"No Equador acabou-se o Estado de Direito". Entrevista com Rafael Correa

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24 Janeiro 2018

O ex-presidente Rafael Correa acaba de se desvincular do partido que fundou, o Alianza País, porque não lhe permitiram disputar a eleição. Isto faz parte de sua luta contra o atual presidente, Lenín Moreno. Nesta entrevista, realizada antes desse último episódio, Correa explica o que está buscando.

A entrevista é de Julia Goldenberg, publicada por Página/12, 22-01-2018. A tradução é de Henrique Denis Lucas.

O fim de um ciclo chegou ao Equador. Em 2017, o então candidato de Rafael Correa, Lenín Moreno, venceu as eleições presidenciais. Uma vez no poder, o atual governo começou a queixar-se da pesada herança deixada pela gestão anterior e a resistir contra cada denúncia de suposta corrupção. Alguns meses mais tarde, Jorge Glas, vice-presidente e homem de confiança de Correa, foi condenado a seis anos de prisão.

Acusado de receber subornos da Odebrecht, mas sem evidências que comprovem a acusação, com um código penal anterior ao vigente e baseado na confissão de executivos do alto comando da empresa a qual foram demitidos, Glas perdeu a vice-presidência.

Com pressões, irregularidades e um bombardeio midiático tendencioso, o governo de Moreno conseguiu organizar uma Consulta Popular que levará o povo equatoriano às urnas no domingo, dia 4 de fevereiro. O referendo aponta, principalmente, para a anulação de uma possível candidatura de Correa e, também, que o Poder Executivo irá monopolizar todos os poderes do Estado, através do Conselho de Participação. Irmão da refundação política chavista, o Equador da Revolução Cidadã tem uma divisão de poderes - distinta da tradicional - que se encontra sob a égide do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social, uma entidade autônoma que cumpre cinco funções: a função Executiva, a Judiciária, a Legislativa, a Eleitoral e a função de Transparência e Controle social.

Rafael Correa, atualmente radicado na Bélgica, passou por seu país em dezembro de 2017 para restabelecer as forças políticas da Revolução Cidadã no âmbito da VII Convenção Nacional do partido Alianza País. Algumas semanas mais tarde, ele e seus partidários se viram obrigados a abandonar o partido. E agora eles estão promovendo o "Não" contra três perguntas do referendo, que o correísmo denuncia como inconstitucionais. Antes de começar, Correa insiste, "É importante que vocês, alguns setores da imprensa, possam divulgar o que acontece no Equador".

Eis a entrevista.

Em suas visitas ao Equador, como encontrou o país, o povo e os militantes?

No final do meu mandato, ganhamos as eleições e conseguimos uma maioria na Assembleia, mas, infelizmente, as pessoas a quem delegamos a nossa representação nos traíram: eles se aliaram com a direita, estão executando o seu programa político e perseguem seus antigos companheiros. O objetivo perseguido por eles é aniquilar Correa e a Revolução Cidadã, para dividir o país. Minha visita no final de novembro e início de dezembro foi um grande sucesso, pois cheguei à uma hora da manhã e havia milhares de pessoas me esperando no aeroporto. O entusiasmo de nossa militância era enorme e creio que a minha visita foi necessária porque este processo tem sido muito doloroso. Aqueles que supúnhamos serem nossos companheiros, depois de vencer as eleições, nos traíram. Isso é pior do que se a oposição tivesse ganho. Eles estão destruindo tudo o que realizamos: aliaram-se com nossos adversários; estão nos perseguindo, não apenas politicamente, mas como seres humanos, amedrontando até mesmo nossas famílias; atacando nossa força moral e nossa reputação; envolvendo-nos em casos de corrupção; tentando destruir o modelo político, econômico e social da Revolução Cidadã. Dizem que os últimos dez anos de governo foram pura demagogia, pura propaganda e que deixamos uma economia em crise, com gastos irresponsáveis. Mas os próprios números desmentem isso, assim como a CEPAL acaba de fazer, mas isso é repetido e ampliado pela mídia. A verdade é que na minha vinda encontrei um país polarizado, onde estão inoculando ódio no coração de uma minoria que sempre esteve contra nós e que é muito prepotente e violenta. Isso é muito perigoso. Além disso, encontrei um país muito amedrontado: por exemplo, não queriam entrevistar-me em alguns meios de comunicação, pois diziam ter medo de que o sinal lhes fosse cortado. Ou seja, todo mundo é ameaçado por todos os lados.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do Equador reconheceu o presidente Lenín Moreno como o diretor máximo do movimento. Como as coisas ficam, então?

