizar a fração que, de dentro da máquina estatal, pretende o impossível: fazer o estado destruir a si próprio (ideia que curiosamente fez todas as experiências socialistas fracassarem ou então renunciarem a dar o passo além previsto no etapismo do marxismo vulgar).
Enquanto o estado funcionar como máquina de guerra contra os pobres, fuzilando carros por engano ou chacinando os matáveis nas periferias, a milícia continuará a ser sua figura mais avançada, aquela que revela o funcionamento do estado sem qualquer das mistificações (o "monopólio da violência legítima", diria Weber; ao quê sempre cabe responder perguntando pela produção da legitimidade) que dissimulam sua prática concreta.
Gustavo Gindre
O governo Lula deu um passo ousado ao propor uma TV pública no Brasil, nos moldes da BBC.
Um passo que, infelizmente, os próprios governos do PT não conseguiram concretizar totalmente, separando de fato o estatal do público.
Mesmo assim, a TV Brasil construiu uma história importante, especialmente a partir do seu corpo de servidores capazes e combativos.
Ontem Bolsonaro decretou a fusão entre a programação da TV Brasil e a da NBR (a emissora oficial do Poder Executivo).
Na prática é a morte da TV Brasil, que passa a ser o canal oficial do governo. Ao invés de uma TV pública, teremos uma Voz do Brasil 24 horas no ar.
André Aroeira
O ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, esteve ontem em sabatina na comissão de meio ambiente e desenvolvimento sustentável da câmara dos deputados. Você provavelmente não ouviu notícias sobre isso por um motivo bem simples: ninguém conseguiu colocar uma mísera casca de banana pro cara.
É incrível: 512 deputados na casa e nenhum deles é capaz de derrubar a pose de liberalzinho hipster intelectual do cara que está há 3 meses passando vergonha à frente do ministério com recuos, discursos contraditórios e ignorância incorrigível. Salles já mostrou que não conhece o Ibama, os métodos de monitoramento por satélite em vigência, a logística e o custo de fiscalização em um país continental, o fluxo de dinheiro privado externo que financia ações de proteção ambiental no país, o acordo de Paris, os programas de conversão de multas, os números do desmatamento da Amazônia e do Cerrado, e por aí vai. O básico do básico! Saiu de peito estufado e aclamado pelos governistas como "não-ideológico" e "técnico" o sujeito que foi capaz de se lançar candidato usando como número um calibre de munição - que ele insinuava que usaria contra o MST, os comunistas e o javaporco.
Frustrou-se quem esperava um vexame como os que sujaram a imagem de Ernesto Araújo e Tereza Cristina e derrubaram Vélez Rodrigues. Afinal, essas sabatinas só servem pra isso: ou o ministro é pego de calça curta em vídeos de 3 minutos que se tornam virais, ou ninguém sabe que ele esteve lá.
E, neste governo em especial, não passar vexames homéricos já vem se tornando um diferencial. Salles vinha sendo apontado por Bolsonaro como um dos que tem atuação destacada ao lado de Moro, Guedes e Tarcísio e agora ganha mais alguma moral com o chefe para seguir seu paciente trabalho de desconstrução de políticas ambientais, estrangulamento da fiscalização e desmoralização das autarquias e servidores - que, na ponta, inevitavelmente levam a morte, crimes, destruição e violência. Também entre as prioridades do novo ministério, a eliminação de fontes alternativas de receita que, independentes da dotação orçamentária, têm sido a única coisa que mantém de pé as unidades de conservação e a já precária proteção ambiental na Amazônia.
E amanhã parece que lá vem mais um pacotinho de atrocidades ambientais do agora energizado ministro do 1/2 ambiente. É surreal e é vexatório que a próxima leva de bombas a explodir no MMA venha impulsionada pelos tapinhas nas costas conquistados em cima de dezenas de detentores de mandatos de Brasília, incapazes que são de fazer frente a um completo idiota como Ricardo Salles.
Adriano Pilatti
Se o céu é "de brigadeiro", por que o mar está "revolto"? Vulcão submerso, celacanto, maremoto? É inútil buscar lógica, racionalidade, bom senso, onde declaradamente não os há, claro. Mas felizmente o distinto público parece ser, por ampla maioria e apesar dos obstáculos, bem menos confuso.
A pesquisa do Datafolha publicada hoje demonstra que as propostas mais irracionais, demagógicas e violentas do capitão da reserva e do inquisidor realocado, relativas ao armamento geral e à violência de Estado, são reprovadas por índices que variam de três a quatro quintos dos entrevistados. Apesar de toda a "doutrinação" que necrófilos recém-eleitos, baixa mídia, vendilhões de templos e autodeclarados "humanos direitos" estão realizando há décadas. Com os solícitos subsídios das indústrias da morte.
Isso indica que há amplo espaço para a interlocução com as pessoas "comuns", que há mais gente razoável do que as redes antissociais parecem demonstrar, que é possível mobilizar as atenções para os aspectos destrutivos (e as prováveis consequências nefastas) das iniciativas e propostas governamentais neste e em todos, todos os setores da atuação pública - e privada. Reaprender a entabular com eficácia esses diálogos é o mais premente desafio intelectual de todos que nos opomos aos impulsos de morte e destruição das hordas dominantes. Trabalho árduo, mas não impossível.
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Tomo a liberdade de recompartilhar link para entrevista recente em que abordei os problemas centrais do caricato projeto "anticrime".
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