As incógnitas sobre o futuro das Igrejas ortodoxas. Artigo de Andrea Riccardi

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19 Setembro 2018

“O século XXI, marcado por uma globalização unificante, também é marcado por divisões entre cristãos.”

A opinião é do historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 17-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Enquanto no Ocidente o cristianismo é abalado pelos escândalos de pedofilia do clero e pelo debate sobre soberanismos e a questão dos migrantes, no Oriente está se consumando um “cisma” entre os ortodoxos russos (150 milhões dos 300 milhões ortodoxos) e o Patriarcado de Constantinopla, o Fanar, primeira sede da ortodoxia.

Em uma época ecumênica, os cismas pareciam ter sido arquivados; mas o choque é realmente grave, porque está em jogo o destino da Ortodoxia na Ucrânia. Não se deve esquecer que a crise política na Ucrânia, em 2013, começou por causa do acordo aduaneiro e comercial com a União Europeia, portanto, um deslocamento do país para o Ocidente.

Hoje, o cristianismo na Ucrânia, o maior no Oriente depois do russo, está muito dividido. Além dos greco-católicos (eles têm o mesmo rito que os ortodoxos, mas estão unidos a Roma), existem nada menos do que três Igrejas ortodoxas com a mesma liturgia: a ucraniana unida ao Patriarcado de Moscou com 12.000 paróquias e 200 mosteiros; a autocéfala, reconstruída em 1990 sobre a onda do despertar nacional, com 1.167 paróquias; o chamado Patriarcado de Kiev, ligado à pessoa de Filaret, homem do regime soviético, depois excomungado por Moscou (com 5.167 paróquias).

As Igrejas ortodoxas e Constantinopla, até agora, só reconheceram como canônica a Igreja Ucraniana ligada a Moscou.

Os ortodoxos pró-russos parecem majoritários, mas, nos últimos tempos de intenso nacionalismo e de guerra no Donbass, não faltaram ações difamatórias contra eles como “agentes de Moscou” e deslocamentos de fiéis. Muitos ucranianos, porém, sentem-se ligados ao patriarcado russo; outros reivindicam uma Igreja nacional e autocéfala, a partir do fato de que a Ucrânia já é independente.

Recentemente, o presidente ucraniano, Poroshenko (aliás, um fiel da Igreja russa), dirigiu-se ao Fanar, em Istambul, e pediu ao Patriarca Bartolomeu a autocefalia – a independência – para a Ortodoxia ucraniana. O Parlamento ucraniano também votou nesse sentido. Essa é também a orientação das duas Igrejas ucranianas não ligadas a Moscou. Poroshenko declarou: “Como no caso da adesão à Otan e à União Europeia, não vamos pedir permissão para Vladimir Putin e Kirill”.

O Patriarcado de Moscou, liderado por Kirill, reiterou que a única Igreja ortodoxa na Ucrânia é aquela ligada à Moscou (que já deu uma forte autonomia para os seus fiéis ucranianos). As relações de Moscou com Bartolomeu não são simples, especialmente após a recusa dos russos a participar no Concílio Pan-ortodoxo de Creta em 2016, pelo qual Constantinopla prezava muito.

No dia 31 de agosto, porém, o patriarca Kirill, com um gesto de abertura, dirigiu-se ao encontro de Bartolomeu, em Istambul. Parecia uma reviravolta. Bartolomeu, por sua vez, está convencido de que desempenha um papel na reunificação ortodoxa na Ucrânia. Ele já acolheu na sua jurisdição os ucranianos ortodoxos dos Estados Unidos e do Canadá.

Kirill está firmemente decidido a evitar uma mutilação de uma parte histórica de sua Igreja.

Bartolomeu, após a visita de Kirill, nomeou dois exarcas (representantes) na Ucrânia para reunificar os ortodoxos e ir rumo à autocefalia. Uma intervenção direta dele na Ucrânia, para Moscou, é uma ação indevida no seu território canônico russo. O Patriarcado de Moscou foi direto: “A responsabilidade por tais atos anticanônicos deve ser totalmente atribuída pessoalmente ao Patriarca Bartolomeu”.

O Fanar fez valor um motivo histórico: em 1686, quando a Igreja Ucraniana passou de Constantinopla para Moscou, teria se tratado de um fato temporário. Moscou não aceita a reconstrução e lembra como a história uniu russos e ucranianos. Parecem discussões “bizantinas”, mas uma grave tensão está se somando à crise ucraniana.

Para Moscou, a escolha de Bartolomeu “ameaça um cisma com a Ortodoxia universal”. As Igrejas ortodoxas do mundo se dividirão. Os sérvios já estão com Moscou. Entre outras coisas, eles temem que, também na Macedônia (após os acordos entre esta e a Grécia), possa ser reconhecida uma Igreja autocéfala.

Podemos nos perguntar se Putin, tão atento à Ortodoxia, e Erdogan, em cujo território se encontra o Patriarcado de Constantinopla, eventualmente vão interagir sobre a questão religiosa ucraniana. Mesmo que agora a Síria esteja dividindo os dois líderes.

Uma mediação do Papa Francisco não está no horizonte, até porque ele sempre se absteve de interferir nos problemas entre ortodoxos, convencido de que eles têm uma lógica própria. O que é certo é que o século XXI, marcado por uma globalização unificante, também é marcado por divisões entre cristãos.

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