Morlino e outros bispos culpam 'subcultura homossexual' por crise de abusos no clero

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23 Agosto 2018

Acusações de abuso sexual e má conduta do ex-cardeal Theodore McCarrick e em vários seminários dos EUA voltaram a materializar antigas condenações, colocando a homossexualidade e os padres gays na base da crescente crise da Igreja, segundo a opinião apoiada por vários bispos recentemente.

A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 22-08-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

"É hora de admitir que há uma subcultura homossexual dentro da hierarquia da Igreja Católica que está causando grande devastação na vinha do Senhor", declarou o bispo Robert Morlino na carta escrita no dia 18 de agosto para os católicos da Diocese de Madison, em Wisconsin.

Segundo Morlino, as revelações em torno de casos de abuso sexual nas últimas semanas — do relatório da Suprema Corte da Pensilvânia e acusações contra McCarrick, como aliciamento e abuso sexual de seminaristas e jovens sacerdotes — o deixaram cansado: "de as pessoas serem feridas... de ofuscarem a verdade... do pecado".

Ele sugeriu que há uma crise mais profunda de aceitação e uma diminuição do pecado, dizendo que "nós nos recusamos a chamar o pecado de pecado", e pediu que a Igreja não se tornasse um refúgio para o pecado, como atos "sexuais inadequados — quase exclusivamente homossexuais — cometidos por clérigos".

"Estão falando de atos e ações que não apenas violam as promessas sagradas feitas por alguns, ou seja, são um sacrilégio, mas também violam a lei moral natural de todos. Considerar como qualquer outra coisa seria enganar-se e só levaria a negligenciar ainda mais o problema", disse Morlino.

Ele acrescentou: "Há um grande esforço para manter a separação entre o que se classifica como atos homossexuais que hoje são aceitos culturalmente de atos publicamente deploráveis de pedofilia. Isso quer dizer que até pouco tempo atrás os problemas da igreja eram colocados puramente como problemas de pedofilia — apesar da clara evidência em contrário. É hora de admitir que há ambos os problemas, além de outros mais".

De acordo com um estudo da John Jay College of Criminal, publicado em 2011 e encomendado pela Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, não há nenhuma correlação entre identidade homossexual e abuso sexual de menores, ou que os sacerdotes homossexuais eram mais propensos a cometer abusos de menores do que os heterossexuais — resultados consistentes com os de outros estudos. O estudo também sugere que o período de redução no número de incidentes de abuso sexual por parte de sacerdotes está alinhado com o período em que vários gays entraram nos seminários, que começava no fim dos anos 70 e ia até os anos 80.

O estudo também indicou a imprecisão da ideia dos abusadores como "padres pedófilos", já que menos de 5% dos padres acusados de abuso demonstravam comportamento relacionado a pedofilia, e a maioria das vítimas avaliadas no relatório era menores que estavam na puberdade ou estavam saindo dessa fase.

Além disso, na carta, Morlino acrescenta que a doutrina da Igreja não considera pecaminosa a inclinação homossexual em si, "mas intrinsecamente desordenado de modo a impossibilitar qualquer homem estável atingido de ser padre".

Ele pediu a todos de sua diocese, bem como seminaristas e sacerdotes, para alertá-lo sobre qualquer abuso ou "comportamento não casto" cometido por membros do clero. Planejou, ainda, uma missa pública de reparação para o dia 14 de setembro, "por todos os pecados da depravação sexual cometidos por membros do clero e do Episcopado".

A declaração de Morlino, juntamente com outras declarações similares de pelo menos outros dois bispos, destacam-se de outras de dezenas de colegas que concentraram suas observações em pedidos de desculpas e chamados por ações concretas. Eles seguem uma série de publicações de sites católicos conservadores das últimas semanas, bem como da Igreja Militante, do Instituto de Lepanto e do LifeSiteNews, na tentativa de vincular o escândalo de abuso sexual do clero aos sacerdotes gays e pedir que sejam excluídos da Igreja.

"Não é nenhuma surpresa, e acho que é uma tentativa nojenta de reforçar o fato de a Igreja como instituição lavar as mãos a respeito do abuso sexual de crianças e acobertar esses casos que continua há muitos anos", disse Marianne Duddy-Burke, diretora-executiva do Dignity USA, um grupo de defesa de católicos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, que fará 50 anos no ano que vem.

O teólogo da Universidade de Creighton Todd Salzman, que estuda teologia moral e ética sexual, disse que a questão não é a orientação sexual de padres abusivos, que em grande parte tem que ver com o clericalismo "que promoveu o pecado estrutural do abuso de poder", levando tanto ao abuso sexual de menores como ao acobertamento pelos bispos.

"É uma questão de poder, uma questão de maturidade e de lidar com a sexualidade e ter relações mantendo o celibato no sacerdócio", disse ele.

Culpar os padres gays pela crise de abuso clerical é tema recorrente desde que o escândalo explodiu em todo o país em 2002, após as investigações do Boston Globe. O recente aumento das discussões aconteceu após acusações contra McCarrick, o ex-arcebispo de Washington, D.C., hoje aposentado, de má conduta sexual com seminaristas adultos e abuso de menores, bem como relatos de abuso sexual e má conduta dentro de vários seminários dos EUA.

Apesar de estudos indicarem que a maioria das vítimas de abuso era homens, essas estatísticas não significam que todos ou a maioria dos padres gays são abusadores nem que ser gay significa ser abusador, disse o padre jesuíta James Martin, editor da revista América e autor do livro Building a Bridge: How the Catholic Church and the LGBT Community Can Enter Into a Relationship of Respect, Compassion, and Sensitivity.

