14 Novembro 2018
“Deduzir do Concílio de Trento que os padres pedófilos precisam continuar sendo padres por toda a sua vida não está definido pela Igreja em parte alguma”, afirma José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado em seu blog Teología Sin Censura, 11-11-2018. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Este problema, que tanto dano provoca nas vítimas para toda a sua vida e que tanto está destroçando a credibilidade da Igreja, não se revolve suprimindo a lei do celibato. Os homens casados abusam sexualmente de menores provavelmente o mesmo que solteiros.
Uma medida positiva poderia ser suprimir a prescrição, no direito penal, para este crime. Consta-me que os menores, que se sentem humilhados por tais tipos de abusos, demoram muitos anos para se abrirem. E na maioria dos casos, quando um adulto diz que quando criança abusaram dele nesta matéria, o crime já prescreveu. Se vier o dia em que penalmente este nunca prescreva, possivelmente haverá aqueles que irão se conter diante da probabilidade de acabar, em algum momento, na prisão.
Contudo, o importante que quero dizer nesta reflexão é que a Igreja precisaria recuperar e atualizar o que foi a lei eclesiástica que durou em torno de 1.200 anos. A lei que consistia em expulsar do clero (até mesmo se fossem bispos) os eclesiásticos que cometiam abusos que escandalizavam gravemente os cidadãos. Os papas, os concílios, os sínodos, tanto na Igreja ocidental como na oriental, não só insistiram nesta lei, como também a aplicaram a três tipos de crimes: faltas contra o ordenamento eclesiástico estabelecido, contra a sexualidade e abusos que ofendiam ao próximo.
Muitas vezes e em muitos casos, repetiu-se esta prática, que a lei coalhou em uma fórmula bem conhecida: “seja degradado ou expulso” (e outras expressões equivalentes) e que viva, de agora em diante, laica communione contentus. Dito mais claramente: “que saia do clero, que comungue como leigo, e que busque a vida como qualquer pessoa”.
Em 1983, publiquei um extenso artigo sobre este assunto na Revista Catalã de Teologia (VIII/1, págs. 81-111). E ali cito, em 277 notas, a abundante e documentada bibliografia que existe sobre este penoso assunto. São notórios os excelentes trabalhos que escreveram sobre este tema: C. Vogel, P. M. Suriski, E. Herman, P. Hinschius, F. Kober, K. Hofmann.
O ponto capital que quero destacar é que o argumento segundo o qual se está “ordenado sacerdote”, tem o “caráter” sacramental, que é inapagável, eterno e ninguém pode suprimir ou prescindir dele, não deve ser empecilho “para retirar o sacerdócio” de um clérigo ordenado.
O argumento teológico do “caráter sacramental” foi uma invenção dos teólogos escolásticos do s. XI-XII, que Pedro Lombardo destaca, e no s. XIII Tomás de Aquino (Sum. Theol. III, q. 34, a. 2) desenvolve. Mas, nem entre os teólogos escolásticos houve unanimidade, conforme demonstrou amplamente o excelente estudo de J. Galot.
E termino recordando que o ensino das Ses. 7ª do Concílio de Trento não pode ser dado como “dogma de fé” da Igreja, já que aquilo que o concílio afirma é que há três sacramentos (batismo, confirmação, ordem sacramental) que não podem se repetir (Unde ea iterari non possunt) (CT, vol. 5, 857, 9-10; 859, 16).
Ou seja, o que Trento afirma é que os três sacramentos mencionados só podem ser administrados uma só vez na vida. Deduzir de Trento que os padres pedófilos precisam continuar sendo padres por toda a sua vida não está definido pela Igreja em parte alguma.
E termino: dizer, como disse o Sr. Giménez Barriocanal (El País, 10, XI. 18), que é “irrelevante a porcentagem de pedofilia, insignificante”, isso ou é uma falsidade ou uma ignorância imprópria de um algo cargo na Conferência Episcopal.
Posso assegurar que só o amor e a fidelidade à Igreja me movem ao dizer estas coisas. O ocultamento e a hipocrisia só servem para provocar mais dano à instituição e a seres humanos inocentes.
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Padres pedófilos. Uma solução radical? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU