13 Novembro 2018
Faustino Teixeira
Li com carinho a entrevista de Marco Lucchesi concedida ao Jornal de Literatura Rascunho n. 223, de novembro de 2018. Foi um presente que recebi da amiga querida Lygia Toledo.
Marco, como sempre, brilhante nas suas reflexões. Perguntado sobre as circunstâncias ideais para escrever, respondeu:
"Preciso de silêncio e de abandono. Como um exílio momentâneo. Ouvir o abismo, depois da longa sensação da rua e do universo. Preciso ver estrelas, com meu telescópio. Preciso ficar dias a fio sem palavra"
É esse o Marco, um peregrino do Mistério, mas sempre colado na dinâmica do real. E diante dele, o "agora absoluto e voraz".
Dizia Gil numa canção que o "melhor lugar do mundo é aqui". Isto também vale para Lucchesi. Um poeta que se deixa trabalhar pelo tempo: "A matéria que se faz energia e a energia que se faz matéria", diz em outra resposta.
Relata quer o inimigo maior que ronda o escritor é "a espessura do ego". Tem razão. O poeta precisa se desfazer dos esquemas enrijecidos, dos padrões determinados. É alguém que precisa largar-se, deixar-ser, tendo como tirante a "vocação essencial" e a "voz profunda".
Sim, dali daquele fundo, daquele "pontinho de nada" é que brota, inoportunamente, a inspiração. Tudo movido pela "batida do coração e a métrica de seu teatro de sombras". Sublinha, lembrando do pássaro Simurgh, que "na subjetividade habita a nossa liderança ainda que precária e inatingível".
A inspiração brota de caminhos inesperados: "das ruínas de Beirute. De uma visita a Canudos (...) de uma cerimônia do chá". E mesmo quando ela, a inspiração, falha, busca outros caminhos, aguarda o momento oportuno. Diz ele: "Recorro ao piano, horas e horas tocando. Ou simplesmente me abandono ao silêncio ao ponto de afogar-me. Horas penosas. Descidas profundas. E de repente um princípio obsessivo de aurora. Nietzschiana".
Diz que aquilo que lhe provoca maior temor hoje é "a iminência do protofascismo". Diante do risco, a presença de medo e energia, que se somam para conjugar a resistência.
Não há obrigações para a literatura, diz com razão Lucchesi. Ela não pode "se obrigar a coisa alguma". Ela é livre, terna e gratuita. Uma criação que requer sempre "vigilância".
Sobre suas esperança na eternidade, responde com humildade: "Aquilo que não sei, entre o volume do nada e a bolha de espuma da esperança".
Grande Marco!!!
Alceu Castilho
Deputado mais votado da história do Brasil, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) diz hoje ao Estadão: "Qual o problema de prender 100 mil sem-terra?"
Que ele chama cinicamente de "invasores". Referindo-se a ocupações políticas do MST - que não são um crime. Ocupações de terras invadidas, públicas, ou que não cumprem função social, no caso urbano prédios abandonados ou que não pagam IPTU.
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Não vou nem falar dos defensores desse tipo de coisa, evidentemente tão fascistas quanto esse fascista.
Mas das pessoas que estão caudalosamente abandonando as redes sociais, ou esta rede social. Abandonar por quê? Contra quem? Contra nós mesmos? Contra o mínimo de debate e compartilhamento de informações que podemos travar no nosso campo político?
Com medo de quê? De quem? A favor de quem? (Como se estivéssemos por aqui construindo aparelhos e pegando em armas...)
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E vou falar também dos que caíram nesse conto de que não é para reproduzir as barbaridades que esses fascistas dizem. Porque isto, aquilo, porque não podemos dar munição ao inimigo, para que Bolsonaro não chegue ao Twitter e lacre etc.
Ora, francamente. É justamente o momento de disputarmos o debate público. Contra essa avalanche fascista, contra essas manipulações, o autoritarismo. Em comunicação é assim: se a gente não diz, não ocupa, eles dizem e ocupam - para não dizer invadem.
O campo democrático precisa entender mais de comunicação. Dizer menos bobagens. Apoiar as iniciativas de quem disputa os discursos. E não esconder coletivamente nossas cabeças embaixo da terra, como se fôssemos avestruzes.
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A disputa é pela democracia e por um mínimo de humanidade. Não podemos abdicar da nossa voz. E da disputa por direitos. Muitos entre os excluídos precisam de nosso apoio. E simplesmente não é razoável - não é solidário - deixar o bicho pegar sem nos posicionarmos.
Não é o momento de sermos omissos.