95% dos membros militantes nos apoiam. Em termos de legalidade também temos vantagem, já que essa Convenção tinha cerca de 1.500 delegados e cerca de 5 mil participantes, e foi decidido começar, na Comissão de Ética, o processo de impeachment de Lenín Moreno. Nunca interessou a ele o Alianza País e a sua pretensão é nos dividir. Ele inclusive nos insultou, chamando-nos de "ovelhas", disse que a revolução era infantil e nunca fez campanha com a cor verde, tentando sempre se manter distante do Alianza País. Agora, ele quer destruir o movimento. O problema é que tudo está tomado. Podemos ter toda a razão do mundo, mas o Conselho Nacional Eleitoral enviou uma carta ao governo, e essa carta pesa mais do que toda uma Convenção de cinco mil participantes. Tudo está tomado. Apelamos ao Tribunal Superior Eleitoral e eles nem nos respondem! Eles arquivaram nossa petição alegando que faltam requisitos. Inclusive, frente à Consulta Popular que planejam realizar em fevereiro de 2018, apresentamos uma ação de inconstitucionalidade à Corte Constitucional e não a despacharam. Estamos totalmente indefesos! Eles tomaram todas as instâncias do Estado e isso a América Latina tem de saber.

As perguntas do referendo que será realizado em 2018 já são conhecidas e vocês convocam a votar "Não" frente as questões sobre a candidatura indefinida, sobre a substituição do Conselho de Participação Cidadã e sobre a revogação da Lei de Mais-valia (Ley de Plusvalía, Ndt). Sobre a candidatura indefinida, entendo que esta é uma limitação dedicada a sua pessoa.

Faltou apenas que eles colocassem a foto e o número da cédula de votação (Risos).

Para todas as outras questões, poderia explicar as razões?

A mais grave é a questão três (a que visa substituir o Conselho de Participação Cidadã), mas deixe-me contextualizar. Ninguém nega que a atribuição do presidente em convocar uma Consulta Popular seja legítima. Eu mesmo fiz isso quatro vezes, mas em função do que dissemos na campanha e, em seguida, foi aprovado nas urnas. O núcleo do referendo são duas perguntas abertamente inconstitucionais: a dois e a três. A dois: ele quer revogar a candidatura indefinida, obviamente dedicada contra mim, mas, inclusive, querem fazê-la de forma retroativa, desde 2008. Ainda mais grave é a questão três, que visa reestruturar o Conselho de Participação Cidadã e Controle Social. Isso termina com a divisão de poderes e com o que é conhecido como democracia, de acordo com a definição da Carta Democrática da OEA. O Conselho de Participação é uma entidade que escolhe todas as autoridades do Estado que não são eleitas ou que não são designadas pelo presidente: refiro-me às autoridades da Controladoria Geral do Estado (que é o mais alto órgão de controle fiscal do Estado); as autoridades da Corte Constitucional (o mais alto órgão de controle, interpretação e administração da justiça constitucional); as da Defensoria Pública; etc. Os conselheiros do Conselho de Participação Cidadã só podem ser destituídos por meio de julgamento político, mas dessa forma, nem poderiam se apropriar do mesmo. A consulta propõe afastar os conselheiros, substituindo-os por um corpo de transição composto apenas por delegados do executivo. Ou seja, uma sucursal do executivo. Assim, buscarão avaliar e destituir as autoridades que já foram designadas. Para isso é necessária uma Assembleia Constituinte e eles sabem disso.

Que poder a aprovação dessa pergunta daria ao presidente?

