O que faz a política atual do Rio Grande do Sul seguir falando de Leonel Brizola

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16 Fevereiro 2018

No final de janeiro e na primeira semana de fevereiro, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul esteve às voltas com a votação do Regime de Recuperação Fiscal. Votar se o Estado deveria ou não aderir ao plano que vem sendo oferecido pela União como um resgate aos estados endividados. Além da discussão entre oposição e base sobre o projeto em si, as galerias e a própria tribuna voltaram a citar o nome de um político que vem sendo símbolo da polarização desde que o governador José Ivo Sartori (MDB) apresentou seu super pacote de medidas para recuperar a situação financeira do RS, no final de 2016: Leonel de Moura Brizola.

A reportagem é de Fernanda Canofre, publicada por Sul21, 14-02-2018.

Para quem o critica, Brizola foi um dos últimos “caudilhos” da política do Sul, responsável pelas crises enfrentadas hoje pelos dois estados que governou há décadas, o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Um colunista arriscou dizer que “em nome de mais investimentos na Educação” o fundador do PDT talvez “se dispusesse a pensar em alternativas que não fossem as ideais, mas sim as possíveis”, indicando que ele aceitaria o acordo que seu partido rejeitou nos votos.

Algo distante do discurso de sua neta, a deputada estadual Juliana Brizola, e do que foi levantado nos cartazes de servidores das estatais colocadas na mira da privatização pelo governo atual, para quem, “Brizola vive”. Foi a política de encampação das estrangeiras Bond and Share e ITT, que originaram a CEEE e a CRT, em seu governo. Um dos legados associados ao nome de Brizola ainda hoje, juntamente com a Campanha da Legalidade, que garantiu que João Goulart pudesse assumir a presidência em 1961 e a criação das brizoletas – milhares de escolas públicas que se espalharam por todo o RS durante seu governo.

Fora da ALRS, nas redes sociais, frases e declarações polêmicas de Brizola também foram ressuscitadas nos últimos anos. Como o episódio em que ele discute com o senador Ronaldo Caiado, durante os debates presidenciais de 1989, quando os dois eram candidatos, e Brizola o chama de “filhote da ditadura”. Ou outra declaração considera quase “profética”, quando o pedetista analisa a tendência do PMDB de ficar cada vez mais conservador. “Quando for chegando a hora da verdade, a sua verdadeira natureza irá levá-los para uma aliança com os conservadores”, disse à época.

Para tentar entender por que o nome de Brizola ainda é tão polarizador no debate atual, o Sul21 conversou com algumas pessoas próximas ao líder trabalhista ou críticos de seu legado.

Everton Gomes, vice-presidente do PDT do RJ no primeiro Carnaval depois da morte de Brizola, em 2005, o Rio de Janeiro estreou um novo bloco: “Órfãos de Brizola”. Este ano, ele voltou às ruas carregado de críticas às reformas do governo Michel Temer. Para o presidente do PDT no Rio, a crise de legitimidade na política é o que faz com que o nome do fundador do partido ainda seja tão atual quanto há 29 anos, quando ele se candidatou à Presidência da República.

“O debate nacional, embora pareça um debate novo, reapresenta os velhos debates do passado entre os entreguistas e os nacionalistas. O Brizola sempre representou a personificação da defesa de um Estado forte, de um Estado indutor, um Estado que pensava no bem-estar social. Ao longo dos mais de 60 anos de vida pública, mesmo seus opositores jamais o acusaram de desvios éticos, porque ele sempre teve uma vida muito ilibada. Neste momento de crise de legitimidade da política, em que você tem uma sociedade muito polarizada, é natural que a figura do Brizola se coloque com força junto aos mais diferentes setores da sociedade”, aponta.

Gomes elenca entre as principais obras do governo brizolista no Rio, a implantação dos Cieps, as escolas de turno integral idealizadas por Darcy Ribeiro, investimentos em educação pública também no ensino superior – como a criação da UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense), que tinha focado em tecnologia e na cadeia do petróleo, além de políticas voltadas ao meio-ambiente e mesmo segurança pública, um dos pontos sobre os quais mais teve críticas.

“Ao contrário dos seus opositores, quando Brizola deixou o governo no Rio Grande do Sul, saiu com 89% de aprovação. Ninguém que quebra um Estado sai com tanta aprovação popular. Agora, recentemente em uma pesquisa, ele foi escolhido aqui no Rio de Janeiro como o melhor governador de todos os tempos da nossa História”.

Juliana Brizola, deputada estadual e neta Em 2016, quando a ALRS votava o pacotaço de Sartori e a extinção de fundações estaduais, Juliana teve que encarar uma brincadeira de mal gosto das galerias. Manifestantes pró-governo levantavam um lençol branco, imitando um fantasma, toda vez que ela falava. Mas ela seguiu. Apesar da polarização em torno de muitas questões defendidas por ele, a neta do líder do PDT, que hoje ocupa uma cadeira na Assembleia pelo mesmo partido do avô, diz que vê seu nome sendo sempre lembrado tanto pelo campo de esquerda, quanto por conservadores.