Roberto Andrés
A pedido do Nexo, fiz essa lista de 5 livros sobre como chegamos até aqui. Tem a análise da política na Nova República pelo Marcos Nobre; a economia brasileira nos anos Lula, Dilma e Temer pela Laura Carvalho; o período entre as jornadas de 2013 e o Impeachment pelo Bruno Cava Rodrigues; a crise urbana brasileira pela Erminia Maricato e a busca pela compreensão do populismo pelo jornalista americano John Judis.
Tomara que ajude a escolher presentes de Natal.
Silvio Pedrosa
Boa lista (de Roberto Andrés). Eu, particularmente, entendo que não há chance de entendermos como chegamos até aqui sem uma compreensão da questão da violência urbana/segurança pública/guerra. Acrescentaria à lista leituras sobre o assunto.
Cid Benjamin
“A pauta não pode mais ser o Lula Livre”, diz Marcelo Freixo
Entrevista a Thiago Prado do Globo de hoje (12/11/208)
Deputado eleito pelo PSOL do Rio diz que soltura do ex-presidente não unifica a esquerda e que é preciso olhar para evangélicos e debate na segurança pública.
Decidi procurar o deputado federal eleito Marcelo Freixo, do PSOL, após ler na última terça-feira, uma entrevista do petista histórico e ex-ministro Gilberto Carvalho ao site da BBC Brasil. Estão lá todos os elementos que revelam a dificuldade que a esquerda terá para virar a página da derrota para Jair Bolsonaro neste ano. Destaco duas frases de Carvalho:
"Então, para nós é muito importante retomar a denúncia de que o Lula foi preso para não ganhar a eleição. Vamos relançar agora a campanha 'Lula livre'", disse o ex-ministro, para depois concluir: "Esse antipetismo que surgiu aí, que para mim é uma pena que voa, é um antipetismo baseado na mentira. Mentira de que nós iríamos ‘venezuelizar’ o país, a mentira de ter um kit gay contra família, toda essa multidão de fake news que não permanece".
Para Freixo, é evidente que o PT ainda tem ativos para seguir relevante na política nacional. Elegeu a maior bancada da Câmara e será o partido com mais governadores do Brasil. Ressalto aqui ainda que seu candidato Fernando Haddad alcançou 47 milhões de votos para presidente. No entanto, restringir o repertório a pedir a soltura de Lula, atacar a operação Lava-Jato e dizer que Bolsonaro se elegeu apenas por causa da guerra suja na internet é não entender o que aconteceu no Brasil em 2018.
O psolista chegará a Brasília no ano que vem após um longo período como deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio. Neste ano, foi o segundo mais votado no estado para deputado federal, perdendo para Hélio Negão (PSL), ou Hélio Bolsonaro, que usou no Rio o mesmo número do filho do presidente eleito, Eduardo, parlamentar mais votado de São Paulo. Abaixo alguns trechos da conversa:
Bolsonaro teve apoio maciço entre lideranças e eleitores evangélicos. Por que a esquerda tem dificuldades de entrar nesse segmento?
Não tem como ter um projeto popular se não envolvermos os evangélicos. Eles já são 30% da nossa sociedade. É preciso fazer uma reflexão importante. Nos anos 80, três pilares ajudaram a construir o PT. Sindicatos, universidades e um setor progressista na igreja muito forte que formava a Teologia da Libertação. Hoje, as universidades se fecharam e vivem crise de identidade. Os sindicatos estão mais frágeis com a precarização do trabalho, nem greve no setor privado existe mais. O setor evangélico foi crescendo com uma pauta de costumes muito diferente da teologia da libertação e se consolidou. A esquerda criou uma pauta identitária importante para setores como gays e mulheres, mas sem voz em setores populares.
Em entrevista ao Globo neste ano, Ciro Gomes fez exatamente essa crítica à esquerda...
Não acho que seja por isso que a esquerda vá ganhar ou perder. Só que, nesse sentido, o Ciro tem alguma razão. Esse tipo de pauta é importante, mas não pode levar a esquerda para um gueto que não dialoga com a população. A esquerda precisa entender que vai precisar fazer uma disputa entre os evangélicos, esse setor não é necessariamente reacionário. Temos que achar lideranças progressistas no meio para debater outros temas. Estou encontrando várias para o PSOL.
Na área da segurança pública, a esquerda também não falha na apresentação de propostas para combater a criminalidade?
Sim, a esquerda errou ao se empenhar apenas nos debates sobre reforma agrária, educação e saúde. Não houve dedicação ao tema segurança pública mesmo com o crescimento da população carcerária e o aumento da violência policial. A esquerda não fez esse movimento e parece que vivemos ainda na década de 80. O mundo tornou-se mais urbano, as contradições das cidades ficaram mais agudas e sequer apresentamos intimidade para falar do tema. Não temos propostas para os 62 mil homicídios por ano do Brasil. Demos para a direita a possibilidade de diálogo com a principal pauta que gera medo nas pessoas. Outra coisa: não enxergamos o policial como um agente trabalhador. E ele é trabalhador, assim como qualquer outro.
Qual deve ser a prioridade da esquerda em 2019?
Essa nova esquerda que vai surgir terá inevitavelmente uma pauta reativa a partir do governo Bolsonaro. Isso vai acontecer naturalmente. Com reforma da previdência ou as mudanças na carteira de trabalho, teremos agenda em sintonia com os movimentos sociais. E aí vamos ter uma unificação do nosso campo como há muito não tínhamos. Isso vai empurrar a esquerda para uma rearrumação. A dificuldade será de fazer a agenda que não é reativa.
Como assim?
Vamos ter que ser propositivos também, mas a pauta não pode ser mais o ‘Lula Livre’. Isso não vai unificar a esquerda. Até porque a frente que tem que se construir hoje é democrática. Mais do que uma frente de esquerda. Tem um setor do PSDB, por exemplo, que se recusa a acompanhar o João Doria e não irá para o colo do Bolsonaro. É nesse ponto que acho que o Ciro Gomes sai fragilizado do processo eleitoral.
Por quê?
Ele sai muito chamuscado pela incapacidade de pensar no país. Olhou apenas para a sua trajetória futura. Enfrentar a hegemonia do PT, como ele quer, não significa deixar o partido de fora de uma resistência ao fascismo do Bolsonaro. Não tem cabimento, o PT elegeu mais deputados que o PSL. Imaginar que o Ciro vai fazer uma oposição com a Marina sem o PT não dialoga com o mundo real. Até porque a Rede só elegeu um deputado. Isso não vai acontecer na realidade das ruas. Quem tem movimento de rua é o PSOL e o PT, não o PDT.
Mas o PSOL do Rio não é muito ‘Zona Sul’ e pouco povo?
Em 2016, de cada dez votos que tive, cinco foram na Zona Norte, três na Zona Oeste e dois na Zona Sul. Neste ano, meu voto repetiu a lógica. Tive 48% de eleitores na Zona Norte, 37% na Oeste e o resto no Centro e Zona Sul. Isso está mudando.
Thiago Prado é editor-adjunto de País de O Globo. Trabalhou na revista Veja (2010-2018) e no jornal O Dia (2006-2010)
Idelber Avelar
Passou despercebido na imprensa, mas a informação é pública. Salvo engano, Bolsonaro é o primeiro Presidente que, como parlamentar, pode apresentar emendas a um orçamento que ele vai gerenciar no ano seguinte. Paulo Guedes não sabia que sexta-feira atrasada era o último dia para mexer no orçamento com o qual ele mesmo vai lidar, mas - sei lá se informado pela própria gafe de Guedes - o parlamentar Bolsonaro voltou e apresentou suas próprias emendas ao orçamento de 2019.
Sempre lembrando que "orçamento", no Brasil, significa 9% do dinheiro que tem para gastar, porque 91% está contingenciado em despesas tornadas obrigatórias por lei, tanto constitucional como infra-constitucional. Em todo caso, achei que seria interessante deixar com vocês um PDF das emendas que o deputado Bolsonaro resolveu apresentar e confirmar para o orçamento a ser gerido pelo presidente Bolsonaro. Está público no meu Google Docs. Dá para comparar, inclusive, com as emendas semelhantes que ele apresentou ao orçamento anterior, o feito em 2017 para 2018.
Não há nada escandaloso nem bombástico no documento deste ano, mas mostra o parlamentar Bolsonaro pelo que ele sempre foi: um representante dos interesses corporativos dos militares, uma espécie de moleque de recados do patrimonialismo que avança nos nacos possíveis de orçamento - aqui no caso, o 1,2% da Receita Líquida Corrente a que os deputados têm acesso via emendas - para assegurar o equipamento tal na base naval tal ou a verba de formação de cadetes na escola qual. Nenhum pensamento de país, de gerenciamento geral do orçamento, se faz notar ali.
Sim, o sistema de emendas no orçamento brasileiro é mais ou menos esse patrimonialismo aí mesmo, só que no caso de Bolsonaro, isso foi verdadeiro até o paroxismo. O primeiro parlamentar que virou presidente eleito é alguém que, como parlamentar, somente tinha atuado como ator corporativo, só tinha se pautado por mesquinharia de casta mesmo.
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