Com isso ele assumiria todos os poderes do Estado: o Judiciário, o Eleitoral e o Controle Social. Assim, ele monopolizaria o primeiro porque o Conselho Judiciário é selecionado pelo Conselho de Participação, então ele poderia mudá-lo à sua vontade e, logo, substituir os juízes e a Procuradoria Geral da Nação (pois o promotor é o único que pode denunciar-me criminalmente). Ele se apoderaria da função Eleitoral, porque o Conselho Nacional Eleitoral é selecionado pelo Conselho de Participação Cidadã. Além disso, ele assumiria o Tribunal Superior Eleitoral, que é onde são apeladas as decisões do Conselho Nacional Eleitoral. Por último, ele se apropriaria da função de Controle Social, através da qual elege a Controladoria (responsável pelo órgão máximo de controle fiscal do Estado) -, e com isso perseguirá todos os que passaram pelo funcionalismo público - e também o procurador do Estado (que é o representante judicial do Estado), que elege os seis superintendentes (de bancos, de empresas, da mídia, etc.). O Executivo vai se apoderar de tudo isso, através de um Conselho de Participação que deixará de ser independente. Em outras palavras, acabou-se a divisão de poderes. Isto é muito grave: a Corte Constitucional não pode ser destituída nem mesmo pela Assembleia Nacional, porque não está sujeita à julgamento político, para garantir o Estado de Direito. Agora, um Conselho de Participação de sete membros do executivo poderia destituí-la! Por último, é retirada da Assembleia a capacidade de fiscalizar, porque essa responsabilidade seria passada ao Conselho. Acabou-se a democracia. Não há divisão de poderes. Por esta razão, as Consultas Populares requerem o Controle Constitucional. As perguntas devem passar pela Corte Constitucional.

(Como bom acadêmico, Correa costuma fazer citações, localizar as referências e ler diretamente documentos, artigos e outras fontes. Neste caso, ele se deteve nos artigos 104.438 e 443 da Constituição. Enquanto ele citava em voz alta, aproveitou para destacar e esgotar alguns pontos.)

Por que reclamam, a partir do correísmo, a inconstitucionalidade da Consulta Popular?

No dia 23 de novembro, a juíza Tatiana Ordeñana (juíza da Corte Constitucional) apresentou seu relatório sobre a constitucionalidade do referendo salientando os pontos negativos nas perguntas dois e três. Ser retroativo em uma pergunta é uma aberração jurídica (questão dois) e a pergunta três é um golpe de Estado - qualquer juiz decente a rejeitaria. O relatório vazou antes mesmo de ser apresentado. Então, em 28 de novembro, o governo reorganizou o Conselho Nacional Eleitoral, afastou o presidente e colocou outro. No dia seguinte, mandou os decretos ao Conselho Eleitoral convocando a Consulta e argumentando que havia passado o prazo da lei para a Corte Constitucional. Na realidade, o prazo seguia vigente até o dia 7 de dezembro e a Corte se reuniria em 5 de dezembro para discutir o relatório da juíza. Mas quando este vazou, o governo argumentou unilateralmente que havia vencido o prazo e convocava eleições. Eles não queriam a decisão constitucional, porque sabiam que essa consulta é inconstitucional. Um Conselho Nacional Eleitoral teria que receber o decreto presidencial e esperar o relatório da Corte. No entanto, receberam o decreto e convocaram eleições. Tudo está tomado. Até mesmo a imprensa é a favor deste referendo. Nós o denunciamos junto à OEA e esta deve intervir no sistema interamericano. O que está acontecendo no Equador é gravíssimo: acabou-se o Estado de Direito!

Daí surge a sua definição de democracia, como a vontade das maiorias, sob as regras pré-estabelecidas.

Fazem parecer que isto é democrático porque as pessoas seguem votando, mas este tipo de coisa nos atrasa vinte anos. Já nos fizeram votar coisas que sequer existem na Constituição. A Consulta é inconstitucional e eles estão manipulando o povo.

Há apenas três meses na presidência, Lenín Moreno retirou todas as funções do vice-presidente, Jorge Glas. Este acabou sendo condenado a seis anos de prisão, acusado de receber propina da Odebretch. Qual é o papel do caso Odebrecht na América Latina?

É a judicialização da política, o "Lawfare" como é chamada pelos gringos. Trata-se de aniquilar o adversário político atulhando-o de processos. É uma toda uma estratégia, como na guerra. Primeiro, exacerbam um caso de corrupção e o generalizam, para que as pessoas se sintam indignadas. Então, os meios de comunicação localizam os culpados e um linchamento midiático é produzido por meses. É o mesmo que fizeram com Dilma, com Lula e com a própria Cristina. Por fim, vem o julgamento, que é apenas uma formalidade. Com semelhante nível de efervescência popular e de linchamento midiático, não é possível haver um julgamento justo. Com tudo isso, tentam destruir a força moral do nosso povo dizendo que tudo foi resultado da corrupção. Isso é uma mentira, pois o Equador tem feito grandes progressos na luta contra a corrupção. No caso de Jorge Glas, dizem que ele recebeu subornos, mas nada foi encontrado. Instalou-se no imaginário coletivo, mas não há evidências! O que acontece é que os membros da Odebrecht que confessaram foram substituídos.

