Enquanto começa o sínodo dos bispos, mulheres católicas dizem: “Queremos incomodar!”

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03 Outubro 2018

À medida que as mulheres ao redor do mundo tentam quebrar tetos de vidro, alimentadas pelo movimento #Metoo, algumas mulheres católicas - cansadas de não serem ouvidas - ficariam felizes só de entrar na Porta Santa.

A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, 02-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.

“Nós mulheres também temos [contribuído com] o pecado do clericalismo. Nós também entramos na mentalidade da Igreja”, disse Lucetta Scaraffia, editora-chefe da Donna Chiesa Mondo, uma revista focada em assuntos femininos e ligada ao canal de notícias do Vaticano L’Osservatore Romano.

“Nós nos colocamos do lado de fora de uma porta que nos excluía e pedimos que ela fosse aberta”, acrescentou ela.

Scaraffia fez seus comentários no Simpósio “Catholic Women Speak” (Mulheres Católicas Falam), realizado em 01 de outubro na Universidade Antonianum, em Roma.

Ninguém julgaria Scaraffia como integrante da facção de “ódio contra o sistema” do movimento de mulheres na Igreja, tendo escolhido trabalhar dentro das instituições católicas, mas no evento ela admitiu seu próprio viés em reconhecer quando as mulheres são excluídas do debate.

Foi a filha de Scaraffia que apontou que apenas homens estavam entrando na Porta Santa durante a altamente televisionada inauguração do Jubileu Extraordinário da Misericórdia em dezembro de 2015.

“O machismo e o ponto de vista patriarcal” é tão forte, disse Scaraffia, que a cegou para essa deturpação tão evidente.

“Estou liderando uma guerra contra o patriarcado da Igreja”, disse ela. “Por que não nos tornamos um incômodo em todos os lugares onde as mulheres não estão presentes?”

Scaraffia então listou os muitos exemplos de lugares dentro de instituições católicas onde as mulheres não têm voz, desde o pacto dos nove cardeais de confiança do Papa Francisco (também conhecido como C9) até o nível paroquial.

Ela apontou para o que ela percebe como a “maior crise desde a Reforma” na Igreja Católica, impulsionada por escândalos econômicos e de abuso sexual. Mas Scaraffia também apontou para “uma desintegração de dentro”, com a credibilidade católica despencando à medida que seus membros de alto escalão deixam de ser responsabilizados por transgressões.

“Nós mulheres também falhamos recentemente”, disse ela. “Muitas mulheres, muitas mães, sabiam dos casos de abuso na Igreja. Houve milhares de circunstâncias em que as mulheres mostraram solidariedade com o clericalismo”.

“Há milhares de ocasiões em que as mulheres devem levantar suas vozes em oposição quando as mulheres são excluídas, não por questões dogmáticas ou pela lei canônica, mas por causa da tradição e do hábito”, acrescentou.

Scaraffia fez seus comentários diante de um afresco representando a Virgem Maria no alto de um trono dourado. Abaixo dela, padres com cabeças tonsuradas e hábitos sombrios se ajoelham, sem que haja uma auréola tão alta quanto a que circunda a cabeça da Mãe de Deus.

As painelistas femininas, no entanto, denunciaram uma situação na Igreja de hoje que não poderia estar mais distante daquela representação artística de Maria.

Scaraffia apontou para o fato de que, enquanto a mídia e a atenção global têm se concentrado no abuso sexual de menores, a questão das mulheres - tanto leigas quanto religiosas - sendo estupradas e abusadas por seus bispos foi amplamente ignorada.

“As mulheres não existem mais”, disse a editora, que em março do ano passado publicou um relatório detalhando os casos em que as religiosas são prejudicadas, assediadas e sexualmente abusadas pelo clero masculino.

Um caso recente na Índia, onde uma madre superiora se apresentou para denunciar seu bispo por estuprá-la 13 vezes ao longo de dois anos, é apenas um dos muitos exemplos, disse Scaraffia, apontando para o próximo horizonte nos escândalos de abuso sexual clerical.

“Há uma cultura de silêncio quando se trata de abuso sexual”, disse a cientista indiana Astrid Lobo Gajiwala, que trabalhou como consultora para a conferência episcopal indiana.

Gajiwala disse que, enquanto muitos bispos e a opinião pública se uniram para defender a causa da freira, o evento destaca “o poder dos bispos, que são capazes de usar todos os recursos da Igreja para sua própria agenda pessoal”.

Ela também apontou para como, na Índia, a minoria local está dividida sobre como abordar o abuso em uma “sociedade potencialmente hostil”, com um lado promovendo uma Igreja profética que responsabiliza os bispos, e o outro apoiando uma frente unida, mas algumas vezes cúmplice.

Ressaltando a dimensão global da questão do abuso contra as mulheres, a teóloga sul-africana Nontando Hadebe chamou a atenção para realidades frequentemente ignoradas em seu continente.

“No contexto africano, a questão das irmãs religiosas e leigas sendo abusadas está prestes a explodir”, disse Hadebe, denunciando “a irmandade tóxica da solidariedade” que estimula o clero masculino a se proteger e encobrir um ao outro.

“Há algo de monstruoso acontecendo”, continuou a professora do St. Augustine College, em Johanesburgo, dizendo que a crise dos abusos sexuais permitiu que muitos “olhassem para o abismo” da Igreja Católica.

Assim como a Igreja Católica foi uma voz forte durante a era do apartheid, acrescentou ela, é preciso que ela coloque o debate de lado e aproveite esse momento crucial.

“Precisamos dizer que isso não somos nós, não é em nosso nome. Usem todas as hashtags”, disse ela. “Não podemos mais continuar com esse tipo de estrutura”.

Mulheres de todo o mundo no evento denunciaram a falta de responsabilização para os bispos e outros prelados do alto escalão.

“A Igreja Católica americana tem uma ‘bro-culture’ [espécie de cultura da camaradagem, nde] mais forte do que qualquer fraternidade”, disse Celia Wexler, autora e jornalista dos Estados Unidos.

A jornalista irlandesa e ativista LGBTQI Ursula Halligan concordou, relatando o impacto dramático que os escândalos sexuais da década de 90 na Igreja tiveram sobre o povo irlandês. No entanto, assim como 75% de seus compatriotas, Halligan não deixou a fé católica.

“Eu decidi ficar, mas não permanecer quieta”, disse ela.

A sobrevivente irlandesa Marie Collins, muito antes de a carta de 11 páginas do arcebispo italiano Carlo Maria Viganò denunciar os abusos sexuais e o encobrimento dentro do Vaticano, pedia a responsabilização dos bispos enquanto servia no Pontifício Conselho para a Proteção de Menores.

Durante o voo papal de volta da Irlanda, em agosto, o Papa Francisco elogiou Collins por sua defesa e testemunho pelos sobreviventes de abuso sexual, mas acrescentou de maneira controversa “que ela está um pouco obcecada” com essas questões.

“Você sabe com o que Collins está obcecada? O fato de que não existe instituição para denunciar os bispos”, disse Scaraffia.

“Os bispos da Igreja Católica são intocáveis”, acrescentou ela.

As mulheres do simpósio expressaram solidariedade com Collins e apontaram para a reunião dos bispos de outubro sobre a juventude e o discernimento como um momento crucial para fazer suas vozes serem ouvidas no Vaticano.

“É um dever indesejado, porque podemos nos tornar irritantes”, disse Scaraffia. “Sejamos um incômodo, por favor. Aumentar nossas vozes é a única maneira de as mulheres mudarem as coisas”.

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