"No geral, é um estereótipo, e deve ser combatido", declarou ao NCR.

Segundo o relatório da John Jay College, 81% das vítimas de abuso eram do sexo masculino, mas isso não estava relacionado à orientação homossexual entre sacerdotes abusivos; na verdade, os autores sugerem que um fator mais provável seria maior acesso aos jovens.

Martin afirmou que conhece centenas de padres gays saudáveis, celibatários, muitos deles com tanto medo que só revelaram sua homossexualidade para seus amigos mais próximos. As tentativas de manchar o sacerdócio homossexual, acrescentou, deixariam muitas paróquias, escolas e outros ministérios sem sacerdote.

Quanto à carta de Morlino, o autor jesuíta que dará uma palestra no Encontro Mundial das Famílias, em Dublin, sobre como acolher as famílias LGBT nas paróquias, disse que pode ser a ocasião mais recente encontrada pela Igreja para criar estereótipos e marginalizar as pessoas LGBT.

"Basicamente, é mais homofobia", disse Martin.

A carta do bispo Madison gerou ampla resposta nas redes sociais católicas, tanto concordando quanto criticando. Entre os que apoiaram Morlino estava o arcebispo de Denver, Samuel Aquila.

Um dia antes, Aquila retuitou um artigo do National Catholic Register intitulado “Homossexualidade ativa no sacerdócio está na base da crise" (em inglês, “Active Homosexuality in the Priesthood is at the Root of This Crisis”).

Em sua carta sobre a crise de abusos, publicada no dia 13 de agosto, Aquila disse concordar com o cardeal Daniel DiNardo, presidente da USCCB, que "a Igreja está sofrendo uma crise de moralidade sexual".

"Infelizmente, muitos do clero e entre os leigos ouviram mais ao mundo do que a Cristo e à Igreja em relação a sexualidade humana", escreveu. "As consequências da abordagem mundana à sexualidade são claras na distorção deste dom precioso e na confusão existente sobre sexualidade que cresce a cada dia".

Citando Humanae Vitae, a encíclica de 1968 do Papa Paulo VI, Aquila disse que a revolução sexual trouxe escuridão à clara doutrina da Igreja sobre a sexualidade humana, como a restrição da atividade sexual ao matrimônio entre um homem e uma mulher. Acrescentou, ainda, que a separação entre relação sexual e seu aspecto procriador — permitindo que se "justifique praticamente qualquer ato sexual" — levou a consequências negativas para a Igreja e a sociedade.

"A revolução sexual que está acontecendo na nossa cultura, que basicamente diz que 'Vale tudo desde que haja consentimento entre dois adultos', não é um modo de agir de acordo com Deus e só leva ao lugar onde estamos hoje", afirmou.

Outros citaram a rejeição generalizada de Humane Vitae pelos católicos, que os impedia de usar contraceptivos artificiais, como um dos principais fatores que contribuíram para o atual escândalo de abuso da Igreja.

"O fato de muitos na Igreja terem rejeitado a encíclica profética do Papa Paulo VI Humanae Vitae, mesmo nos níveis mais altos, chegou à fruição", escreveu Timothy Busch, fundador do Instituto Napa, em uma declaração a respeito do escândalo de McCarrick. "É hora de exigirmos ensinamentos sensatos e a ação de todos os católicos, leigos e ordenados".

No vídeo "Sexual Misconduct: Pruning and purification continues within the church", de quase oito minutos, Thomas Paprocki, bispo de Springfield, Illinois, instou "uma profunda renovação espiritual em todos os níveis da Igreja" sobre os ensinamentos de castidade e moralidade sexual.

"Digo todos os níveis da Igreja porque a revolução sexual do nosso mundo secular obviamente infectou a Igreja em todos os níveis", observou.

Paprocki mencionou que a Humane Vitae "previu os perigos do controle de natalidade artificial de modo profético e preciso" e destacou as grandes proporções de católicos dos EUA que discordam da doutrina da Igreja sobre contracepção, morar junto antes do casamento e o casamento homossexual.

"O clero e os leigos racionalizaram muito facilmente por que e como os ensinamentos morais da Igreja sobre sexualidade e castidade não se aplicam a eles, resultando na situação escandalosa em que estamos agora”, disse ele.

Para Salzman, a tentativa de reduzir o escândalo de abuso clerical a uma questão de ética sexual "não entende a questão de poder e estruturas de poder na Igreja e o abuso de poder que exige reformas fundamentais".

"Fazer referência à revolução sexual ou à rejeição de Humanae Vitae pelos fiéis católicos como de certa forma relacionadas ao escândalo de abuso sexual é apenas outra forma de projetar na sociedade ou nos leigos da Igreja uma noção distorcida de responsabilidade coletiva", afirmou. "A responsabilidade por esta crise é unicamente dos padres e bispos abusadores, dos bispos que acobertaram abusos e que não trabalham por reformas estruturais basilares na Igreja e na cultura do clericalismo." Já houve tentativas da Igreja de culpar a cultura externa por seus problemas em outras ocasiões, disse Duddy-Burke, não reconhecendo "algo profundamente corrupto e podre no âmago dos sistemas da Igreja".

"Isso só reflete a recusa das autoridades da Igreja de assumir qualquer responsabilidade por um problema que é deles”, declarou.

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