Então, por qual razão o colocaram em prisão preventiva?

Para que ele perca a vice-presidência, porque se ele permanecer 90 dias fora do cargo é declarado o abandono e isso já ocorreu no dia 2 de janeiro.

Você mencionou que seus colaboradores enviaram-lhe uma análise feita pelo atual governo sobre o impacto do discurso anticorrupção na população. De que se trata?

Acredito que eles estão apostando na indignação, porque esses casos de corrupção são uma traição à pátria. Quando todos os dias há uma campanha milimétrica, indicando que houve corrupção em todos os lugares, isso gera indignação. A informação sobre qualquer coisa é simplificada. Por exemplo: dizem que houve superfaturamento em determinada obra pública, mas não explicam que existe uma diferença entre o preço do cimento para uma moradia e o preço do cimento para um laboratório, por exemplo. Eles enchem o coração das pessoas de ódio, rancor e indignação por meio de mentiras e difamações. Mas o que acontece com o atual presidente? Ele foi, durante 10 anos, membro do nosso governo e, se houve corrupção, ele seria cúmplice. Voltaram as práticas do passado: por exemplo, para a família Bucaram lhes deram as usinas elétricas. Estão repartindo o país.

Na Argentina há uma onda de processos dirigidos a muitos ex-funcionários do governo de Cristina Fernández de Kirchner. Você considera que há uma estratégia regional a este respeito?

Sim, sem dúvida! É o novo instrumento de ataque aos governos progressistas. Antes era a luta contra o comunismo, contra o tráfico de drogas, agora é contra a corrupção e o resultado é que todos os líderes progressistas que não se submetem ao império, são corruptos. É uma estratégia regional. A cartilha no Equador é semelhante à ofensiva usada no Brasil e parecida com a investida contra Cristina. Houve um claro retrocesso da esquerda na região e muitas vezes me perguntam: quais são os erros da esquerda? Creio que é preciso considerar que o desmoronamento dos preços das matérias primas afetou todas as nossas economias, enquanto que a imprensa e a direita aproveitaram essa fragilidade de forma muito perversa. Tivemos inclusive um terremoto que causou uma perda de mais de 3 pontos percentuais do PIB. Estamos diante de uma mudança de ciclo econômico e isso é aproveitado pela direita. A estratégia se baseia em semear a dúvida sobre a nossa força moral. Qualquer batalha pode perder um revolucionário, menos a batalha moral.

Como seria essa estratégia?

Primeiro, instalam o argumento de que as políticas econômicas falharam, quando na verdade há uma mudança de ciclo econômico. Nós tivemos de enfrentar uma tempestade perfeita em termos econômicos (queda nas exportações e a valorização da moeda) até o final do meu governo. As políticas heterodoxas provaram ser bem sucedidas tanto na expansão quanto na recessão. Mas nos últimos anos, sentimos que não estávamos indo tão bem e a imprensa diz que tudo isso é culpa de Correa. Isso confunde as pessoas. São as estratégias utilizadas para atacar aos governos progressistas. Em seguida, vem a judicialização da política. A verdade é que a judicialização da política precisa ser tratada a nível interamericano. Não podemos permitir tanto abuso! Por fim, parte da estratégia é a desinstitucionalização de nossos países, a perda do Estado de Direito. Precisamos nos reunir como região e nos elevarmos. A América latina precisa juntar-se e discutir essas coisas.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu a liberação de Milagro Sala, mas o pedido foi desconsiderado.

Se eles não obedecem é porque estão embriagados de poder.

Sobre o que foi mencionado em relação a uma estratégia regional, lembro que em uma entrevista com a rádio Futuröck lhe preguntaram se você continuava em contato com os ex-dirigentes dos governos progressistas. Gostaria de saber se você acredita que, além do contato, teria sido necessária uma integração regional mais profunda e estrutural?