“Eu acredito que pela coerência dele, algo tão difícil hoje em dia e que é a maior crítica que a gente tem ao PT. O PT quando governou não teve a coerência que deveria ter tido, com tudo o que tinha defendido até então. Brizola foi um homem que, com toda a sua trajetória política, foi extremamente coerente. (…) Um político que, durante 60 anos de vida pública, nunca mudou de lado, nunca titubeou, nunca fez acordo para poder se eleger. Preferiu, inclusive, perder eleições, mas sempre dizer o que acreditava. Muita gente me dizia: teu avô tem o dom da oratória, fala bem. Mas o que eu vejo é que tudo aquilo que ele discursou era realmente o que ele acreditava. Algo tão difícil, hoje, quando os políticos falam só aquilo que as pessoas querem ouvir”.

Pedro Ruas, deputado estadual, fundador do PDT e amigo

“O dinheiro público é sagrado”. “Em administração pública, o pior crime é a corrupção. Em política, o pior crime é a traição”. “A humanidade não produz um Einstein por semana, então, governar não tem segredo. Basta ser honesto e trabalhar muito”. Esses são alguns dos conceitos de Leonel Brizola que o Pedro Ruas diz que orientaram muito a sua vida, especialmente na política.

Ruas foi muito próximo do ex-governador e se tornou um dos fundadores do PDT, junto a ele, depois que o uso da sigla PTB foi vetada a Brizola. Em seu gabinete, a maior foto das paredes cheias de momentos de sua vida política, é uma em que os dois aparecem caminhando de braços dados, no aeroporto de Brasília. Filho de pai e mãe brizolistas, o deputado que hoje está no Psol conta que foi justamente o pensamento político que os unia mesmo depois do “desquite”. “Meu pai dizia que Brizola era o ‘canhão do povo’, capaz de mudar toda a situação de uma hora para a outra. Isso para mim sempre foi presente e é até hoje”.

Numa análise do que faz o nome de Brizola seguir sendo pauta nos dias atuais, Ruas lembra que ele sempre conseguia olhar à frente. “Brizola fazia análise de conjuntura, mas sempre englobando o que seria daqui a 10, 20 ou 30 anos. Quando ele falava, ele falava sobre como o Estado estaria dali a 30 anos, sempre projetando o futuro. Isto é um estadista, que pensa para além de sua própria vida, de forma real. Brizola fazia isso com naturalidade e me fascinava”.

Nos anos 1980, por exemplo, quando o Rio de Janeiro vivia uma época de violência nos morros, ele tomou posição e proibiu a entrada da polícia militar nas comunidades. Sem medo da reação da corporação, Brizola disparou que, quando a polícia subia o morro, geralmente, “ é para se corromper ou para cometer violência”. Então, não subiria mais. Além disso, lembra Ruas, ele se cercava de pessoas que poderiam ajudá-lo em conceitos que não sabia ainda como navegar como Darcy Ribeiro e Caó, autor da primeira lei que puniu com prisão a discriminação racial no Brasil, falecido recentemente.

Brizola foi um grande gestor. Ele não vendia, ele construía. Não vem com o argumento que nos anos 1960, o RS tinha mais dinheiro do que tem agora. É claro que não. Tinha era gente honesta, com criatividade (que é o caso do Brizola), capacidade de trabalho. Tudo o que tem no estado hoje foi criado por ele. A Caixa Econômica Estadual, que era o banco dos servidores e do povo pobre, era dele. No Rio de Janeiro, também, da Linha Vermelha até o Sambódromo”, analisa.

Juremir Machado, jornalista e escritor



“O tempo passa e a coragem de Brizola sobressai. Foi nacionalista, defensor de causas populares, críticos dos entreguismos da época, negociador quando possível, inflexível em momentos relevantes da nossa história, grande orador, frasista, zombeteiro, inimigo de modismos vazios vindos do estrangeiro, sagaz e visionário. Um personagem pronto”. Essa é a avaliação do escritor sobre o porquê do nome de Brizola seguir vivo.

Para Juremir, o político, natural de Carazinho, na região norte do Estado, “tinha muito de todos nós, gaúchos, ou de como nos vemos”. “Peleador, intrépido, atilado, provocador, mais disposto ao confronto do que aos panos quentes, visceral, passional, espontâneo, incandescente, apaixonado pelas coisas da terra. Com ele era ódio ou amor. Tem fazendeiro de direita brizolista e camponês de esquerda brizolista. Um fenômeno de carisma, empatia, comunicação e naturalidade”.

O que pesou contra Brizola, na sua avaliação, foi “estar à frente de seu tempo” em uma época ultraconservadora da política nacional. Ainda assim, a História transformou seu nome em sinônimo de uma corrente política com apelo popular como só Getúlio Vargas havia conseguido fazê-lo antes dele. “Jango mereceria o mesmo status, mas é rejeitado por uma parte, inclusive por brizolistas, por não ter tentado resistir em 1964. Brizola não para de crescer como mito”.

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