A festa da Dormição da Mãe de Deus na tradição bizantina: ''Celebremos aquela que deu à luz o benfeitor''

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17 Agosto 2018

Todas as liturgias das Igrejas cristãs têm um sentido catequético muito evidente. E isso está sublinhado com clareza nas liturgias do Oriente cristão: a liturgia é um ensinamento para os fiéis, impregnada de elementos que instruem nas verdades da fé.

A reflexão é do teólogo e padre Manuel Nin, professor do Pontifício Colégio Grego, de Roma, em artigo publicado por L’Osservatore Romano, 14-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

De modo particular, essa catequese através da liturgia se encontra nas celebrações da Mãe de Deus, daquela que acolheu no seu ventre o Verbo eterno de Deus. De fato, é a presença da Mãe de Deus que marca os diversos momentos do ano litúrgico das Igrejas de tradição bizantina: a primeira grande festa no ciclo litúrgico é a de 8 de setembro, quando se celebra o seu nascimento, e se encerra com a festa de 15 de agosto, a Dormição da Mãe de Deus.

Todo o mistério de Cristo que se celebra ao longo do ano litúrgico tem início, portanto, com a Natividade de Maria e se conclui com o seu trânsito e a sua plena glorificação. Desde o início, o Oriente cristão contemplou Maria sempre inseparavelmente inserida no mistério do Verbo encarnado. E as Igrejas do Oriente, dirigindo-se à Mãe de Deus, sabem que se dirigem àquela que intercede junto ao seu Filho.

A festa de 15 de agosto, que nos livros litúrgicos bizantinos traz o título de Dormição da Mãe de Deus, enquadra o trânsito e a glorificação da Virgem no mistério pascal do próprio Cristo e é uma das festas mais populares entre os fiéis. Ela é precedida pela “pequena quaresma da Mãe de Deus”, um período de oração e de jejum que começa no dia 1º de agosto e, nessas duas semanas, à noite, celebra-se a oficiatura da Paráklisis (palavra grega que significa “súplica”, “invocação”, “consolação”), muito amada pelos fiéis.

Na versão mais arcaica, a Paráklisis remonta ao século IX e a sua celebração tem uma estrutura semelhante à da manhã: a benção e as orações iniciais, a recitação de dois salmos (142 e 50) e o canto das nove odes próprias da Paráklisis.

Cada um dos tropários das odes inicia com a invocação: “Santíssima Mãe de Deus, salvai-nos”, porque Maria, gerando o Verbo de Deus encarnado, traz-nos dele a salvação. Depois da sexta ode, há a proclamação do evangelho com o relato da visitação de Maria a Isabel. Depois da terceira e da sexta odes, e no fim da celebração, o sacerdote canta diversas ladainhas em que faz memória de toda a Igreja e daqueles por quem se reza de modo especial.

O texto das odes se entrelaça com invocações à Mãe de Deus e àquele que ela gerou, Cristo. Toda a oração é atravessada pelas afirmações da encarnação do Verbo, da divina maternidade de Maria e da sua poderosa intercessão: “Peço-vos, ó Virgem, dissipai a perturbação da minha alma. Vós, de fato, ó esposa de Deus, gerastes o Cristo, o autor da serena quietude, ó única totalmente imaculada”.

Os títulos com que Maria é invocada estão sempre ligados à sua divina maternidade (Mãe de Deus, Virgem, Mãe do Verbo encarnado, Mãe divina) ou conectados à sua função e ao seu papel no mistério da redenção: poderosa intercessora, baluarte inexpugnável, fervorosa advogada, fonte de misericórdia, causa de alegria, fonte de incorruptibilidade, torre segura.

Diversas estrofes das odes sublinham a estreita relação entre Cristo e Maria, relacionando o dom feito por Maria e a fonte da qual o dom surge, isto é, o próprio Cristo: “Colocai a paz na minha alma, ó Virgem, com a paz serena do vosso Filho e Deus. Curai-me, ó Mãe de Deus, vós que sois boa e destes à luz aquele que é Bom”.

E, em uma das estrofes da terceira ode, encontramos todo um jogo com os termos “benfeitor”, “bem” e “benefício”, porque Maria, ao gerar Cristo, assegura os seus dons por ele concedidos a todos aqueles que se confiam a ela: “Vós que destes à luz o benfeitor, a causa de todos os bens, fazei brotar para todos a riqueza dos seus benefícios, porque gerastes o Cristo, que é poderoso na sua força”.

Várias vezes, no texto, Maria é invocada com o título de “esposa de Deus”, sempre ligado àquele que ela gera como esposa e mãe, o Verbo encarnado. Ela salva das ondas das paixões, porque dá à luz o timoneiro do navio da Igreja, e ela é uma fonte de compaixão porque gera aquele que é amigo do ser humano e tem piedade dele: “Tu que destes à luz o timoneiro, o Senhor, aplacai o tumulto das minhas paixões e as violentas ondas das minhas quedas, ó esposa de Deus. Concedei a mim que vos invoco o abismo da vossa amorosa compaixão, vós que destes à luz o compassivo”.

A virgindade de Maria, depois, é descrita como fértil de dons para aqueles que a invocam: “Não ignoreis, ó Virgem, aqueles que pedem a vossa ajuda. Ó Virgem, vós derramais a abundância das curas sobre aqueles que com fé vos celebram, ó Virgem. Vós curais as enfermidades da minha alma, ó Virgem, vós afastais os assaltos das tentações, ó Virgem”.

Na conclusão da celebração, um último tropário conecta o canto da Paráklisis com a própria festa da Dormição: “Apóstolos, aqui reunidos desde os confins da terra, no poder do Getsêmani, enterrastes o meu corpo. E vós, meu filho e Deus, acolhei o meu espírito. Doçura dos anjos, alegria dos atribulados, proteção dos cristãos, ó Virgem, Mãe do Senhor, vinde em meu socorro e salvai-me dos tormentos eternos. Tenho-vos como mediadora junto do Deus amigo dos homens: que ele não me acuse pelas minhas ações diante dos anjos; suplico-vos, ó Virgem, vinde logo em minha ajuda. Torre totalmente entrelaçada de ouro e a cidade dos doze muros, trono que destila sol, sede do rei, incompreensível prodígio! Como podeis aleitar o Soberano?”.

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