Infelizmente é muito difícil construir e muito fácil destruir. Com a mudança nas relações de força da região, todos os processos de real integração regional estão parados. Basicamente refiro-me à União de Nações Sul-americanas (UNASUL), que está sem secretário geral há meses, e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que se mantém apenas em formalidades.

Como você percebe as reformas conservadoras impulsionadas em todos estes países?

Cedo ou tarde o Equador seguirá essa direção. No nosso caso, algumas políticas não foram mudadas. Por exemplo, em questões internacionais, a relação com a Venezuela persiste, porque é estratégica. Mas diante da primeira pressão dos Estados Unidos vocês verão o que acontecerá com o apoio à Venezuela, à Cuba ou ao próprio Julian Assange. Serão pessoas entregues ao império. Em nível nacional, estão esperando a Consulta Popular do dia 4 de fevereiro para consolidar uma vitória e logo começar com as medidas econômicas, jogando a culpa em nós. O atual presidente tem um pacto com os empresários e banqueiros, que obviamente querem medidas neoliberais. Se elas dessem resultados, até eu as implementaria! Mas já é comprovado que elas são um fracasso. Além do fracasso da flexibilização laboral, da privatização do sistema previdenciário, há algo que os dirigentes da América latina não entendem é que estas medidas destroem o bem moral: a exploração laboral, a falta de responsabilidade do patrão frente ao trabalhador. Isso nos divide como sociedade e isso é muito mais pernicioso para o desenvolvimento do que seus supostos lucros, que tampouco existem. Isto é o que eu chamo de “pragmatismo destruidor”: é um pragmatismo que nunca faz barulho e destrói muito mais do que constrói. Enquanto não compreendermos que todos temos direito a viver bem, não sairemos do subdesenvolvimento. As grandes causadoras do subdesenvolvimento latino-americano são as elites.

Tudo isto se encontra sob um suposto diálogo. Um compatriota seu, Jaime Durán Barba, escreveu o seguinte quando Lenín Moreno ganhou as eleições: “Bastante gente avalia bem a gestão de Correa, mas rejeita seu estilo violento e autoritário. Lenín é uma pessoa de espírito conciliador, que não soube aproveitar essa vantagem, e se identificou com uma campanha violenta, agressiva, que deu a impressão de que ele governaria com o mesmo estilo forte de Correa, que muitos rejeitavam de maneira veemente”.

Durante dez anos, tive quase duas reuniões por dia, e isso contabiliza 8 mil reuniões e não apenas com os poderosos, com banqueiros, com jornalistas, também me reunia com as trabalhadoras sexuais, com as famílias dos desaparecidos, com os movimentos sociais, com os sindicatos, com os movimentos LGBTI. Agora, as mais vulgares concessões se disfarçam de dialoguistas. Sobre Durán Barba posso dizer que o chefe de campanha da Consulta Popular a ser realizada em fevereiro talvez seja o principal assessor de Lenín Moreno. Sem dúvidas ele está repetindo o que Durán Barba lhe diz.

Equador. As urnas versus a rua

Ele sempre veste a típica camisa bordada com motivos pré-colombianos. Cumprimenta sempre sorrindo, por mais que a imprensa recorte apenas os seus exageros. Entre as formalidades que começam qualquer conversação, ele se lamenta: “Deveria dizer que estou bem, mas na verdade estamos passando por momentos bem difíceis no Equador e sei que na Argentina as coisas andam mal”. Durante toda a entrevista, o ex-presidente do Equador, Rafael Correa Delgado, manifestando uma retórica que vai da precisão acadêmica elaborada com citações textuais, até fragmentos da história, recitados de cor, conservam a poesia e a épica, próprias de Chávez, Fidel ou Mujica.

Residindo atualmente na Bélgica, Correa voltou ao Equador para restabelecer as forças políticas da Revolução Cidadã e, depois, em janeiro, para fazer campanha contra algumas das perguntas da Consulta Popular consideradas inconstitucionais e que, de acordo com o correísmo, colocam em risco o Estado de Direito no Equador. No dia 4 de fevereiro acontecerá este referendo que, vale esclarecer, foi idealizado pelo candidato da oposição, Guillermo Lasso, um personagem que foi muito investigado pelo PáginaI12, pela jornalista Cynthia García, e que conta com a assessoria de Jaime Durán Barba.

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"No Equador acabou-se o Estado de Direito". Entrevista com Rafael Correa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU