14 Abril 2018
A propaganda para doadores de esperma era exigente. Não seriam aceitos homens carecas. Nem com doenças hereditárias como daltonismo. E caso ainda houvesse alguma dúvida, o banco de espermas do Third Hospital da Universidade de Pequim esclarecia: apenas homens com um amor permanente pela "pátria socialista" deveriam se candidatar.
A reportagem é de Javier C. Hernández, publicada por New York Times, e reproduzida por O Estado de S. Paulo, 13-04-2018.
O esforço do presidente chinês, Xi Jinping, para restaurar o Partido Comunista Chinês para o centro da vida cotidiana no país fez com que banners com mensagens socialistas fossem espalhados pelas ruas da capital Pequim, estimulou a transmissão de raps nacionalistas nas rádios e a exibição de filmes patrióticos nos cinemas. Agora, Xi inspira um novo teste de lealdade partidária: a reprodução.
O anúncio colocado pelo banco de espermas do hospital, que havia sido amplamente divulgado nas redes sociais chinesas nos últimos dias, incluía também o apoio ao PC chinês e a Xi como seus principais requisitos para os potenciais doadores.
"A pessoa deve ter bons pensamentos ideológicos", diz a peça publicitária ao descrever o doador ideal. "(Deve) amar a pátria socialista e apoiar a liderança do Partido Comunista Chinês", continuava o texto.
Os homens que fossem aceitos como doadores poderiam receber até 5.000 renminbi, o equivalente a R$ 2.688. Em 2016, cerca de 19% dos candidatos que se apresentaram ao banco de espermas do hospital foram aceitos, segundo uma notícia da época.
Depois de ser amplamente ironizado nas redes sociais, o anúncio acabou removido.
"Amor pelo país e pelo partido (agora) começam desde esperma", escreveu sarcasticamente um dos usuários do site Weibo, a versão chinesa do Twitter, ao comentar a peça.
Muitos internautas também questionaram os critérios de seleção incluídos no anúncio, que pedia aos doadores que fossem cumpridores da lei, "honestos e corretos" e livre de "questões políticas".
"Qual a prova científica (para isso ser usado na seleção)?", questionou outro usuário do Weibo. Contactado por telefone, um membro do Third Hospital se recusou a comentar a polêmica.
A exigência de Xi por lealdade inabalável ao partido tem sabidamente encorajado ações excessivamente zelosas de autoridades ansiosas para provar sua devoção ao presidente chinês. Críticos dizem que Xi está encorajando o retorno do culto à personalidade que não era visto desde os tempos de Mao Tsé-tung.
Sob a administração do atual líder chinês, funcionários públicos frequentemente falam sobre a necessidade de incutir o chamado "gene vermelho" nas gerações mais jovens, uma outra forma de dizer que é preciso levar adiante a tradição comunista.
William A. Callahan, professor de relações internacionais na London School of Economics, diz que o anúncio do banco de espermas reflete os esforços de Xi para misturar ciência e ideologia.
"Nacionalismo e socialismo estão se misturando de formas peculiares para promover a identidade chinesa como uma linhagem sanguínea", diz Callahan. "O anúncio do banco de espermas mostra como o partido domina cada vez mais a política chinesa e como o crescente nacionalismo é definido de acordo com a pureza racial."
O controvertido anuncio foi criado em um período no qual os bancos de esperma em toda a China enfrentam pressões para atrair mais doadores já que, cada vez mais, as famílias se interessam por um segundo filho desde o relaxamento da política de filho único e o país tenta superar o desafio de ampliar sua força de trabalho já que sua sociedade está envelhecida.
Alguns, no entanto, veem o caso como um caso isolado e são céticos em relação ao significado desta propaganda. Hu Xijin, editor do Global Times, um jornal amplamente nacionalista, afirmou que a propaganda era "ridícula" e parecia ter como objetivo atrair a crítica dos veículos de imprensa.
"Líderes deste tipo de organização que cometem este tipo de acidente deveriam ter que assumir a responsabilidade pelo caso e ser punidos", escreveu Hu em uma postagem também no Weibo.
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Banco de esperma da China procura 'bons comunistas' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU